Atenção com oscilações no poder aquisitivo da população no mercado interno e preservar a imagem para fortalecer a parceria com os principais clientes dos produtos do agro brasileiro mundo afora. Estes serão fatores fundamentais para manter o bom momento do setor em 2021.
Em entrevista ao Giro do Boi desta quarta-feira, dia 25, o zootecnista e e doutor em engenharia agrícola Celso da Costa Carrer, presidente da Comissão de Zootecnia e Ensino do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo, fez um balanço do desempenho do agro em 2020 e trouxe perspectivas para o próximo ciclo.
“O ano de 2020 vai ser marcado na história. Nós temos passado por diversas dificuldades e crises que vêm reestruturando não só a questão do ponto de vista de saúde, mas também do ponto de vista de mercado. E esse ano vai ficar para a história”, opinou.
Para Carrer, a agropecuária brasileira enxergou e mostrou-se apta a aproveitar as oportunidades que surgiram em meio aos desafios deste ano. “As condições de ampliação do mercado brasileiro, do mercado externo, sobretudo, foram marcantes nesse ano. Nós entendemos que esse processo oportunizou aos produtos brasileiros a chance de entrarem dentro de lacunas de falta de abastecimento, que foram ocasionadas em diversos países mais afetados do ponto de vista de estrutura produtiva. Como o Brasil tem um modelo de produção bastante sólido, concreto e que vem caminhando no sentido de se profissionalizar nessas últimas décadas, o Brasil aproveitou essas lacunas de abastecimento, uma vez que a pandemia quebrou cadeias e fornecimento”, reconheceu.
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O zootecnista acredita que a partir desta posição o país pode ganhar certas vantagens em novas transações. “Esse ano foi decisivo para que a gente entrasse de maneira ampliada nos mercados externos. Isso traz diversos desdobramentos que a gente precisa aproveitar do ponto de vista negocial”, pontuou.
Para solidificar a posição, Carrer acredita que o momento é de estreitar os laços com os parceiros comerciais. “Eu acho que o momento é de parcerias, estabelecer parcerias sólidas. Um risco grande que existe dentro desses momentos, que o país vence determinadas barreiras para começar a fornecer para o mercado externo de uma maneira mais consolidada, passa exatamente por uma questão mais ampla, uma questão de política externa, uma questão de estratégia, não só das empresas, mas também do governo, de estabelecer sólidas alianças com os países para os quais estamos fornecendo”, comentou.
Segundo Carrer, preencher as lacunas abertas pelas condições de 2020 foi possível graças à uma conjuntura de evolução técnica e estabilidade comercial no Brasil ao longo das últimas três décadas.
“Os ganhos de produtividade que a gente vem alcançando – não no curto prazo, mas acerca de praticamente 25 ou 30 anos – são resultado de uma verdadeira revolução que aconteceu dentro desse período da agropecuária brasileira. Eu diria que questões macroeconômicas foram tão importantes quanto os acréscimos de tecnologia, de profissionalismo, de profissionais preparados para amparar esse crescimento que realmente ocorreu. Por exemplo, o efeito do Plano Real na estabilização do plano financeiro gerou uma certa retirada do aspecto especulativo que tinha a atividade agropecuária, de uma maneira geral”, contextualizou.
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“Antes, com os índices inflacionários no pré-Plano Real, nós tínhamos o mercado agropecuário como uma grande salvaguarda de ativos reais que, de certa maneira, mascaravam os objetivos profissionais da exploração da agropecuária. Uma vez estabelecida a estabilidade financeira, expurgou-se essa questão especulativa. A partir daí, o agronegócio se tornou muito mais profissional e quem ficou no agronegócio passou a ter que trabalhar com produtividade, com índices produtivos que fossem viáveis do ponto de vista econômico e que produziram essa revolução. E o crescimento dos nossos índices de produtividade, a gente comemora de uma maneira, inclusive, a preservar recursos naturais, uma vez que a intensificação traz um efeito de economia do fator terra. Passamos a ter, de certa maneira, uma posição não só mais produtiva e mais eficiente, do ponto de vista de negócio, mas também uma inserção no mercado internacional que prioriza esse tipo de produção sustentável, que é a grande alavanca do mercado do futuro que o Brasil precisa aproveitar”, detalhou.
A posição do agro brasileiro, segundo Carrer, ajuda a concretizar o seu desempenho atual. Mas o profissional advertiu que o setor deve estar de olho na manutenção do poder aquisitivo do consumidor no mercado interno, principal destino do produtos do setor. “Aliado a esses ganhos de produtividade, a gente vai, obviamente, se tornando mais competitivo e, automaticamente, vai ganhando mercados lá fora. O que a gente precisa ter cuidado é equilibrar a questão da renda interna aqui do consumidor, porque ainda nós produzimos mais para o mercado interno do que para o mercado externo. Então o mercado externo é um balizador em relação a questão de preços e de demandas, mas a gente não pode deixar de planejar que a questão do mercado interno ainda é o mais forte para alavancar os resultados da nossa agropecuária”, ponderou.
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“Para isso, deve haver planejamento setorial, planejamento de governo, planejamento voltado para as práticas e políticas que amparam a questão da produção e da produtividade, fazendo com que haja um equilíbrio dentro desse processo. É necessário que, neste momento, não só as empresas, mas também políticas públicas e de apoio à produção em todos os seus níveis sejam colocadas em prática para que a gente tenha um crescimento não só em momentos exponenciais, como esse que nós estamos vivendo, mas de uma maneira amparada, sustentável e que vá confirmando a grande importância que o setor tem hoje para a economia brasileira”, sugeriu.
A partir desse cenário, Carrer sugeriu que o próximo ciclo deverá ser positivo para o agro brasileiro. “O ano de 2021 traz uma série de desafios. Me parece que vencendo esta grande crise que passamos em 2020 e aproveitando de maneira inteligente as lacunas que entramos dentro do mercado internacional para alavancar, inclusive, aspectos relacionados à nossa colocação dos nossos produtos, cada vez mais reconhecidos como produtos de qualidade nesse mercado em função do profissionalismo que o agronegócio hoje tem, eu diria então que essa questão do equilíbrio entre a política monetária, o valor do Real, por exemplo, frente às moedas fortes, e a questão da renda interna, do consumo interno, passam a ser fatores definidores do resultado que nós colheremos em 2021”, projetou.
“Temos que estar otimistas porque provamos, mesmo no auge da crise, que não houve um problema de desabastecimento, muito pelo contrário. Além de continuar abastecendo o mercado no momento de grande crise que se estabeleceu em todo o planeta, nós conseguimos ganhar projeção de colocação de produtos brasileiros no mercado internacional. Não há como estar pessimista neste sentido. Eu diria que além do otimismo, é necessário que a gente continue trabalhando com muito profissionalismo e com muito planejamento, sobretudo sem criar problemas de natureza de barreiras não tarifárias, como, por exemplo, barreiras ambientais, que podem prejudicar de uma maneira definitiva a colocação dos nosso produtos no mercado internacional. Isso, para alguns segmentos, equivale a um grande risco. […] A gente tem que olhar o mercado externo e o padrão da demanda exigido para que a gente não corra riscos desnecessários. […] Esses são os grandes desafios que nós temos que resolver. A questão ambiental é um grande desafio que a gente precisa resolver, a posição do Brasil em relação a isso porque isso significa vender mais ou menos no mercado internacional”, reforçou.
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Assista na íntegra a entrevista com Celso Carrer pelo vídeo a seguir:
Imagem: Reprodução / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento