Como clonar bovinos? Até quanto tempo após a morte a técnica pode ser feita?

Pesquisador da Embrapa detalhou passo a passo da clonagem de bovinos e médica veterinária respondeu uma das perguntas mais frequentes sobre a técnica

Em episódio inédito da da temporada da série especial Embrapa em Ação gravada na unidade Cerrados, o pesquisador Carlos Frederico Martins, médico veterinário, mestre em reprodução animal e doutor em ciências biológicas explicou passo a passo como é feito o processo de clonagem de bovinos dentro do laboratório do CTZL, o Centro de Tecnologia de Raças Zebuínas Leiteiras.

Martins começou explicando de que se trata a técnica. “A clonagem, o procedimento que nós chamamos de transferência nuclear, ou transferência de núcleos, é uma ferramenta de reprodução assistida utilizada principalmente na pecuária para multiplicar animais de alto valor genético e/ou alto valor financeiro que já foram premiados e merecem estar no rebanho. A gente faz isso no laboratório e dentro da Embrapa nós pesquisamos essa tecnologia há alguns anos para melhorar a eficiência da técnica. Mas ela pode ser utilizada para outras finalidades, como multiplicação de animais de conservação, até animais silvestres, e também produção de animais transgênicos para fazer os animais chamados biofábricas, aqueles animais que produzem proteínas de interesse humano no seu leite através do processo de clonagem. Então são algumas das opções que nós temos com esse procedimento que nós estudamos aqui no CTZL”, apresentou.

O pesquisador da Embrapa Cerrados detalhou então todo o processo de clonagem de bovinos. “É complexo, não é uma tecnologia fácil, ainda não é uma tecnologia completa, por isso que a gente dedica esforços para melhorá-la. O primeiro passo é buscar identificar o animal superior, coletar o material, que seja da pele, do tecido adiposo ou outras áreas que tenham células, depois extrair célula desse animal, fazer um banco de células e congelar para que a gente aplique nesse procedimento […], que nós chamamos de transferência de núcleos. Tem uma primeira etapa de retirada do núcleo de um ovóstulo, que não nos interessa. O ovócito, ou óvulo, pode ser de qualquer animal, a gente só vai usar o citoplasma no chamado processo de enucleação. Depois nós fazemos o processo de reconstrução, aí sim com o material genético do indivíduo a ser clonado, então a reconstrução nada mais é do que colocar essas células cultivadas da vaca ou do touro de excelência dentro desse óvulo que já não tem mais material genético. Em seguida, há outros procedimentos para incorporação definitiva do material genético através de eletrofusão, ou pequenos choques, e ativação química desse ovócito. Depois ele vai para um procedimento como é o normal de fecundação in vitro dentro das estufas de gás carbônico. E lá o embrião se desenvolve até se transformar num embrião transferível para vacas receptoras de embriões. Aí o processo é normal até o nascimento do animal”, revelou.

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ATÉ QUANTO TEMPO DEPOIS DA MORTE DE UM BOVINO ELE PODE SER CLONADO?

A médica veterinária Jéssica Maresch, que concluiu sua tese de mestrado pela Universidade de Brasília, encontrou em suas pesquisas no laboratório do CTZL a resposta para uma das perguntas mais frequentes sobre o processo de clonagem de bovinos.

“Uma das perguntas que a gente mais recebia quando falava que trabalhava com clonagem era justamente essa: ‘mas até quanto tempo depois que o animal morreu você consegue clonar esse animal?’. Aí o meu experimento foi dividido em duas etapas, sendo a primeira justamente para responder essa pergunta. O objetivo foi a gente preservar o material desses animais por até 30 dias após o óbito e ver se a gente ainda conseguia recuperar células desse material, que no caso foram das orelhas desses animais que tinham morrido”, lembrou.

“Porque a gente tinha dois problemas muito sérios no laboratório. Um era o produtor mandar para a gente material congelado, o que matava as células e inviabilizava o cultivo. Outro problema era eles não preservarem, mandarem material e este material chegar em estágio de putrefação, o que também inviabiliza o cultivo. Então a gente tentou trazer uma alternativa que fosse realizável pelo produtor. O que nós fizemos? Nós coletamos a orelha de vários animais no momento do abate e preservamos essas orelhas durante 30 dias dentro de uma geladeira, que é o eletrodoméstico que as pessoas têm em casa, têm na fazenda. Porque também a gente tem um país com proporções continentais, então muitas vezes o animal falece, vem a óbito numa fazenda que está muito longe do laboratório, então o nosso objetivo foi também simular um transporte desse material da fazenda até o laboratório. E nós conseguimos! Depois de até 30 dias do óbito foi possível recuperar o material desses animais. As células que nós cultivamos foram da pele e a gente viu que até um mês depois que o animal morreu, mantendo essa orelha a 5º C, é possível recuperar material para a gente usar essas células para fazer um clone desse animal”, celebrou a veterinária.

APLICAÇÃO PRÁTICA

Jéssica listou um exemplo prático de contribuição da clonagem de bovinos para a pecuária brasileira. “Nós temos uma linhagem de animais Sindi que foi desenvolvida pela Embrapa, uma linhagem que teve uma procura muito grande pelos produtores. Eram animais excelentes e infelizmente os animais foram envelhecendo com o tempo e a linhagem foi começando a se perder. Então o pessoal da Embrapa de Pernambuco coletou material desses animais ainda vivos, enviou para nós e nós conseguimos produzir o mesmo protocolo. Seguimos o mesmo protocolo, mantendo o material dos animais até 30 dias após a coleta, e foram ao todo 19 animais. Desses 19, nós também conseguimos preservar o material até 30 dias depois da coleta das amostras. Foi uma forma de preservar essa linhagem excelente de animais que foi produzida pela Embrapa e estava se perdendo. A gente conseguiu recuperar, são animais que ainda estão vivos, mas são muito velhos, estão idosos, então a gente conseguiu esse material que está guardado em nossos botijões para futuro uso justamente na clonagem”, ilustrou.

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O pesquisador Carlos Martins adiantou que as pesquisas sobre a técnica continuam para que ela se torne mais acessível a mais produtores rurais. “É uma ferramenta que tem demanda, o mercado está pedindo. Mas não é uma ferramenta barata, ou um procedimento de reprodução barato ainda, porque ela não é tão eficiente como uma inseminação artificial, como a fecundação in vitro. É por isso que a gente estuda o processo no laboratório e então essa ideia de melhoria, da eficiência, vai se transmitir lá no campo, o que vai diminuir o valor da tecnologia. […] A ideia nossa é realmente tornar essa tecnologia mais acessível para outros produtores que ainda não têm condição financeira de pagar. […] A tecnologia é fantástica porque a gente pega o topo da pirâmide, o animal que está lá em cima, que é um animal diferenciado, e consegue reproduzi-lo e perpetuar a sua vida produtiva no campo”, afirmou o veterinário.

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Confira a reportagem completa da série Embrapa em Ação – unidade Cerrados, clicando no play a seguir:

Foto ilustrativa: Luiz Sérgio Camargo / Reprodução Embrapa Gado de Leite