A árvore do vizinho caiu na minha cerca. Preciso ter licenciamento para cortar?

Dúvida veio de telespectador da região de Eldorado, em Mato Grosso do Sul, e foi respondida por consultor jurídico que apontou o que prevê a legislação em tais casos

O telespectador Leandro Cordeiro, de Eldorado, em Mato Grosso do Sul, enviou sua dúvida ao Giro do Boi Responde. Ele quer saber se ele pode cortar árvores que caíram sobre a cerca de sua propriedade sem licenciamento ambiental.

Cordeiro foi atendido nesta terça, dia 14, pelo advogado Pedro Puttini Mendes, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica.

Segundo Puttini, as árvores que mais causam problemas em ações judiciais são as de maior porte, como o eucalipto, por exemplo. “Mas as possibilidades de plantio de árvores próximas à divisa entre vizinhos depende de fatores como o tipo de árvore a ser cultivado, o manejo que vai ser empregado, a posição do plantio, o terreno, face norte e sul da topografia, solo, a existência de estradas marginais e outros requisitos. Então é uma situação que deve ser analisada com essa complexidade”, comentou.

“Para a legislação, nós partimos da premissa de que o que for plantado não pode causar dano ao vizinho. E o dano, por sua vez, deve ser comprovado por meio de laudos periciais, preferencialmente por profissionais específicos, como os engenheiros florestais”, completou Puttini.

CÓDIGO CIVIL

Em seguida, o especialista citou diversos artigos do Código Civil que tratam de situações análogas. “O Código Civil é quem traz as soluções para estas interferências entre vizinhos, valendo a regra do artigo 1.303, que determina que na zona rural não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho. […] O mesmo Código Civil também traz algumas regras específicas para vizinhança estabelecendo no artigo 1.277 que o proprietário ou possuidor de um prédio tenha direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, sossego e etc, provocadas pela utilização da propriedade vizinha. E aí, nesses casos, o mesmo Código Civil orienta no artigo 280 que proprietário ou possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a reparação de algum dano quando há uma ameaça, um dano iminente”, detalhou Puttini.

Logo depois, o consultor tratou de artigos que falam especificamente sobre árvores na relação entre vizinhos. “O Código Civil também tem um regra que estabelece que a árvore cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer comum aos donos dos prédios confinantes, os vizinhos. E também determina que as raízes e ramos de árvores que ultrapassarem a extrema, ou seja, a divisa dos imóveis, poderão ser cortados até o plano vertical divisório pelo proprietário do terreno invadido. E uma outra regra específica também que pode ser aplicado a esse caso das árvores que caem sobre o terreno vizinho é que os frutos caídos de árvores do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se for propriedade particular”, indicou o especialista.

“Ou seja, imagina que a situação de um material lenhoso está dentro da propriedade do vizinho, e como isso de certa forma é um fruto no sentido de que é um material aproveitável dessa árvores, ele vai pertencer ao vizinho do lado onde caiu”, interpretou.

+ Consulte aqui o Código Civil na íntegra

CADA CASO É UM CASO

Puttini lembrou da máxima jurídica que diz que cada caso é um caso. “E assim deve ser analisado diante dos fatores, provas, especificidades, antes de aplicar qualquer regra jurídica. Sendo que a única premissa que prevalece é a de que o cultivo de árvores não deve em hipótese alguma promover o prejuízo de outra pessoa. Assim como em casos que envolvem responsabilizações, devem ser comprovados alguns requisitos que ensejam a responsabilidade civil, como, por exemplo, a conduta de causalidade e dano quando se tratar de reparação de danos, não a remoção da árvores ou aproveitamento do material lenhoso”, apontou.

O advogado destacou a jurisprudência de casos similares julgados por tribunais pelo Brasil. “Isso fica ainda mais evidente quando nós vemos, por exemplo, casos onde os eucaliptos causam sombreamento na lavoura vizinha e alguns julgamentos já determinaram a retirada de árvores. Outros determinaram a manutenção da árvore pela falta de prova da obstrução da luz natural”, exemplificou.

CONSULTA A ÓRGÃOS AMBIENTAIS

Em conclusão, Puttini recomendou que o interessado na remoção do material lenhoso procure o órgão ambiental de seu estado para checar se há dispositivo na legislação que trate do caso específico.

“Eu vou citar dois exemplos: em Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Em Mato Grosso do Sul, a portaria 57 de 2007 do Imasul, o Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul, orienta que seja feito um documento chamado informativo de aproveitamento de pequeno volume de material lenhoso desvitalizado, seco, disponibilizando um modelo anexo a essa portaria e confirmando a dispensa de licenciamento ambiental, ou seja, a desnecessidade de um procedimento mais complexo, permitindo a produção de postes, palanques e esteios para esta árvore caída. A regra não vale para áreas de preservação permanente, áreas de vegetação nativa remanescente nem reserva legal. E nesse último caso, a reserva legal é por meio de plano de manejo”, revelou.

“Já em Santa Catarina, a instrução normativa 25 do Ima, Instituto do Meio Ambiente do estado, orienta o aproveitamento ou corte de material lenhoso morto ou caído por ação da natureza, exigindo uma autorização de corte da vegetação nos termos de uma resolução do Consema, nº 173 de 2020. Que condiciona a inscrição do CAR e especifica alguns documentos como também regras nos volumes máximos em m³ para o aproveitamento sem propósito comercial ou também nos casos de comercialização”, complementou.

“E para finalizar esse assunto, há ainda outras questões no direito de vizinhança e plantio de árvores que envolvem segurança, como a necessidade de fazer aceiros para evitar incêndios florestais, um assunto que comentamos brevemente numa edição passada do Direito Agrário, sendo determinado para as atividades de reflorestamento e florestamento a presença de aceiros com a distância mínima de 6 metros do terreno vizinho”, concluiu Puttini.

ENVIE A SUA DÚVIDA

Assim como o telespectador acima, você também pode enviar sua pergunta para o especialista no link do Whatsapp do Giro do Boi, pelo número (11) 9 5637 6922 ou ainda pelo e-mail [email protected].

Pelo vídeo a seguir é possível assistir na íntegra a edição do quadro Direito Agrário sobre remoção de material lenhoso:

Foto ilustratia: Edelberto Gebauer / Reprodução Embrapa