O que acontece quando a principal raça de corte do rebanho bovino brasileiro, o Nelore, tão desafiado em condições precárias de produção, encontra um sistema intensivo, que extrai todo o potencial das melhores linhagens genéticas em cada fase de sua vida produtiva? Foi o que testou um estudo conduzido na fazenda experimental da ABCZ, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, em Uberaba, Minas Gerais.
O teste de desempenho “Zebu, Carne de Qualidade” envolveu um lote de 105 bezerros, animais de oito meses e 246 quilos de média, doados por neloristas de onze estados. A ideia da ABCZ, da Epamig, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, e da empresa Premix era saber se na recria a garrotada iria responder bem com uma boa suplementação tanto na seca como nas águas.
Em entrevista ao Giro do Boi desta quarta-feira, dia 07, o doutor em zootecnia Leonardo de Oliveira Fernandes, pesquisador da própria Epamig, adiantou alguns dos resultados, que impressionaram.
“O Nelore é bem reconhecido, já que é uma raça que é a produtora de carne real do Brasil. Em grande parte da nossa pecuária, o Nelore ou o gado anelorado estão presentes e nós precisávamos de algumas informações mais específicas num plano de nutrição melhor e com animais de qualidade superior também. Por isso a ideia de trabalhar o Nelore num sistema de produção eficiente, avaliando custo, desempenho e qualidade da carne”, apresentou o zootecnista. “E acho que o desafio maior ainda não foi feito. Quando nós apertarmos o Nelore, ele vai responder”, projetou.
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Leonardo forneceu detalhes das condições para o estudo realizado na Fazenda Experimental Orestes Prata Tibery Junior, em Uberaba-MG. “Nós temos 11 estados representados por mais de 80 produtores. Então esse grupo de 105 animais representa realmente o Nelore brasileiro e isso é muito importante. [..] Nós temos o Nelore real, que nós estamos utilizando na nossa pecuária nacional, e são animais de qualidade superior”, valorizou.
660 GRAMAS POR DIA NA SECA
“Nós iniciamos no ano de 2020. A primeira pesagem ocorreu dia 10 de junho. Iniciamos na seca, os animais foram desmamados entre abril e maio e foram para fazenda experimental da ABCZ. E aí nós iniciamos um plano de nutrição baseado no capim Paiaguás, que é uma Brizantha, cultivar Paiaguás. Ele é um capim do programa de melhoramento genético da Embrapa. Por que o capim Paiaguás? Porque é um capim que tem uma plasticidade de produção muito boa. Ele produz bem na seca e permanece muito verde nesse período. Nós temos imagens animais no período da seca e dá pra perceber no fundo a pastagem bem verde ainda. Então essa é uma qualidade desse capim. […] Na seca, além da disponibilidade do capim, que era fornecido em 6% do peso vivo em matéria seca, nós fornecemos também 0,5% do peso vivo em suplemento proteico energético. Nesse suplemento tinha 24% de proteína e de 76% de NDT (Nutrientes Digestíveis Totais). O objetivo era fazer com que animais, após a desmama, mantivessem um ganho entre 600 e 700 gramas. E além da pastagem e do suplemento, nós complementamos com 1% de silagem de milho misturada ao suplemento. Esse pacote tecnológico de nutrição permitiu trabalhar com ganho médio diário no período da seca de 660 gramas, então é um ganho fantástico pensando em suplementação num nível mais baixo. Nós não apertamos no concentrado”, frisou o pesquisador da Epamig. “A qualidade desse capim foi fantástica e eu vou citar dois valores (para ilustrar): a proteína na seca foi de 9% e, no período das águas, apresentou média de 17% de proteína. Então é um dado interessante, fruto de manejo e acompanhamento nutricional solo para conseguir esses dados”, complementou.
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“No período das águas, o desempenho foi acima 600 gramas também, durante todo o período das águas. A pesagem inicial foi 28 outubro e a gente finalizou o período das águas no dia 17 de março, quando esses animais foram para o confinamento. Finalizaram as águas com o peso de 424 kg. Então nós começamos com 246 kg em junho e em março esses animais estavam com 424 kg”, quantificou.
LOTAÇÃO
“A nossa pecuária trabalha com valores bem baixos de lotação, mas nós conseguimos 3,5 UA por hectare no período seco do ano e, no período das águas, a gente trabalhou com 6 UA/ha. […] É uma mudança de cenário, em termos de produção, importante”, frisou.
TERMINAÇÃO
“Nós fizemos um confinamento com a tecnologia da Intergado (foto abaixo), então nós avaliamos consumo, conversão, eficiência alimentar, o CAR (consumo alimentar residual). e o mais importante, esse pacote nutricional, em que a Premix é parceira, proporcionou esses desempenhos ótimos nos períodos de seca e de águas e também no período do confinamento nós tivemos um desempenho de 1,9 kg de média em 105 dias de confinamento”, destacou Leonardo.
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O zootecnista observou a influência da suplementação ao longo da recria para o desempenho no cocho. “Eu trabalho há bastante tempo com essa suplementação de águas e ela permite a gente ter uma redução importante na idade ao abate e melhorar a qualidade desse animal para o confinamento, onde ele será terminado. Então a suplementação tem esse objetivo de reduzir período de confinamento porque você está suplementando um animal mais leve com investimento menor e você reduz o período necessário de confinamento para chegar ao peso ideal de abate. As forrageiras tropicais têm um nível de energia mais baixo e o desempenho dos animais, para ser otimizado, necessita de uma suplementação com energia, lógico, com outros nutrientes também, mas o que falta mais é energia para que a gente otimize os ganhos desse animal”, sustentou.
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Em depoimento gravado ao Giro do Boi, o diretor de desenvolvimento e inovação da Premix, Lauriston Bertelli Fernandes, especificou os números que o sistema produtivo viabilizou no teste de desempenho.
“A equipe da ABCZ definiu o projeto em que o foco seria mensurar a capacidade produtiva do Zebu, do Nelore em questão desse projeto atual, além da qualidade dessa carne. Nisso nós fomos convidados para participar do planejamento e dentro dos nossos recursos de pesquisas e recursos tecnológicos, nós vimos que nós poderíamos ajudá-los nesse projeto. Como nós fizemos isso? Montamos um projeto de recria a pasto, que é a primeira etapa dos animais, em que o objetivo era provar que o Nelore de qualidade, associado ao manejo e à nutrição específica, poderia produzir muito mais por área e com muita qualidade. Isso foi feito, nós conseguimos no período de pasto produzir 44@ por hectare em praticamente dez meses”, revelou. “Essa é uma resposta fenomenal, fantástica”, celebrou.
Além do desempenho zootécnico, Lauriston ressaltou também a sustentabilidade do sistema de produção intensivo. “Feita esta etapa, os animais foram para a prova ganho de peso, onde está sendo mensurada a conversão alimentar. Essa etapa foi muito bem, os animais tiveram desempenhos e resultados excelentes. Ela está finalizada e, na sequência agora, esses animais continuarão no confinamento por alguns dias, por um período, e serão abatidos. Ou seja, nós faremos um abate técnico onde será avaliada toda característica de carcaça, sabor e textura da carne produzida. Esse é o projeto e o que é mais importante: nós produzimos uma arroba economizando ou mitigando mais de 30% de equivalente-carbono por arroba produzida comparado com sistemas convencionais. Por que isso? Porque nós usamos tecnologias de ciclo curto e usamos aditivos naturais que mitigam o carbono entérico. Esse é o projeto, que inclusive agora nós vamos continuá-lo no próximo ciclo, novos animais, novas raças zebuínas, todo com esse conceito”, apontou o diretor de desenvolvimento e inovação da Premix.
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“O pessoal acha que Nelore não tem ganho de peso, mas a gente conseguiu em 105 dias um ganho próximo a 1,9 kg por dia (no confinamento). E o mais importante, com eficiência alimentar. Esses animais gastaram 6,4 kg de matéria seca por quilo de ganho”, completou o pesquisador da Epamig.
O que ainda não foi divulgado pela entidades parceiras é a etapa da qualidade de carne, dado que ainda será coletado e avaliado. “Esse trabalho é feito em várias mãos. Você citou os parceiros e um deles é a Unicamp, pelo professor Sérgio Pflanzer, da Faculdade de Engenharia dos Alimentos. Ele está fazendo a parte de qualidade de carne e isso precisa de 14 dias para todos os detalhes serem finalizados. Por isso a gente ainda não divulgou porque os dados precisam passar pela avaliação dele”, anunciou Leonardo.
Animais abatidos recentemente passarão por análise de qualidade da carne pela Unicamp.
O zootecnista também antecipou que novos estudos similares já estão sendo conduzidos. “A ABCZ congrega todas as raças, então ela vai fazer com as demais raças. Neste ano, os bezerros já iniciaram a prova. A gente está trabalhando com quatro raças: o Guzerá, o Brahman, o Tabapuã e o Sindi. Nós temos esses animais já em avaliação”, afirmou.
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A entrevista completa com o doutor em zootecnia Leonardo de Oliveira Fernandes, pesquisador da Epamig: