Pecuarista que segura vaca ruim no plantel paga mico, avisa professor da USP

"Ficar com essa fêmea de origem desconhecida é mico", declarou o doutor em genética José Bento Ferraz sobre retenção de vacas filhas de bois 'ponta de boiada'

Será que a evolução da pecuária de corte brasileira no que diz respeito a tecnologias voltadas para a reprodução, como inseminação artifical, chega no mesmo ritmo ao mercado de touros? Nesta quinta, 13, o médico veterinário, doutor em genética e professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP de Pirassununga, José Bento Sterman Ferraz, falou sobre o tema em entrevista ao Giro do Boi.

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Bento lamentou que o déficit entre a demanda e a produção de touros avaliados no Brasil continue expressivo. Ao passo que os criadores do país precisam de cerca de 500 mil tourinhos para reposição ano, somando todos programas de seleção e associações de raça, a produção não chegamos aos 50 mil, ou seja, não atinge 10% do que é necessário.

A consequência é que a maior parte dos produtores que faz reprodução por monta natural e que usam repasse após IATF acabam pagando um mico, conforme considerou o especialista, por utilizar o famoso boi ponta de boiada.

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“Esse mico – para mim, ficar com essa fêmea de origem desconhecida é mico – vai ficar na propriedade seis, sete, dez anos, ou seja, o mico vai durar dez anos. Então, graças a Deus, a IATF está crescendo, […] somos um dos países que mais insemina, em termos de gado de corte, […] agora o pecuarista precisa entender que ele tem que entregar para o comprador de outro nicho um animal adequado para o frigorífico, um animal para formar lotes que tenham regularidade […] e qualidade. A hora que a pecuária começar a ver isso, e existem muitos pecuaristas que já entendem, as coisas começam a melhorar para todo mundo. Então nós temos que parar com esta briga com frigorífico, a gente tem que enxergar que isto é uma cadeia. O frigorífico recebe 70% do material inadequado aos seus padrões de qualidade. Como ele vai pagar melhor? Aqueles criadores que produzem de maneira adequada, […] eu nunca vi esse cara reclamar”, observou o professor da USP de Pirassununga.

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A padronização do rebanho fica comprometida principalmente para quem seleciona o sêmen para a IATF, mas não tem o mesmo cuidado com os tourinhos do repasse. “Ele vai ter dois rebanhos: um rebanho filho de inseminação e um rebanho filho de cabeceira de boiada. E aí ele tem que lembrar que mais ou menos 70% das filhas esses touros, ele segura para a reposição. E agora que está faltando (vaca), ele vai segurar tudo. Tem quatro pernas, ele vai segurar. E aí a qualidade vai ser muito diferente e ele despadroniza o rebanho dele. Esta é uma coisa extremamente grave, eu não vejo solução a curto prazo. Não se vai quintuplicar a quantidade de touros selecionados, mas nós precisamos alertar os pecuaristas. Pecuarista bom, que é empresário, só está comprando touro avaliado. E mesmo o touro avaliado não quer dizer que é bom”, avaliou o doutor em genética.

Para Bento, o criador deve, de maneira geral, se dedicar mais na seleção do plantel de matrizes. “A vaca é a melhor colhedeira que existe de forragem. Não existe colhedeira melhor porque ela colhe uma coisa de baixo valor, o capim, e devolve o produto de alto valor agregado que é o bezerro. Então a vaca é o maior patrimônio de um pecuarista. Ele tem que investir pesado em fazer vaca boa. […] A melhor ferramenta de seleção chama vaca, porque você não fica com máquinas improdutivas em casa. O que você faz com um trator ruim? Você vende. […] Só tem uma maneira de você resolver isso – você controlando o seu rebanho, você conhecendo suas matrizes”, indicou.

BUSCA PELO ‘SANTO GRAAL’
Em experiência recente como comentarista técnico em um leilão de touros, Ferraz apontou uma boa notícia. “O pecuarista está aprendendo a comprar touro porque já vai pro leilão sabendo o que quer”. A evolução vem em boa hora, em que os preços dos reprodutores aumenta por conta de valorização do bezerro, tendo em vista as boas perspectivas para a demanda mundial por carne bovina.

No entanto, a observação vale para um grupo mais seleto de criadores profissionais. “O problema é que tem muito criador que não é profissional, que compra no impulso, vai muito pela tradição, na fama da fazenda criadora. Tem muito pecuarista que faz isso”, ponderou José Bento. “Você vê alguém plantando soja com a semente que ele plantou ano passado, que ele guardou dentro de uma garrafa? Ou plantar milho que ele colheu ano passado? Isso não existe mais na agricultura. Hoje o agricultor compra a semente mais evoluída possível para aquele lugar, para aquela safra, para aquele regime de chuva. Na pecuária não é assim. Então pecuária melhorou muito, graças aos pecuaristas, […] mas ela precisa melhorar mais”, completou.

Com os touros valorizados, o veterinário indicou que a responsabilidade por escolher o touro certo aumenta. Bento considera que, ao produtor, cabe entender que não há o touro ideal a ser buscado – um reprodutor que funcione como o ‘Santo Graal’ da pecuária de corte e solucione todos os seus problemas. “Não existe melhor touro para tudo.Existem touros adequados aos critérios de seleção de cada um. Esta é a prioridade”, indicou Bento.

E como encontrar o melhor touro para seu objetivo em particular? Segundo Bento, esta etapa começa com o pecuarista compreendendo que ‘touro não se compra com o olho’. “O olho não é um bom instrumento para medir a qualidade genética dos animais. Touro se compra nos números associado ao olho. O olho enxerga coisas que os números não mostram, mas comprar touro baseado no que você vê, para mim, é um grande erro”, advertiu.

O médico veterinário tranquilizou os criadores que têm mais dificuldades com a interpretação de uma régua de DEPs. “Se não sabe, vá atrás de quem sabe. Pergunte. Ele não tem obrigação (de saber). A maioria dos agricultores não entendem muito dessas coisas de semente, de periodicidade de defensivo, essas coisas. Eles chamam quem entende e seguem as regras. É só isso. Então está faltando a gente recuperar o sistema de assistência técnica e recuperar a cultura de (aceitar) que ninguém sabe tudo, que tem que se assessorar bem. Técnicos bons tem para todo lado”, opinou.

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“Quando você compra um trator, você vai lá e fica quinze dias aborrecendo o vendedor perguntando quanto ele gasta de diesel por hora, quanto ele gasta por dia, como é o mercado de peça de reposição, quanto custa a revisão… Todo mundo faz estas perguntas porque ninguém vai comprar um trator na orelhada. Por que não faz para o material genético?”, comparou.

De acordo com Bento, o que o produtor deve fazer, assim como escolhe um maquinário, por exemplo, é encontrar o melhor custo x benefício para aquilo que busca – e não necessariamente cair no lugar-comum do mercado. “Eu acho um perigo muito grande esse negócio de dizer que ‘na minha propriedade só entra top 0,1%, top 1%’. Top 1% para quê? Existe um índice nos programas, esse índice, eu diria, que é de uso geral e serve para o pecuarista médio, mas o criador de bezerro tem um negócio diferente, por exemplo. O produtor de carne de melhor qualidade tem outro critério. Então eu acho muito perigoso esse negócio de ‘top’. Eu não gosto de índice nenhum, eu acho que o pecuarista tem que analisar as características que estão no catálogo e apontar qual ele quer. ‘Quero esse porque esse me traz precocidade, peso à desmama, ganho de peso pós-desmama’. Ponto”, simplificou.

O professor da USP resumiu suas recomendações ao produtor que está buscando, neste momento, as melhores opções para a estação de monta. “Tem que olhar para dentro dele mesmo e saber qual o objetivo, o que ele quer da vida, o que ele quer produzir, qual é o produto, qual é o mercado dele. Eu conheço gente que quer produzir animal com marmoreio, mas não tem comida e não tem mercado. Ele vai mobilizar um dinheirão e não vai ter recuperação deste capital. O pecuarista tem que fazer um exame muito sério e decidir o que ele quer da vida, qual é o negócio dele. Com esse negócio, ele decide quais as características ele tem que olhar. Agora algumas não podem deixar de existir: peso à desmama – pois se não desmamar um bom bezerro ele está morto -, ganho de peso pós-desmama – mesmo que você seja um criador de bezerro, o bezerro tem que ganhar peso, senão seu cliente no volta -, precocidade sexual – é importante porque está ligada à fertilidade. Se você começar a pensar nessas coisas, você vai andar muito rápido. E eu olho para a vaca e falo: no quê esta minha vaca é ruim? E coloque em cima dela um touro que melhore aquelas coisas e vai corrigindo porque o seu rebanho de agora você não tem mais o que fazer. Você está fazendo o rebanho da próxima geração. Nós estamos quatro, cinco anos na frente. Esse é o segredo do negócio”, concluiu.

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Assista a entrevista completa com José Bento Sterman Ferraz no vídeo a seguir: