É um dos principais ditados da pecuária de corte brasileira. “Boi não pode tomar vento nas canelas”. Em entrevista ao Giro do Boi, o zootecnista e mestre em produção animal a pasto Josmar Almeida Junior, um dos criadores do software de gestão global de pastagens Gerente de Pasto, esclareceu a veracidade da sentença e esboçou um “plano de voo” para o planejamento forrageiro anual de uma fazenda de pecuária.
“Já foi a época. Antigamente o pessoal falava que ‘frio na canela não faz engordar boi’. Isso era verdade para algumas espécies forrageiras, como, por exemplo, as do gênero Panicum. Quando o animal entra no pasto, ele tem que estar em torno de 80 a 90 cm e ele não pode efetivamente passar frio na canela. Mas nas espécies de Brachiaria, geralmente a entrada é com 30, 35 cm e, dependendo do tamanho do animal, ele vai tomar frio na canela mesmo na entrada. Então já não é verdade”, elucidou o especialista.
Para o zootecnista, da pandemia de 2020 o produtor pôde extrair um ponto positivo, que foi usar o tempo em que passou dentro do escritório para bolar e executar planejamento forrageiro. “A gente trem que agora imaginar a fazenda como um plano de voo. Como eu vou comportar minha fazenda em termos de taxa de lotação no período das águas e o período da próxima seca? Porque esta seca que a gente está passando já teria que estar planejada. […] E o momento da pandemia é muito importante porque a gente tem todo o tempo para se planejar. Planejamento demanda tempo”, comentou Josmar.
O zootecnista informou que a primeira parte do plano de voo é o inventário das pastagens. “Além de saber qual a quantidade de animais, as categorias que a gente tem na propriedade, saber a quantidade de áreas de pastagens é fundamental. O conceito de áreas de pastagens é um conceito muito simples, mas que muitas vezes passa despercebido. O que é uma área de pastagem? É onde você vai girar um lote de animais em um determinado período sem interferência de outro lote de animais ali”, simplificou.
Para o profissional, o pecuarista precisa estimar, inclusive, variações de capacidade de suporte e produtividade entre seus retiros. Além disso, conhecer o fornecimento de água em detalhes é outra condicionante. “A gente recomenda mais litros de água do que quilos de adubo (por hectare) porque sua capacidade de fornecimento de água é determinante na definição da área de pastagem. Cada área de pastagem tem que ter seu fornecimento de água, seja ele natural ou não, e ela é determinante na área de pastagem, na capacidade não só de fornecimento de pasto, como também fornecimento de água, que é algo que a gente normalmente esbarra no Brasil afora. Não só no Brasil, mas no Paraguai também, muitas vezes tem limitações por água, e não por pastagem […]. De nada adianta o melhor manejo de pastagem, o melhor suplemento se você não tem água. E só para lembrar, nós trabalhamos com dimensionamento de 50 litros de água para cada uma unidade animal”, especificou.
O histórico de adubações é uma categoria que deve ser de conhecimento pleno do gestor também. Isso serve para estimativas de efeito residual, poupando novas aplicações e mexendo com as quantidades recomendadas.
O profissional pediu cuidado ao produtor com a superlotação, sobretudo na seca, cuja capacidade de suporte das pastagens diminui mesmo com irrigação e adubação. “(Superlotação) É o primeiro passo para a degradação. Eu preciso saber em maio ou junho do ano de 2021 que se eu tenho 100 hectares, eu devo baixar minha lotação, por exemplo, em uma unidade animal por hectare e eu tenho que criar estratégias para tirar estes animais da pastagens”, adiantou.
Algumas das alternativas que podem servir ao produtor na hora da seca foram elencadas por Josmar. “A vedação é uma estratégia, suplementação, abate dos animais nas águas, confinamento, semiconfinamento, confinamento a pasto. O cardápio é imenso, a integração lavoura-pecuária ajuda muito, mas isso tudo tem que estar planejado”, listou.
Mais do que aumentar a produtividade, o planejamento forrageiro evita o início da degradação de pastagens. “A gente chega em algumas propriedades, principalmente no norte do País, onde elas são altamente produtivas, e você tem momentos de subpastejo, ou seja, baixa quantidade de animais perante a quantidade de forragem produzida. Normalmente nesta condição você tem os animais começando a pastar em malhadouros, ou seja, aquelas áreas mais batidas. Aquela forragem que não foi consumida começa a passar, começa a ter maior proporção de talos, de colmos, e o animal começa a desprezar esta pastagem e a fazer o superpastejo do malhadouro. Neste malhadouro, muitas vezes vai ser o pasto que vai praguejar porque ele está em superpastejo. […] Imagine que você tem dez cabeças em dez hectares, acredita que está com uma proporção tranquila, só que o pastejo está sendo feito em três ou quatro hectares e aquele superpastejo ali vai gerar, a posteriori, um praguejamento. Não é isso que é o causador do praguejamento. Se você tiver um bom manejo, uma boa gestão, o pastejo sendo executado por toda área, isso permite que o capim cresça homogêneo, tendo um crescimento mais horizontal, e isso impede a infestação”, alertou.
Com um bom planejamento forrageiro, o zootecnista acredita que a pastagem possa ser tratada como uma cultura perene. “Pastagem com gestão não tem data de validade”, destacou.
“O pecuarista precisa entender a pastagem como um insumo. A gestão de pastagem é um insumo na fazenda – é o principal insumo. É diferente um pouco de comprar um sal mineral, comprar os medicamentos, vacinas e vermífugos, porque a pastagem é aquele fornecedor nosso que tem uma variação durante o ano. Esta variação de entrega, de produção… O pecuarista tem que ter um planejamento, que é o primeiro passo da gestão, e tem que executar o que é o mais laborioso, que é o monitoramento. O monitoramento tem que ser feito sistematicamente todo mês porque todo mês você tem a colheita do pasto. Como a gente tem a cada 30 dias um clima diferente, a cada 30 dias a gente tem uma produção diferente de pastagem, então é importante que o pecuarista, todo mês, tenha uma leitura da pastagem, veja qual lotação ele está trabalhando, como está a condição de pastagem em termos de quantidade, em termos de qualidade, que é fundamental. Todo mês tem que ter uma leitura deste processo porque, se não fizer assim, vai muito provavelmente ocorrer erros, tanto de superpastejo, como de subpastejo. Então vamos entender gestão de pastagem como insumo”, concluiu.
Assista a participação de Josmar Almeida Junior no programa na íntegra no vídeo abaixo: