“Se os meus herdeiros não querem ou não possuem a capacidade de continuar o meu negócio, minha única saída é a venda? […] A resposta é não. Entretanto, é necessário buscar meios de transformar o negócio para que mesmo sem a capacidade ou vontade dos herdeiros, ele se perdure”, alertou a advogada Kelly Marinho, membro da Comissão de Agro da OAB de Mato Grosso, em novo capítulo da série Sucessão no Campo, que foi ao ar no Giro do Boi desta quinta, dia 13.
Conforme observou a especialista, a empresa familiar está fadada a se desenvolver baseada sempre nos pilares dos costumes de determinada família. “É importante entendermos que a empresa familiar nasce com laços sanguíneos afetivos e, principalmente, dos costumes enraizados da família, que terão total e completa relação com o comportamento de cada membro diante das decisões a serem tomadas na empresa. Além disso, as empresas familiares nascem e passam de geração para geração sob o domínio de uma mesma família, podendo ser conduzida pelos membros dessa família ou com ajuda de administradores profissionais”, comentou.
Todavia, é justamente esta categoria de propriedade rural que mais tem dificuldade com a “passagem do bastão”. “Esse tipo de empresa é justamente aquela que mais sofre com a sucessão. Isto ocorre pela dificuldade de manter a vontade de todos os envolvidos”, comentou.
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Para que o titular do patrimônio não tenha que se desfazer integral ou parcialmente de sua empresa familiar, Marinho recomendou a importação de conceitos de gestão empresarial. “Uma das formas de estruturar esse negócio com a criação de uma estrutura rígida, que pode fazer com que esse negócio perdure, é trazer alguns conceitos empresariais, ou seja, os sócios, os herdeiros e o patriarca, passam a deter cotas da empresa e trabalham na sua gestão em busca do sucesso efetivo, ficando a cargo dos seus membros não só deliberar, mas também contribuir com afinco em suas prestações de serviço, dando característica pessoal ao negócio. Seria como se toda a família estivesse envolvida nesta atividade. Ou seja, todos levariam a sua assinatura. Os sócio acionistas, ou cotistas, possuem direitos e deveres a eles inerentes e os administradores dos negócios, mediante gestões eficientes dos diversos elementos e sistematicamente condicionados para realização desse objetivo do contrato social da empresa”, apontou.
É por meio da gestão profissionalizada que um negócio familiar pode continuar mesmo que os herdeiros não queiram ou não tenham capacidade de tocar a empresa, neste caso, a fazenda.
“No entanto, quando nós pensamos na família como dona do negócio, já é totalmente diferente. Ela não tem todos os membros envolvidos na realização da atividade. Por sua vez, é aquele que detém a propriedade, mas não se envolve na gestão da atividade empresarial, deixando a sua administração a cargo de um terceiro contratado. A família conserva somente o controle societário, ou seja, trata-se de uma empresa que tem os herdeiros apenas como sócios. Assim, por mais que esses herdeiros não queiram dar continuidade ao negócio, ou não consigam desenvolver essa atividade sozinhos, há formas de que o negócio continue por meio de uma gestão profissionalizada. É neste momento que se nomeia um administrador, caso nenhum dos filhos tenham interesse em tocar essa atividade. Além de que esse profissional poderá ser muito mais experiente e qualificado e irá gerir o patrimônio pensando no melhor interesse dos sócios e dos seus bens. Desse modo, evita-se eventual dilapidação patrimonial pela gestão de pessoas que não possuem experiência para tanto, distribuindo os lucros oriundos desses bens”, sugeriu.
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Isso não quer dizer, segundo a consultora, que os herdeiros não possam contribuir para o dia a dia da fazenda. “A criação de uma empresa permite utilizar qualidades do sucessor de forma adequada porque ele pode não ter interesse em tocar essa atividade, mas pode ter uma qualificação como um ótimo vendedor e pode ser colocado para fazer todas as negociações desta empresa”, exemplificou.
Dentro do conceito de gestão empresarial, Marinho listou outra ferramenta que pode ser útil na conversão da propriedade em meio à sucessão familiar. “Outra ferramenta que pode trazer maior segurança aos herdeiros na profissionalização desta atividade e na manutenção desse negócio é a questão da governança corporativa. O que seria essa governança corporativa? É o sistema pelo qual as empresas e as demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselhos de administração, diretorias, órgãos de fiscalização e controles e demais partes interessadas”, apresentou.
Marinho detalhou de que se trata a governança e como aplicá-la na realidade da fazenda. “As boas práticas dessa governança contêm princípios básicos e recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade do seu acesso a recursos e contribuindo para uma qualidade de gestão e organização, levando à longevidade a ao bem comum dessas instituições. E aí nós temos alguns princípios que baseiam esta governança, que nós poderíamos citar, por exemplo, a equidade, que é um tratamento justo de todos os sócios, as prestações de contas, que trazem uma transparência em relação a toda a atividade exercida dentro da empresa, as responsabilidades corporativas, onde todos os agentes devem zelar pela sustentabilidade da organização, visando a longevidade, a incorporação, com considerações de ordem social, ambiental na definição dos negócios e operações”, esclareceu.
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“A utilização de um bom sistema de governança ajuda a fortalecer as empresas, reforça a competência para enfrentar novos níveis de complexidade dentro dessas empresas e ainda amplia as bases estratégicas de criação de valor, fator determinante para harmonização desses interesses”, reforçou.
“A governança corporativa é como um guia de estrutura de gestão, buscando alinhar e organizar a gestão do patrimônio e a gestão do negócio”, comparou a advogada.
Marinho antecipou ainda como o titular do negócio pode começar a transformação da fazenda em empresa de forma a evitar conflitos familiares. “Para evitar possíveis confrontos e resguardar as empresas, o empresário pode começar a planejar em vida como deverá ser tratada esta sucessão. Ao invés de deixar um patrimônio que precisará ser partilhado, que com certeza vai ser um palco de grandes discussões entre os herdeiros, deixe simplesmente cotas desta empresa, respeitando assim a sua vontade e a legítima, que é determinada pela legislação”, sugeriu.
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Marinho ilustrou que situações podem ser evitadas com esta distribuição de cotas de uma empresa familiar ainda em vida. “Pode haver ainda aqueles herdeiros que ficam insatisfeitos com o objeto herdado e, em um ato de vingança, consequentemente, vão decidir desfazer desse patrimônio. Nesse caso, a cessão de cotas ocorrerá nos limites dentro da holding familiar e todos os efeitos serão abarcados pela segurança jurídica do direito empresarial, evitando, assim, que essas empresas controladas sejam atingidas. Por isso há necessidade de um planejamento sucessório dentro dessas estruturas empresariais, porque permite com que isso se perdure ao longo dos anos”, concluiu.
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No vídeo abaixo é possível assistir a edição completa do quadro Sucessão no Campo:
Imagem: Reprodução / Serpro.gov.br
