É uma mudança que combina o bem-estar e a ética na produção animal com avanço de gestão, de controle sobre a fazenda de pecuária. Este é um resumo dos benefícios da substituição da marca a fogo por outras maneiras de identificar o gado, conforme listou em entrevista ao Giro do Boi nesta segunda, dia 06, a pecuarista Carmen Perez, titular da Agropecuária Orvalho das Flores, localizada em Barra do Garças, no Vale do Araguaia mato-grossense.
Relembre no link abaixo a história da pecuarista Carmen Perez:
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A pecuarista lembrou que começou a retirar o uso da marca a fogo na fazenda em 2016, a princípio com certa resistência das pessoas envolvidas, assim como qualquer resistência ao que é novidade. Uma das principais dúvidas era a respeito da identificação dos animais no pasto, uma vez que a marcação na paleta indicava a época de nascimento. No entanto, a ideia foi, em parceria com a Allflex, usar bottons coloridos que facilitam esta visualização a pasto.
“Então quando a gente chega no pasto hoje, o mês de julho é rosa. O mês de agosto é azul. Então a gente foi transformando, encontrando alternativas para fazer esta nova forma de identificação. E o ser humano se adapta a tudo. O que acho que foi muito surpreendente é que melhorou muito o nosso manejo em todos os sentidos: em termos de gestão de dados foi um avanço enorme para a fazenda, porque antes era aquela gritaria no curral, ninguém se entendia, ninguém escutava”, lembrou Carmen. Atualmente, o uso do bastão eletrônico que identifica o animal pelo botton diminui os erros de anotação, que já são passadas automaticamente ao computador. Segundo a criadora, como a prática tem um longo histórico de uso, o ideal é substituir aos poucos a marcação, começando por uma redução no número de marcas por animal.
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Perez alertou também para o prejuízo que a prática traz para o desempenho do animal e também para a segurança da equipe que realiza o manejo. “Como é uma prática muito usada, justamente por isso que a gente quer falar sobre ela. Ela é muito usada, ela é muito comum e ela é extremamente invasiva. Esse processo inflamatório pode durar até oito semanas. Então por até oito semanas o animal pode sentir dor com esta prática. E não é todo mundo que saber fazer. Além de tudo, a gente coloca a equipe em risco quando não saber fazer da forma correta. Quantas vezes vai marcar um animal, machuca o animal, dá bicheira, ou mesmo pega aquele botijão de gás, leva para o pasto, põe em cima de um carretinha de sal, enfim… Aquilo lá é inflamável, nós estamos falando de um gás, então são muito sentidos”, apresentou.
De acordo com a pecuarista, a imagem do setor de carne bovina como um todo também é prejudicada. “E eu acho que além de tudo isso que você falou, desta parte econômica, da parte de gestão, nós também temos que falar da parte da imagem da nossa pecuária porque tem toda esta questão do bem-estar animal. […] Quando querem criticar a imagem da pecuária brasileira, usam justamente uma imagem de um bezerro sendo marcado a fogo. Estas ONGs de proteção animal, sites de vegetarianismo usam estas imagens e eu acho que a gente tem que se proteger disso também. Porque acho que a gente tem uma pecuária tão sustentável, a pasto, fazemos coisas tão boas, então […] vamos mudar esta marca. Qual é a marca que a gente quer deixar? Com certeza não é esta”, opinou.
Junto com o professor da Unesp de Jaboticabal-SP e coordenador do Grupo Etco Mateus Paranhos, Carmen Perez será palestrante da próxima edição do Webinar Giro do Boi, na próxima quinta, dia 09, às 8h30 (horário de Brasília). “Gado sem marca a fogo?” é o título do evento, cuja programação completa e inscrições podem ser feitas pelos links abaixo:
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Em sua participação, Perez também falou de uma campanha que lançou recentemente em suas redes sociais para mostrar que a raça Nelore pode ser manejada a partir de sua docilidade. O que chamou sua atenção e deu a ideia de criar a hashtag #NeloreSendoNeloreBemManejado foi justamente a tag #NeloreSendoNelore, que mostra animais da raça em ocasiões de reatividade. “Eu fico indignada: por que o Nelore carrega este fardo? Por que o Nelore carrega esta imagem de ser um animal agressivo?”, questionou a criadora.
“O animal é aquilo que aprende, ele é condicionado ao manejo que ele tem, à vida que ele tem. Então o animal que tem o manejo bom, vai se comportar bem, ele vai ser dócil. A campanha é justamente a gente fazer a hashtag ‘Nelore sendo Nelore bem manejado’ e isso é positivo para toda a pecuária nacional. Novamente eu digo isso, a gente tem que fazer propaganda positiva. É o que a gente tem, é uma raça maravilhosa e nós temos que mostrar o lado bom do Nelore. O animal aprende muito fácil e se a gente manejar ele com respeito, com cuidado, ele vai responder a este manejo. É puro condicionamento positivo”, assegurou. “Então eu convido a todos vocês para esta nova campanha #NeloreSendoNeloreBemManejado”, salientou.
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+ Siga aqui o Instagram da pecuarista Carmen Perez
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Exemplo de post da campanha #NeloreSendoNeloreBemManejado / Reprodução Instagram
Perez classificou cada interação do pecuarista com o animal como uma oportunidade de condicioná-lo à docilidade. “Quando a gente fala de manejo, são todas as práticas que a gente tem com os animais. É do momento nasce até o momento que ele é abatido. Mas em todos os momentos que a gente está com o animal, a gente tem que deixar uma memória positiva com ele. A gente não pode perder nenhuma oportunidade para deixar algo de bom na memória deles. Isso é muito importante, seja no curral, seja na maternidade, seja em um rodeio, seja na desmama, que é uma prática que é muito estressante, então eu falo muito da desmama lado a lado… Nós temos que começar a colocar isto na rotina ,como um hábito mesmo”, ressaltou.
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“A gente parte deste princípio: vamos respeitar aquilo que nos dá o sustento, que é a nossa fonte de renda. É olhar com estes olhos os animais, é ter esta conexão, ter um sentimento de gratidão por estes animais. Eu acho que a gente tem que partir deste princípio e pensando que tudo isso vai gerar mais produção, vai ser muito melhor. Tudo isso é o ciclo do bem”, concluiu.
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Foto em destaque: Reprodução / Instagram