A história da Fazenda Triqueda, em Coronel Pacheco, município na Zona da Mata próximo a Juiz de Fora, tem marcos importantes que a transformaram num exemplo não só dentro como fora do Brasil.
Ela foi reconhecida pela organização sem fins lucrativos FoodTank, localizada em New Orleans, na Louisiana-EUA, na lista das 28 fazendas inovadoras que contribuíram para moldar o futuro da produção de proteína de origem animal. Dentro do próprio país, a Fazenda Triqueda esteve na lista de “caso de sucesso a ser multiplicado no bioma Mata Atlântica”, uma iniciativa da Rede ILPF, que institui parcerias entre agentes públicos e privados para fomentar a ingração. Mais importante do que as premiações, a propriedade tem um retorno financeiro mais de três vezes superior à média nacional.
Ao Giro do Boi, o administrador Leonardo Resende, o sócio e gestor da Triqueda, contou alguns dos destaques do trabalho da fazenda de 380 hectares (sendo 100 ha de sistema silvipastoril, outros 100 hectares de silvicultura e o restante composto por reserva legal e APPs).
“A gente dividiu a fazenda em quatro áreas e 25% da pastagem foram manejados a cada ano. A gente reduziu o estoque dos animais, porque a gente tinha uma pastagem degradada inicialmente, lá pelo ano 2000, 2004, […] e ao mesmo tempo que a gente deu uma folga para a pastagem, a gente colocou as árvores e manejou a parte que precisava de uma atenção, precisava de uma adubo pontual aqui e ali, precisava de a gente cuidar da matocompetição… E a gente foi criando ações personalizadas para cada parte da pastagem”, relembrou.
+ Como fazer divisão de pasto na fazenda?
+ Nem adubação, nem herbicida: saiba qual o primeiro passo para intensificar o uso de suas pastagens
“É importante a gente entender que neste processo, para que a gente torne cada piquete mais produtivo o possível e desenvolver esta sensibilidade para pressão dos animais na pastagem, não adianta a gente só adequar a parte de lotação. O herbívoro é um animal seletivo, vai comer primeiro o que ele gosta e onde ele gosta de estar, então a gente compõe um ambiente que a gente consegue ter andares dentro desse micro ecossistema produtivo e que vai potencializar uma sinergia tanto abaixo do solo, com troca de nutrientes, tanto acima do solo”, explicou.
Resende ilustrou como essa sinergia ocorre na prática. “Por exemplo, a galhada do eucalipto cai no solo e se decompõe ali. As folhas também. Então é mais um componente gerando matéria orgânica, mais um componente diminuindo a temperatura. E menor temperatura significa conforto térmico, significa menor evaporação de água no solo, significa maior infiltração de água da chuva, recarga do lençol freático e mais nutrição”, esclareceu.
O administrador alertou para os problemas que podem ser derivados desta falta de cobertura no solo, situações que podem ser corrigidas a partir de um sistemas simples de pecuária regenerativa. “A pecuária perde serviço ambiental, passa a degradar quando a gente perde a cobertura vegetal. A gente começa a ter manchas de erosão no solo, a gente começa a ter manchas de invasoras e, por evolução desse quadro, essas manchas vão se conectando. A gente para de ter a fonte principal da nutrição desses animais e começa a ter uma vegetação pobre – pobre abaixo e acima do solo. E aí a gente tem um sistema que não funciona e chega a ser um passivo ali. Então a pecuária regenerativa é uma forma de baixo custo de investimento, ela não contempla um pacote tecnológico caro, ela envolve a mudança cultural do pecuarista e dos seus colaboradores em termos de desenvolver uma sensibilidade maior para os sinais que aquela pastagem passa, melhora aqueles sinais e entender o micro ecossistema produtivo”, revelou.
+ Fertilidade do solo ‘sai do buraco’ com ajuda da integração
+ Erosão ameaça segurança alimentar, hídrica e energética; como evitar?
A partir destes pilares, Leonardo, justamente com gestores de fazendas com este tipo de sistema produtivo já consolidado, criaram o Projeto Pecuária Neutra e Regenerativa, que “apoia e incentiva a expansão de sua proposta através da multiplicação dessa iniciativa”, conforme consta no site oficial do projeto. Entre os benefícios da adoção do sistema estão aumento da receita por hectare, melhora do desempenho da pastagem e do rebanho e a incorporação das boas práticas de manejo e bem estar animal.
+ Agroflorestas ajudam produtor a regenerar fazenda ao mesmo tempo que produz
Na Fazenda Triqueda, os resultados justificaram as mudanças no sistema de produção. “A média do Brasil hoje é de R$ 350 por hectare ao ano. Hoje na fazenda a gente está receitando R$ 1.000,00 a R$ 1.100,00, próximo do milho e da soja. Então por que a pecuária vai ficar marginalizada, por que ela não pode ser tão competitiva? Marginalizada economicamente, que eu quero dizer. É a margem de receita, de um lucro maior, e ela passar a ser estrela do agro em termos de lucratividade. Esse que é o nosso desafio e parte deste conceito todo vai para ter produtos diferenciados com certificações, com selo, uma comunicação direta para o consumidor que a carne, o leite, o couro que ele está produzindo está ajudando o planeta”, sustentou.
“A produção sustentável é uma longa escada. Não existe um modelo que te falo que é o melhor. A gente está olhando sempre o próximo degrau, então faça pecuária regenerativa. Se eu já estou com a base da minha escada toda pronta, aí pode ir acrescentando um degrau a mais aqui, outro ali e a luta não para. Ela deve contemplar o contexto, a ecorregião desta fazenda está e os inputs locais”, concluiu.
+ Antes de intensificar a produção, intensifique a gestão
+ Qual a relação entre pecuária intensiva e as emissões de gases de efeito estufa?
+ Quantas arrobas por hectare eu devo produzir para ter uma fazenda lucrativa?
Veja a participação de Leonardo Resende na íntegra: