O Brasil corre risco de ficar sem comida durante uma pandemia?

“Nós estamos vivendo hoje a realidade do que significa segurança alimentar”, disse o agrônomo e sócio-diretor da Athenagro, Maurício Palma Nogueira

Não que o agronegócio brasileiro, considerado o “celeiro do mundo”, esperasse mudanças tão profundas como as que aconteceram em meio à pandemia de coronavírus, mas o setor está tão bem estruturado – como poucos são no Brasil – que quase não sofreu impactos como outros setores da nossa economia.

“Ao longo dos últimos anos o Brasil se preparou para este momento sem saber que este momento viria. Nós estamos vivendo hoje a realidade do que significa segurança alimentar. Países mais ricos que o nosso com risco de não ter alimento para a população toda e o Brasil com excedente para exportar. Então isso mostra qual a importância da força do agronegócio, da produção de commodities, ela não é excludente de produção de valor agregado. Tomara que o setor urbano use a realidade de agora para entender melhor o que a gente fala com relação à importância da produção de proteína e do agro em geral”, disse em entrevista ao Giro do Boi nesta quarta, 22, o engenheiro agrônomo esalqueano Maurício Palma Nogueira, sócio-diretor da consultoria Athenagro.

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Por conta de estar bem preparado para este momento é que o País não corre risco de desabastecimento de alimentos. Segundo projeções da própria Athenagro, o Brasil deverá produzir 38% a mais de carnes do que o total que será consumido no mercado interno.

Nós não teremos problemas de abastecimento. A nossa produção, justamente porque a gente produz excedente exportável, é tão maior que não existe risco do Brasil ficar sem comida”, confirmou o agrônomo.

Nogueira ainda fez projeções para a situação das exportações de proteína animal pelo Brasil. “E eu não acredito que vamos ter problema (com exportações), não. Eu acho que se não tiver nenhum gargalo logístico, nenhum entrave em portos, em estradas ou nos países compradores, nós vamos escoar e a demanda vai ser até maior do que o que a gente pode vender, principalmente se a gente analisar hoje o que está acontecendo nos Estados Unidos, que é o segundo maior exportador de carne bovina no ranking mundial. (Carne) suína a gente ocupou já a segunda posição, o Brasil deu um salto nas exportações, e frango, que não deve ter o mesmo desempenho em proporção a 2019, mas já exporta bastante. Então nós somos um país muito bem preparado, tanto para atender o nosso consumo como para ofertar alimentos neste momento que o mundo vai precisar”, acrescentou.

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O consultor disse que estas primeiras projeções positivas para as exportações poderão inclusive ajudar o país a atravessar a grave crise econômica que já está anunciada por conta da redução da atividade econômica em todo o globo. “E nós não estamos fazendo de caridade. Nós vamos vender estes alimentos, que hoje precisam ser vendidos, e trazer recursos aqui para a gente recuperar a nossa economia, porque nós vamos passar por uma crise grande, isso não tenha dúvida. Já existem projeções aí de queda de 5% no PIB este ano para o Brasil e queda mundial (variando) de 1 a 3%”, relatou.

Maurício falou ainda sobre a importância do consumo consciente neste momento de pandemia. Segundo o especialista, a formação de estoques de alimentos perecíveis nas residências acaba prejudicando a parcela mais pobre da população. “Nenhuma necessidade (de estocar carnes). Quando você faz isso, inclusive, você acaba prejudicando a população mais pobre porque eles não têm condição nem de estocar e nem dinheiro, nem recurso para comprar muito. Então você faz com que eles acabem tendo que ir muito mais no comércio, tentar procurar alguma coisa. Então o hábito de compra é manter o mesmo. Claro, as pessoas então reduzindo as idas ao mercado para circular menos e você acaba comprando mais, mas não estocar para guardar, estocar para você aguentar até a próxima ida ao mercado”, aconselhou o engenheiro agrônomo.

O consultor ainda deu dicas de como diversificar o consumo para equilibrar o orçamento dentro de casa e balancear o escoamento das carnes. “E lembrar o que é interessante hoje você fazer com relação ao cortes bovinos, não é? Como teve uma mudança no consumo, que era em restaurantes, em refeitórios ou cantinas, (é interessante) você procurar diversificar dentro de sua casa os cortes que você usa, que você cozinha. Veja o que está disponível de forma mais interessante lá no mercado e comece a fazer uma variação do que você vai levar para a sua casa. Tem oportunidades muito boas, carnes muito boas que o brasileiro não tem muito o hábito de fazer em casa que estão disponíveis e a gente pode aproveitar o momento pra melhorar aí a própria refeição dentro das residências”, evidenciou.

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O consultor ressaltou a confiança que o consumidor pode depositar na qualidade e na segurança da carne que está levando para casa, citando os cuidados que as indústrias estão tomando com seus funcionários e a logística dos produtos até os açougues. “Esta proteção toda para o funcionário do frigorífico chega no consumidor sem risco nenhum, então está muito mais seguro comprar uma carne hoje. Claro, quando chegar em casa precisa limpar a embalagem antes de abrir para não ter risco nenhum de contaminação. Mas nós temos hoje uma cadeia produtiva de pecuária de corte que oferece um produto muito mais saudável, muito mais garantido em termo de qualidade do que era anos atrás”, frisou.

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Maurício comentou ainda projeções para o cenário mundial de oferta e demanda de proteínas, estimando que ao passo que o mundo todo deve sofrer redução na produção, no Brasil deve ocorrer o contrário, inclusive contabilizando um aumento de consumo interno. “O mercado de proteína vai continuar tendo uma demanda muito maior do que oferta. O mundo mundo todo vai reduzir consumo de proteína, o Brasil não. Mesmo exportando, nós vamos manter o consumo na curva crescente das proteínas somadas”, resumiu.

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Ainda que as primeiras projeções sejam favoráveis, o consultor indicou cautela aos pecuaristas neste momento e aprimoramento da gestão da propriedade. “Trabalhe com consciência. O mercado parece ser favorável, mas nós estamos diante de uma pandemia, de uma histeria, de um pânico generalizado. Não sabemos o que vai acontecer, então sejam conservadores. Façam o que tem que ser feito, redobre o cuidado, aprimore mais ainda a gestão e tome muito cuidado com as decisões que vão ser tomadas. O mercado aparentemente é favorável, mas não tem nada fácil no mundo que nós estamos vivendo hoje, então orelhas em pé e muita atenção”, sintetizou.

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Antes de encerrar sua participação, Nogueira informou que o Rally da Pecuária 2020 será mantido a princípio, sofrendo adiamento do que seria o período de realização, que seria de junho a setembro, para setembro a novembro.

Veja a entrevista completa com Maurício Palma Nogueira pelo vídeo abaixo:ncia d

Foto: Reprodução / Agência de Notícias IBGE