Posso acertar parte de um contrato de compra e venda com arrobas de boi?

Entenda o que diz a legislação sobre a liquidez desses tipos de contratos, casos reais já julgados e as vantagens e riscos inerentes à operação

No quadro Direito Agrário que foi ao ar nesta terça, 09, o advogado, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica, Pedro Puttini Mendes, respondeu se existe liquidez para um contrato de compra e venda de um imóvel rural, por exemplo, em que parte do acerto está determinado para ocorrer em arrobas.

“A dúvida de hoje é se a liquidez necessariamente é aceita pelo judiciário apenas em dinheiro ou se é aceita também na arroba de gado. […] E a resposta é que o judiciário aceita, sim, em arrobas de gado, tornando muito interessante para o credor, para quem está vendendo essa fazenda, indexar parte do pagamento, a parte a ser parcelada, em arrobas do que em dinheiro para viabilizar uma melhor correção monetária – ou não, dependendo do valor da arroba na época”, ponderou.

Puttini explicou o que prevê a legislação em casos como este. “Pela legislação, isso é permitido pelo Código Civil. O Código Civil fala que esses contratos de compra e venda poderão deixar a fixação do preço em taxa de mercado, desempenho de bolsas de valores em determinado dia e lugar e também diz que é lícito as partes fixarem os preços em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação”, detalhou.

O consultor explicou o que é a chamada “objetiva determinação” com casos julgados por tribunais brasileiros que podem servir como referência para outras decisões.

“O que os tribunais falam quanto a essa objetiva determinação na arroba do gado? Eu pesquisei em alguns tribunais devido a alguns casos que chegam a mim. Em Minas Gerais tem um caso julgado que traz que (caso como esse) ‘não demanda procedimento cognitivo para apuração, podendo ser obtido mediante simples cálculos aritméticos com utilização da quantidade e preço mínimo estabelecido pelas partes à arroba de boi na data do vencimento’. Então não precisa de muito esforço para determinar esse valor, basta verificar a cotação da arroba. Em outro entendimento, em Rondônia, diz que ‘é título executivo líquido o contrato particular que converte determinado valor de prestação em arrobas de boi, cujo preço será auferido na data do vencimento’. Então a arroba é convertida no vencimento daquela cláusula. E um tribunal de Mato Grosso também diz que ‘não há que se falar em iliquidez em contrato por ausência de especificação sobre a espécie do boi que vai ser utilizada como parâmetro para calcular as arrobas, porque uma vez convertida a execução para a quantia certa, é feita a apuração desse valor’”, ilustrou.

“Por que essa escolha desse tema? São muitos os contratos de compra e venda que colocam cláusulas como essas em que parte do pagamento será em arrobas, sacas, enfim. Situações que nós já comentamos anteriormente em outras modalidades de contrato”, justificou.

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EXEMPLO

“Vejamos uma cláusula de compra e venda, com essa situação”, disse Puttini, exemplificando com um caso em julgamento. “Vejam só: de todo o valor que foi descrito ali na compra e venda, parte dele, o saldo remanescente de R$ 400.000,00, (seria acertado) em 2.940 arrobas de vacas. Ele segue descrevendo que são correspondentes a 210 vacas de 14@ cada”, detalhou.

Puttini explicou com o detalhamento do valor viabiliza a liquidez do contrato e que sua conclusão pode ser feita de forma muito mais célere do que quando não há valores objetivos no acerto.

“Enfim, abre nessa situação várias possibilidades de cobranças, seja dando a liquidez ao valor nos 400.000,00 seja pela indexação desse valor na arroba, na hora de cobrar, ou também receber isso em animais. Para explicar um pouco melhor porque eu estou falando se isso é mais vantajoso, ou menos vantajoso, num contrato de compra e venda: quando há uma negociação entre um credor e um devedor, normalmente ela é formalizada pelo que nós chamamos no meio jurídico de título executivo. Presume-se que o título executivo é válido, feito conforme a lei. Por isso a execução desse título se chama ação de execução. Ela tem um rito muito mais abreviado no judiciário, pois não se discute o mérito desse título. São três requisitos para a validade deste título: certeza, liquidez e exigibilidade. Se falta um desses requisitos, como, por exemplo, liquidez, não tem como liquidar o contrato, pois não se sabe o valor desse título. Aí o acerto é feito pela ação de cobrança e essa ação de cobrança abre muitas outras possibilidades, um processo que pode ter um tempo de duração muito superior ao da execução”, especificou.

“Nesse caso, que falei do acerto dos R$ 400.000,00 em 2.940 arrobas, basta buscar a cotação da arroba na época. Nesse caso, infelizmente, pegou uma fase de baixíssima cotação da arroba”, disse o consultor. Puttini revelou que na época em que foi firmado o contrato, a arroba estava com preço de R$ 160,00, muito abaixo do atual – uma das desvantagens desse tipo de contrato que, embora tenha liquidez, pode falhar em representar as correções monetárias.

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Confira no vídeo a seguir a explicação completa do consultor sobre contratos de compra e venda com parte do acerto feito em arrobas:

Foto ilustrativa: Reprodução / Câmara Municipal de Itaguaí-RJ