Depois de apresentar qual o conceito de área rural consolidada dentro de áreas de preservação permanente (relembre no link abaixo), o advogado, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica, Pedro Puttini Mendes, voltou a tratar do tema no quadro Direito Agrário que foi ao ar nesta terça, 19, mas desta vez com outro enfoque.
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“A ideia hoje é comentar outra situação emblemática envolvendo área rural consolidada, ou seja, aquela que pode permanecer com sua atividade ou com a sua benfeitoria feita antes de julho de 22 de julho de 2008, mas nas áreas de reserva legal. É outra situação específica em que pode ser aplicado o conceito de área rural consolidada”, adiantou.
“O problema que eu vou comentar hoje é no bioma Cerrado. Nós temos algumas propriedades rurais que não possuem reserva legal ou que possuem menos de 20%, qualquer que seja o percentual, até o zero, e que podem permanecer dessa forma”, afirmou Puttini, que, na sequência, revelou o motivo.
“A legislação, o Código Florestal de 2012, permite que esta área deste imóvel rural permaneça com percentual inferior. Isso porque o artigo 68 do Código Florestal diz que os proprietários ou possuidores de imóveis rurais que fizeram a supressão de vegetação – desmate – respeitando percentuais de reserva legal previstos na legislação da época podem continuar com esse percentual que têm. São dispensados de fazer a regeneração, recomposição ou compensação desta área”, comentou.
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Segundo o consultor, o entendimento já foi validado no entendimento do STF. “Isso também foi discutido no Supremo Tribunal Federal e já não tem mais nenhuma outra alteração, pois esse artigo foi considerado constitucional pelo voto da maioria dos ministros do Supremo”, confirmou.
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O especialista lembrou das condições que levaram a esta situação. “A questão das propriedades que estão com menos de 20% de reserva legal no bioma Cerrado é a seguinte: o Código Florestal de 1965 dizia sobre as propriedades rurais privadas que elas poderiam ser exploradas obedecidas algumas limitações – sso constava no artigo 1º daquela lei. As limitações, por sua vez, vieram especificadas no artigo 16, que dizia o seguinte: que florestas de domínio privado, ou seja, as florestas que estão localizadas em propriedades privadas que não estão sujeitas ao regime de utilização limitado, são suscetíveis de exploração. Então constou ali que só aquilo que tiver limitação pode ser utilizado”, contextualizou.
“E em 1965, a regra era a seguinte: nas regiões Leste Meridional Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, ou seja, na parte sul do Centro-Oeste, as derrubadas de florestas nativas primitivas ou regeneradas só serão possíveis se respeitar o percentual de 20%. Então veja que situação curiosa. Nós temos propriedades rurais que não estão nessa região, na época chamada de sul do Centro-Oeste e que poderiam ser exploradas em 100%”, resumiu.
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A consequência da antiga legislação no Código Florestal de 2012 deve ser de conhecimento do produtor rural hoje em dia, conforme salientou Puttini. “O que a gente precisa explicar para a fiscalização e para o Judiciário que interpretar um caso como esse? Que a política agrícola da época era de uso e ocupação do Cerrado. Não é difícil encontrar artigos e materiais no sentido de que, na década de 1950, mais ou menos, a política de expansão agrícola determinava a ocupação do Cerrado, trazia investimentos em pesquisas, na agricultura e na pecuária, com, principalmente, a questão do aumento de fertilidade do solo, a correção da acidez, adubação. O Cerrado era aquele bioma que possuía um solo muito fraco, mas então, 24 anos depois, em 1989, esse Código Florestal de 1965 foi alterado e ele passou a incluir expressamente a determinação da proteção de áreas de Cerrado. Então passou a constar na legislação que aplicava-se às áreas de Cerrado a reserva legal de 20%”, acrescentou.
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“Então entre 1965 e 1989, há propriedades que foram exploradas 100% porque a lei permitia. Este é o ponto. E aí, por que teve essa alteração? Porque em 1990, segundo vários estudos que apontaram a questão de uso e exploração do bioma Cerrado, aproximadamente 80% do bioma já tinham sido explorados, por isso veio essa trava na legislação. E 12 anos depois, em 2001, o Código Florestal de 1965 foi novamente alterado e a regra de reserva legal é essa que nós conhecemos hoje. Se estiver na Amazônia Legal, 80% (se estiver na Floresta), 35% (Cerrado), 20% (campos gerais) e 20% nas demais regiões do País”, completou.
“Portanto é exatamente esta a ideia do artigo 68 (do atual Código Florestal), de não prejudicar aqueles que desmataram com permissão da lei na sua respectiva época. Por isso é muito importante aos produtores e também aos sucessores que estão assumindo hoje o negócio de quem desmatou nesta época terem a documentação referente à supressão da vegetação, o estudo mapeado dessa área, pedir para os peritos e engenheiros fazerem um estudo, que a gente chama de análise multi-temporal para evitar penalizações dizendo que não tem reserva e que vai ter que recuperar isso”, aconselhou.
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Confira esta edição do quadro Direito Agrário na íntegra:
Foto: Ministério do Meio Ambiente / Reprodução Brasil.gov.br