Conheça a história da pecuarista que deu a volta por cima após grave acidente

Cláudia do Val perdeu o marido e ficou paraplégica após acidente em 1999, mas reuniu forças para criar duas filhas e tocar as fazendas de gado em Goiás

Foi no ano de 1999 quando Cláudia do Val passou pelo momento mais difícil de sua vida. Em um acidente de carro, perdeu seu marido e ficou paraplégica. Na época, a mãe de duas filhas, então com cinco e dois anos, reuniu forças para aprender a atividade pecuária em meio a limitações físicas para comandar o que é hoje um grupo de três propriedades rurais de ciclo completo – cria, recria e engorda.

A saga desta verdadeira guerreira foi destaque do Giro do Boi nesta quinta-feira, dia 07, quando a própria Cláudia do Val participou do programa para contar sua história e inspirar outros produtores e produtoras. “(1999) Foi um ano de uma reviravolta imensa na minha vida, quando aconteceu este acidente automobilístico, no qual eu perdi meu marido, que era quem conduzia os negócios da fazenda da família e ainda tive uma sequela muito grande em função de uma lesão medular que me deixou paraplégica. Foi um ano de dificuldades imensas, jamais esperadas, jamais pensadas. A gente nunca pensa nestas coisas que pode acontecer algo assim”, recordou.

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Cláudia é nascida no Rio de Janeiro e, vinda da cidade grande, não tinha conhecimentos em pecuária de corte, e seu contato com o campo até então era apenas para acompanhar o marido em visitas às fazendas no estado de Goiás. “A princípio a gente nem se julga capaz, esta é a verdade. Uma mudança tão drástica que você não consegue visualizar nenhuma saída. Eu não me via nem como mãe, esta é a verdade. Eu achava que até como mãe eu estaria inválida, vamos colocar assim. Eu não poderia cuidar das minhas filhas mais, dar banho, aquelas coisas todas que eu fazia antes e aí eu tive que contratar uma babá. É uma mudança tão drástica que você não consegue enxergar as coisas a curto prazo, precisa de um tempo realmente para que você absorva tudo isso e comece a olhar para dentro, olhar para você e buscar quem você é, resgatar esta pessoa que você era até então e que, por um momento, ficou esquecida diante de uma circunstância”, confessou.

Além dos desafios como mãe, Cláudia falou das dificuldades de começar a tocar as fazendas na época. “Há 20 anos a realidade era um pouco diferente no campo. A gente lidava um pouco mais com uma cultura machista, uma cultura que a mulher não tinha muito espaço, ela funcionava muito mais nos bastidores. Quando você chega para a linha de frente, principalmente sucedendo alguém, sucedendo um homem, é muito complicado porque as pessoas não depositam respeito, não depositam confiança em você. E no meu caso, eram vários agravantes porque além de ser mulher eu era muito nova e meu marido era um pouco mais velho do que eu. Então ele já tinha ali um know how muito grande e eu era meio menina ainda naquela história. […] Eu não tinha como subir no cavalo, acompanhar o que estava acontecendo nos pastos, verificar cerca, condição dos animais. Tudo isso, para quem olhava na época, inclusive eu mesma, não conseguia enxergar nenhuma possibilidade de gerir aquilo ali, gerir um negócio porque tinham muitas coisas que iam contra. […] Os sinais eram todos muito contrários àquela possibilidade, […] eu não sabia olhar para uma vaca e identificar se ela era de leite ou se era de corte, eu não saiba, se eu olhasse de longe para um touro, eu chamava de vaca”, contou a pecuarista.

Mas com o tempo e com muita dedicação, Cláudia deu a volta por cima. Inclusive adequando o sistema da fazenda para aumentar produtividade e estar mais de acordo com o seu perfil. As duas fazendas viraram três, com uma sendo dedicada para a recria de animais – de onde as melhores fêmeas do programa de melhoramento genético saem para a reposição da estação de monta -, e o que era um sistema de cria e recria virou ciclo completo.

“Sobre esta questão do ciclo completo, foi uma alternativa. Quando eu decidi introduzir a engorda no nosso processo de produção foi porque a engorda me favorecia um contato direto com o frigorífico. Eu estava muito insegura na época em relação a comercialização dos meus animais, dos meus garrotes, meus bois magros para os invernistas porque como eu não tinha muita noção de mercado, noção até mesmo de avaliar um animal pela suas qualidades, seus defeitos […], eu achei que seria uma forma de estar menos exposta […], então foi uma estratégia na verdade e foi muito interessante porque aí foram desenvolvendo outras coisas. E aí eu já não conseguia acabar os animais a pasto, aqueles que eu não conseguia, eu comecei a fechar (no confinamento), então a gente foi fazendo um processo evolutivo dentro deste tempo acompanhando realmente aquilo que o mercado busca”, comentou.

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Ao mesmo tempo que tocou as fazendas e evoluiu com muita firmeza, Cláudia também foi cumprindo o papel de mãe. De suas filhas, uma tornou-se médica dermatologista e já está atendendo, enquanto a mais nova vai ser formar dentro dos próximos anos também em medicina – e também apresenta vocação para sucedê-la nos negócios da família.

A pecuarista destacou que procura sempre extrair um lado positivo das situações e falou suas impressões sobre o papel do agronegócio em maio à pandemia de coronavírus. “A população, de um modo geral, está começando a enxergar um pouco mais de perto essa realidade do campo, o que fazemos lá, a necessidade de tudo que vem de lá, a seriedade com que a gente conduz tudo isso e que a gente não para. Independente do que está acontecendo, a gente não para, o ser humano não pode ficar sem alimentos e é dali que tudo surge”, frisou.

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Cláudia deu dicas para as pessoas que de alguma forma querem estar ao máximo preparadas para situações adversas. “A mulher hoje que tem oportunidade de conhecer um pouco mais da propriedade, seja do pai, seja familiar, seja do marido, eu acho que ela tem que estar um pouco mais de perto. Ela precisa estar acompanhando isso com outro olhar porque a gente nunca sabe o que pode acontecer e não é nem se preparar no sentido psicológico de ficar sofrendo antecipadamente um perda, não é nesse sentido. É no sentido de pensar que tudo é possível e, se amanhã for necessário, você vai estar um pouco mais pronta para encarar todos os desafios que vão vir num processo de sucessão”, esclareceu.

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“Esta é a minha vida hoje, eu amo o que faço”, celebrou Cláudia. “Foi uma caminhada mesmo que a gente veio percorrendo de acordo com aquilo que foi se tornando necessário e a qual eu pretendo ainda percorrer por um tempo, se Deus quiser”, concluiu.

Veja a entrevista com Cláudia do Val na íntegra pelo vídeo abaixo: