É mito ou verdade que o boi a pasto não pode tomar vento nas canelas?

Especialista respondeu se o velho ditado é válido mesmo em uma atividade como a pecuária, que passou por transformações significativas nos últimos anos

Será que mesmo em meio a tantas transformações pelas quais passou a pecuária no últimos anos – intensificação do uso das pastagens e inclusão de novos modelos de engorda, como TIP, semiconfinamento e confinamento – um dos principais ditados referentes à atividade segue válido – aquele que diz que o boi não pode tomar vento nas canelas, ou não pode passar frio nas canelas?

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Entre outros assuntos, esta resposta a respeito do velho ditado foi tema de entrevista com o zootecnista e mestre em produção animal a pasto Josmar Almeida Junior, um dos criadores do software de gestão global de pastagens Gerente de Pasto. O especialista detalhou o “plano de voo” de uma fazenda no que diz respeito a planejamento forrageiro anual.

“Já foi a época. Antigamente o pessoal falava que ‘frio na canela não faz engordar boi’. Isso era verdade para algumas espécies forrageiras, como, por exemplo, as do gênero Panicum. Quando o animal entra no pasto, ele tem que estar em torno de 80 a 90 cm e ele não pode efetivamente passar frio na canela. Mas nas espécies de Brachiaria, geralmente a entrada é com 30, 35 cm e, dependendo do tamanho do animal, ele vai tomar frio na canela mesmo na entrada. Então já não é verdade”, desmistificou Almeida.

O zootecnista afirmou que um dos pontos positivos da pandemia é oferecer mais tempo ao produtor para que execute seu planejamento forrageiro, neste caso, já pensando na próxima seca, da safra 2020-21. “Agora a gente tem que imaginar a fazenda como um plano de voo. Como eu vou comportar minha fazenda em termos de taxa de lotação no período das águas e o período da próxima seca? Porque esta seca que a gente está passando já teria que estar planejada já antes da safra 2019-20. E o momento da pandemia é muito importante porque a gente tem todo o tempo para se planejar. Planejamento demanda tempo e eu acredito que é importante a gente aproveitar este ‘novo normal’ para isto”, aconselhou.

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O primeiro passo para o plano de voo, conforme indicou Josmar, é o pecuarista fazer o inventário das áreas de pastagens de sua propriedade. “Além de saber qual a quantidade de animais, as categorias que a gente tem na propriedade, saber a quantidade de áreas de pastagens é fundamental. O conceito de áreas de pastagens é um conceito muito simples, mas que muitas vezes passa despercebido. O que é uma área de pastagem? É onde você vai girar um lote de animais em um determinado período sem interferência de outro lote de animais ali”, traduziu.

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Segundo o consultor, o produtor deve ponderar que, em meio às suas várias áreas de pastagens, existem umas mais e outras menos produtivas, ou seja, que têm capacidades de lotação que variam. Logo, sua estimativa de suporte ao longo da safra ele deve levar estas oscilações em consideração.

Outro item importante para o produtor levar em conta a lotação dos piquetes é a disponibilidade de água. “A gente recomenda mais litros de água do que quilos de adubo (por hectare) porque sua capacidade de fornecimento de água é determinante na definição da área de pastagem. Cada área de pastagem tem que ter seu fornecimento de água, seja ele natural ou não, e ela é determinante na área de pastagem, na capacidade não só de fornecimento de pasto, como também fornecimento de água, que é algo que a gente normalmente esbarra no Brasil afora. Não só no Brasil, mas no Paraguai também, muitas vezes tem limitações por água, e não por pastagem […]. De nada adianta o melhor manejo de pastagem, o melhor suplemento se você não tem água. E só para lembrar, nós trabalhamos com dimensionamento de 50 litros de água para cada uma unidade animal”, quantificou.

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O especialista acrescentou que é fundamental também o pecuarista ter conhecimento do histórico de adubações feitas nas pastagens, sobretudo para prever o efeito residual ao longo do tempo daquelas fertilizações que já foram feitas. De acordo com Josmar, alguns clientes seus já informaram economia que varia de 30 a 60% com nitrogênio, dependendo da safra, por conta do efeito residual de aplicações passadas, tornando desnecessário novas aplicações no pasto.

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Almeida afirmou ainda que o produtor deve entender que mesmo adubando e até fazendo irrigação, a diminuição da lotação na época da seca é um manejo que precisa ser executado para que a pastagem não dê o primeiro passo rumo à degradação. “(Superlotação) É o primeiro passo para a degradação. Eu preciso saber em maio ou junho do ano de 2021 que se eu tenho 100 hectares, eu devo baixar minha lotação, por exemplo, em uma unidade animal por hectare e eu tenho que criar estratégias para tirar estes animais da pastagens”, apontou.

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O especialista listou algumas das estratégias das quais o pecuarista pode lançar mão para evitar o superpastejo na seca. “A vedação é uma estratégia, suplementação, abate dos animais nas águas, confinamento, semiconfinamento, confinamento a pasto. O cardápio é imenso, a integração lavoura-pecuária ajuda muito, mas isso tudo tem que estar planejado”, salientou.

O especialista ainda respondeu na entrevista outra dúvida comum aos produtores – se o pasto baixo é uma porta mais convidativa para a entrada de pragas. “A gente chega em algumas propriedades, principalmente no Norte do País, onde elas são altamente produtivas, e você tem momentos de subpastejo, ou seja, baixa quantidade de animais perante a quantidade de forragem produzida. Normalmente nesta condição você tem os animais começando a pastar em malhadouros, ou seja, aquelas áreas mais batidas. Aquela forragem que não foi consumida começa a passar, começa a ter maior proporção de talos, de colmos, e o animal começa a desprezar esta pastagem e a fazer o superpastejo do malhadouro. Neste malhadouro, muitas vezes vai ser o pasto que vai praguejar porque ele está em superpastejo. […] Imagine que você tem dez cabeças em dez hectares, acredita que está com uma proporção tranquila, só que o pastejo está sendo feito em três ou quatro hectares e aquele superpastejo ali vai gerar, a posteriori, um praguejamento. Não é isso que é o causador do praguejamento. Se você tiver um bom manejo, uma boa gestão, o pastejo sendo executado por toda área, isso permite que o capim cresça homogêneo, tendo um crescimento mais horizontal, e isso impede a infestação”, apontou.

Josmar confirmou em sua participação no Giro do Boi que, sendo bem manejada, a pastagem pode ser uma cultura perene para aqueles produtores cujo sistema produtivo permite comporta esta característica. “Pastagem com gestão não tem data de validade”, destacou.

Pecuarista precisa entender a pastagem como um insumo. A gestão de pastagem é um insumo na fazenda – é o principal insumo. É diferente um pouco de comprar um sal mineral, comprar os medicamentos, vacinas e vermífugos, porque a pastagem é aquele fornecedor nosso que tem uma variação durante o ano. Esta variação de entrega, de produção… O pecuarista tem que ter um planejamento, que é o primeiro passo da gestão, e tem que executar o que é o mais laborioso, que é o monitoramento. O monitoramento tem que ser feito sistematicamente todo mês porque todo mês você tem a colheita do pasto. Como a gente tem a cada 30 dias um clima diferente, a cada 30 dias a gente tem uma produção diferente de pastagem, então é importante que o pecuarista, todo mês, tenha uma leitura da pastagem, veja qual lotação ele está trabalhando, como está a condição de pastagem em termos de quantidade, em termos de qualidade, que é fundamental. Todo mês tem que ter uma leitura deste processo porque, se não fizer assim, vai muito provavelmente ocorrer erros, tanto de superpastejo, como de subpastejo. Então vamos entender gestão de pastagem como insumo”, frisou.

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Assista a entrevista completa com Josmar Almeida Junior no vídeo abaixo: