A história começa há 2,7 milhões de anos, quando os primeiros hominídeos começaram a consumir carne vermelha a partir de sobras de carcaças e ainda sem o uso do fogo. Desde então, os avanços da pecuária de corte e consumo de carne bovina estiveram sempre ligados à evolução da humanidade de maneira geral, incrementando melhorias no abate de olho no bem-estar dos animais e na segurança alimentar.
Quem remontou esta verdadeira epopeia no Giro do Boi desta terça, 06, foi o mestre e doutor em medicina veterinária pela USP, Vasco Picchi, destaque como pesquisador do Centro de Tecnologia do Ital (Instituto de Tecnologia dos Alimentos) e autor do livro “História, Ciência e Tecnologia da Carne Bovina”.
A primeira mudança significativa no consumo de carne em nossa história, contou o veterinário, começou com a descoberta do fogo 800 mil anos depois, ainda sem o domínio propriamente do elemento. “Eles passaram muito tempo no escuro”, confirmou o pesquisador.
Com o início das primeiras civilizações, o desenvolvimento da pecuária passou a se intensificar. “Os bovinos passaram a ser domesticados e tudo isso foi em torno de 4,3 mil a 4,4 mil anos no Egito e naquela região da Mesopotâmia”, contou Picchi.
A partir de então, os animais passaram a se sentir seguros na companhia do homem e o desenvolvimento da pecuária se deu em três momentos: primeiramente, com reprodução livre, depois já com o confinamento dos animais, ou seja, criando-os em cercados, e então veio a reprodução assistida. “Foi aí que o gado começou a se agrupar e permanecer em contato com homem, na região do Rio Nilo. Do outro lado, na Mesopotâmia, isto ocorreu perto dos rios Tigre e Eufrates, onde se desenvolveram inclusive as raças”, disse o autor.
Junto com o avanço dos egípcios, surgiu o cuidado com a alimentação do gado, pois os homens perceberam os impactos da boa nutrição na produção de carne. “Eles engordavam o animal para depois atender ali principalmente a classe religiosa, eles já faziam isso”, declarou.
A partir disto, o homem começou a estabelecer regras também para o abate destes animais. Grande avanço veio com o Império Romano, ressaltou Vasco. “Os romanos perceberam que não era qualquer lugar em que se abatia o animal. Então eles faziam com que o animal descansasse e, na hora do abate, eles procuravam fazer com que os animais ficassem em repouso. Assim eles tinham um abate melhor, com melhor resultado, uma sangria mais completa, que é o que eles buscavam”, sustentou. O povo hebreu também havia percebido a importância da sangria para que a carne tivesse melhor aspecto.
Em sua participação no Giro do Boi, Vasco Picchi também falou da chega dos bovinos ao Brasil, junto à descoberta do país, quando vieram os primeiros rebanhos vindos de Cabo Verde. Os povoados dos jesuítas criavam estes animais na região do Rio Grande do Sul, onde surgiram as primeiras charqueadas do país.
Em resumo, na época da Primeira Grande Guerra, as charqueadas foram substituídas por abatedouros para a fabricação de carne enlatada para os batalhões envolvidos nas batalhas por toda a Europa. Foi então que se instituiu a inspeção dos abates no Brasil, a princípio feita por médicos estrangeiros, que aos poucos foram substituídos pela primeira turma de veterinários, formada no Rio de Janeiro.
“É uma curiosidade, mas ele (o pecuarista) vai se sentir orgulhoso se ele souber a história, se ele acompanhar esta história. Ele vai ver que está no caminho certo”, concluiu Vasco Picchi. O pesquisador revelou ainda que está trabalhando na publicação de seu segundo livro, que conta com mais riqueza a história da pecuária no Brasil a partir da produção de carnes salgadas e curadas, como o charque, jerked beef e carne de sol.
+ Veja mais detalhes do livro “História, Ciência e Tecnologia da Carne Bovina”
Confira no vídeo abaixo a entrevista completa de Vasco Picchi ao Giro do Boi desta terça, 04:
Imagem: Reprodução / História das Artes