Posso receber investimentos de terceiros na minha fazenda de pecuária?

Consultor resumiu oito dicas para que o produtor rural firme a parceria com a segurança jurídica necessária tanto para quem recebe como para quem aplica os recursos

Em vídeo do quadro Direito Agrário que foi ao ar nesta terça, 23, o advogado Pedro Puttini Mendes, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica, respondeu uma dúvida comum a diversos telespectadores do Giro do Boi: é possível receber investimentos de terceiros em uma fazenda de gado de corte?

“É um tema bastante interessante, poder bolar um modelo de negócio que seja juridicamente seguro, trazendo investimentos de terceiros para dentro de uma atividade rural. Eu vejo com bons olhos juridicamente, e acredito que economicamente, para os investidores, também neste conturbado cenário de investimentos, parece mais seguro do que muitas ações”, opinou Puttini.

“Afinal é possível ou não fazer um modelo de negócio para investimentos de recursos de terceiros em uma propriedade rural? É possível, sim, por meio de contratos, como alguns que nós chamamos de mútuo conversível ou também algumas outras modalidades que podem ser sugeridas por profissionais com entendimentos diferentes”, adiantou o consultor.

O advogado reforçou que a parceria deve sempre partir de um contrato que garanta a segurança jurídica da operação. “O fato é que há séculos que o contrato é utilizado como uma ferramenta para formalizar acordos de vontade em que duas ou mais partes vão ter direitos, obrigações. E vale aquele ditado: o contrato faz lei entre as partes. Eu não me canso de dizer que já passou o tempo do ‘fio do bigode. É fundamental que os contratos sejam bem elaborados. Essa é uma grande verdade”, advertiu.

Quando um contrato de parceria pecuária pode se transformar de solução em problema?

“A importância desses contratos é preservar as declarações das partes, pormenorizar as obrigações, garantir segurança para esses investimentos. Então é sugerido consultar, com certeza, profissionais da área jurídica para melhor adaptar o modelo de negócio em que você está pensando com o documento ou o contrato que vai ser elaborado, tanto para constituir a pessoa jurídica quanto para os investidores desse dinheiro que estará sendo investido, porque ele precisa ser legalizado, precisa ser justificado”, explicou.

Além de buscar ajuda de um profissional especialista na área jurídica, Puttini recomendou também procurar auxílio na área contábil. “Também é sugerido para esse tipo de trabalho societário jurídico fazer juntamente a um profissional da área contábil, para que ele possa sugerir um melhor fluxo financeiro e contábil para realizar o giro do boi com esses recursos de terceiros”, apontou.

O consultor fez um alerta para o produtores e investidores que eventualmente tratem da execução do contrato com pagamento em arrobas ou em animais. “Lembrando aquilo que nós já comentamos em outra edição ao falar da execução dos contratos feitos em arroba, comentários que também servem para esta edição. O contrato deve permitir às partes executar em caso de descumprimento, de desentendimentos. Esse documento precisa ser caracterizado como um título executivo”, frisou.

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Na sequência, Puttini listou oito passos para a segurança jurídica neste tipo de parceria.

ESCOLHER O TIPO DE CONTRATO ADEQUADO

“Da parte jurídica, o alerta é para legalizar esses recursos de terceiros na atividade produtiva sem que seja ela considerada uma agiotagem, uma simulação contratual ou relações jurídicas diversas daquilo que está sendo desenhado como modelo de negócio. Quais seriam os cuidados? Primeiro, escolher o tipo de contrato, preferencialmente que tenha previsão em lei, como nós citamos o exemplo do mútuo”.

DESCREVER OS DETALHES DA OPERAÇÃO

“Segundo, escolhida essa tipificação do negócio, recomenda-se não deixar de fora os principais requisitos deste documento escolhido, como nesse caso descrever o que está sendo emprestado, o recurso financeiro, quem está emprestando para quem, como e quando isso vai ser restituído, ficando o recebedor dos recursos, no caso o produtor rural, responsável pelo domínio deste recurso, respondendo pelos riscos, inclusive presumindo juros na devolução deste dinheiro”.

COMO O INVESTIMENTO SERÁ DEVOLVIDO

“Terceiro, uma observação sobre este tópico, […] também diz respeito à forma pela qual este recurso será devolvido. Ou seja, se emprestou o dinheiro, tem que devolver em dinheiro o contrato de mútuo. Embora o dinheiro seja aplicado para a atividade produtiva, isso é importante para fins de caracterizar um documento juridicamente. O recurso aplicado não pode ser devolvido em produtos, senão vai descaracterizar esse modelo de negócio que foi desenhado juridicamente. Caso seja devolvido em produto ou outra coisa de natureza diversa daquilo que foi contratado, a parceria pode ser considerada uma troca ou uma compra e venda. Então essa é a diferença”.

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ELABORAR UM MANUAL DA PARCERIA

“Quarto, elaborar um verdadeiro manual desse documento, explicando os detalhes, como, por exemplo, as definições do que é o investimento, o que é a capitalização dele, a rentabilidade, qual é o período de devolução. Existem alguns casos que eles chamam até de ano-safra o período que o recurso vai estar aplicado, mas precisa definir o que é isso para o investidor”.

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DESCREVER AS ATIVIDADES PRODUTIVAS

“A quinta dica é descrever quais são as atividades produtivas em que esse recurso vai estar envolvido. Isso vai auxiliar os profissionais da área contábil para fazer a legalização desse recurso. Isso inclui as atividades que estão descritas normalmente no cartão CNPJ de uma empresa”.

DESCREVER O CICLO PECUÁRIO

“A sexta recomendação é que também é importante descrever que tipo de ciclo pecuário isso envolve, porque isso está diretamente ligado ao prazo de devolução desse recurso. Como, por exemplo, se é recria e engorda em sistema extensivo, intensivo, semiconfinamento, pastejo rotacionado, o que vai ser feito”.

DEFINIR AS OBRIGAÇÕES DAS PARTES

“Existem mais algumas outras cláusulas interessantes para descrever que acabam tirando dúvidas sobre o papel de cada um nessa relação, que são aquelas cláusulas que descrevem as obrigações do investidor, no caso o fornecer do recurso financeiro, que é pagar, e as obrigações de quem é o contratado, o produtor rural, nesse caso, que está recebendo o recurso para fazer a atividade pecuária e devolver ao final de um certo período os lucros dessa atividade, junto com o dinheiro que foi emprestado”.

CONDIÇÕES PARA RESCISÃO

“Finalmente, como todo bom contrato, é importante descrever as condições de rescisão, de resolução, de extinção deste contrato e o que é considerado um justo motivo para que esse contrato se encerre”.

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Veja pelo vídeo a seguir todas as explicações do consultor jurídico sobre aplicação de investimentos de terceiros na pecuária de corte: