É mito ou verdade que a sombra inviabiliza a lavoura depois de um certo tempo dentro do sistema integrado com componente florestal? A resposta veio durante uma entrevista exibida no Giro do Boi desta quinta, 11, com o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril, Ciro Magalhães, engenheiro agrícola, mestre e doutor em ciência do solo pela Universidade Federal de Lavras.
“Depende”, ponderou o pesquisador em seu esclarecimento. “O que a gente estudou aqui ao longo desses 9 anos de avaliações foi que, dependendo da configuração do sistema ILPF e do manejo do componente florestal, principalmente por desbaste e desrama […] é possível, sim, a gente voltar a produzir esse grão. No nosso caso aqui, soja na primeira safra e milho na segunda, de maneira similar a sistemas sem árvores”, confirmou.
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A unidade da Embrapa localizada em Sinop, norte mato-grossense, divulgou recentemente o resultado de suas observações da interação entre os componentes do sistema de integração lavoura-pecuária floresta.
“Nós começamos com sistemas de ILPF com renques triplos de eucalipto na configuração de 3 metros entre plantas, 3,5 metros entre linhas e 30 metros entre os renques de árvores. Então a partir do terceiro ano, para o milho, já não era possível produzir em níveis similares aos sistemas sem árvores. E para a soja, um pouquinho mais, no quarto ano, a gente já começou a observar queda na produtividade”, apresentou.
A pesquisa começou analisando a ILPF com renques de eucaliptos distantes 30 metros entre si com três linhas de árvores com 3,5 metros de espaçamento entre cada uma, com árvores distantes 3,5 metros entre si. A primeira intervenção no componente florestal ocorreu cinco anos após o plantio (veja infográfico com a explicação do experimento).
A primeira mudança foi diminuir os renques de linhas de triplas de árvores para uma linha simples em algumas parcelas do plantio, com os renques ficando distantes 37 metros entre si. Em outras parcelas, foi realizado o desbaste seletivo de 50% das árvores, mantendo as linhas triplas originais dos renques.
Conforme divulgou a Embrapa, antes de fazer as intervenções no sistema, a produtividade da soja era equivalente a 80% do potencial da lavoura em um sistema sem o sombreamento, enquanto a produtividade do milho, comprovadamente mais sensível à sombra do que a oleaginosa, era de 67% de seu potencial em um sistema regular.
Com a intervenção feita, a produtividade da soja soja chegou aos níveis de 80%, 87% e 66% de seu potencial nas respectivas safras seguintes, analisando as parcelas ainda com os renques triplos desbastados. Nas parcelas do plantio com os renques simples, a produtividade saltou para 93%, 97% e 76% de produtividade na comparação com todo o potencial produtivo.
Mudando para o plantio do milho, nos sistemas com os renques triplos desbastados a produção alcançou 64%, 60% e 47% nas safras seguintes. Enquanto isso, nas parcelas em que os renques foram alterados para linhas simples, a lavoura atingiu 85%, 79% e 71% do potencial.
Na conclusão, Magalhães validou que a alteração para os renques simples viabilizou a produtividade mais próxima ao potencial de uma lavoura em que não há o componente arbóreo, embora os efeitos sejam passageiros – dois ciclos para a soja, apenas um para o milho.
A próxima fase de intervenções começou no 9º ano do sistema. As áreas que ainda estavam com renques triplos passou por desbaste das linhas externas, mudando para linhas simples também. E todas as árvores, das duas áreas observadas, passaram por desrama para nivelar a altura da copa para 12 metros.
“A intervenção mais uma vez se mostrou positiva para a lavoura, possibilitando que a soja retomasse a produtividade para níveis estatisticamente iguais aos da área de referência. No caso do milho, isso aconteceu na área que era anteriormente renque triplo. Já na área que já estava com renques simples, a desrama possibilitou recuperação da produtividade, mas ainda ficando com 85% do potencial. O maior número de árvores na área que não teve o corte de 50% dos indivíduos, ainda que estivessem em linha simples, reduziu a entrada de luz para as plantas”, divulgou a Embrapa no artigo “Lavoura pode manter produtividade mesmo com árvores crescidas em sistemas ILPF”.
Arte: Renato Tardin / Reprodução Embrapa Agrossilvipastoril
Conforme sustentou Magalhães, manejar as árvores é essencial para que os cultivos dos grãos mantenham sua produtividade o mais próximo possível do potencial de uma área regular, sem o componente arbóreo. “E esse manejo deve ser feito antes que ocorra a redução de produtividade. Existe a necessidade de um acompanhamento do desenvolvimento do componente florestal, que vai ser o indicador do momento da intervenção. Quanto menor o espaçamento entre os renques, menor o tempo para realizar a intervenção, a fim de manter os níveis de produtividade”, declarou o pesquisador no material divulgado pela Embrapa.
“As intervenções devem ser feitas com critérios e esses critérios são baseados em monitoramento frequente. […] É importante ter esse monitoramento para que a partir de determinado momento você já faça a intervenção. […] Faz a intervenção antes que haja redução (de produtividade)”, frisou o engenheiro agrícola em sua entrevista ao Giro do Boi.
Durante sua participação no programa, Magalhães citou que outros benefícios da integração podem compensar a redução da produtividade, ainda que esta diminuição possa ser atenuada. Conforme listou o especialista, a diversificação de produtos, ganhando alternativa para comercialização de madeira ou biomassa, por exemplo, e a quebra dos ciclos de pragas são algumas das vantagens oferecidas pela ILPF.
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Confira no vídeo a seguir a entrevista completa com o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril: