O marco temporal para demarcação de terras indígenas será discutido novamente pelo Supremo Tribunal Federal. O julgamento que está marcado para o próximo dia 30 de junho leva em consideração uma pedido de reforma da decisão sobre uma ação de reintegração de posse de uma área em Santa Catarina datada de 2009, quando o então Fundo de Amparo Tecnológico do Meio Ambiente de Fátima-SC, hoje Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, Funai, índios xogleng e também a União foram desfavorecidos. Nesta terça, dia 22, o advogado Pedro Puttini Mendes, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica falou sobre o tópico.
“O assunto de hoje, na verdade, é um alerta para todos aqueles proprietários ou possuidores que têm direito de propriedade ou de posse de imóveis rurais, seja qual for o tamanho, pequeno, médio ou grande, em todas as regiões do Brasil e que estiverem próximos de áreas que estão em estudo para demarcação de terras indígenas”, adiantou Puttini. “Esse alerta é porque está em pauta no Supremo Tribunal Federal um recurso extraordinário […] cuja decisão pode afetar todos os outros processos de demarcação que estão ajuizados, os processos administrativos de demarcação e até as futuras demarcações de terras indígenas porque nesse processo será novamente discutida a questão do marco temporal, ou seja, a partir de que data se considera para fins de demarcação de terras indígenas”, esclareceu.
O consultor jurídico revelou dentro de qual processo esteve o pedido de destaque. “Vamos contextualizar a questão. Trata-se do recurso extraordinário nº 1017365 de Santa Catarina, que em fevereiro de 2019 teve repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federa e ganhou o nº de tema 1031, que significa repercussão geral, lembrando porque […] significa que a decisão proferida nesse processo vai afetar a todos os outros processos. E a discussão será decidida pelo ministro Edson Facchin, que já deu o seu relatório, o seu voto, agora faltam os votos dos demais ministros. E a ação trata-se de uma reintegração de posse movida em 2009 pelo Fundo de Amparo Tecnológico do Meio Ambiente de Fátima-SC, que hoje se chama Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, em desfavor da Funai e dos índios xokleng e também da União devido a uma invasão que restou como provada, nesse caso de uma reserva biológica pertencente ao estado. E essa reintegração de posse foi deferida, isso foi decidido no mesmo sentido pelo Tribunal Regional Federal. E agora no Supremo a Funai busca reformar essa decisão”, apontou o especialista.
“O alerta se faz porque no último dia 11 de junho esteve em pauta o processo e […] foi retirado do julgamento virtual por meio de um pedido de destaque, ou seja, para que esse julgamento seja feito em plenário […]. E esse julgamento foi agendado para o próximo dia 30, quando todos poderão assistir. E as entidades que se habilitaram a participar nesse processo, o que nós chamamos de amigos da corte, vão poder também dar os seus pareceres e fazerem as suas contribuições em sustentação oral”, acrescentou Puttini. “Ocorre que isso ganhou uma extensão ainda maior ao ser discutido o marco temporal”, alertou.
O consultor revelou como a decisão pode impactar não só este, mas todos os processos envolvendo demarcação de terras indígenas no Brasil. “E qual é o perigo, o que acontece com o marco temporal? O marco temporal, descrevendo essa situação de uma maneira completamente resumida, trata de uma condição impeditiva para que não se incluam no conceito de terras indígenas aquelas terras ocupados pelos índios num passado remoto ou que venham a ser ocupadas no futuro, dizendo que são terras tradicionais de ocupação, conforme o artigo 231 da Constituição Federal (leia abaixo na íntegra). Lembrando que o Supremo Tribunal Federal já decidiu essa questão no caso Raposo Serra do Sol, dizendo que é terra indígena aquela que estava ocupada até a data da Constituição Federal, sendo devidamente comprovado que os índios foram expulsos. Esse é o chamado marco temporal, 5 de outubro de 1988”, comentou o advogado.
“Também já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal através da súmula 650 (confira no link abaixo) que as demarcações de terras indígenas não alcançam terras de aldeamento já extintos, ainda que sejam ocupadas por indígenas em passado remoto e, nesse caso, o ministro Jobim destacou dentre outras questões que há uma dado fático necessário nessa situação: estarem os índios na posse da área”, acrescentou.
+ Acesse aqui a súmula 65o do Supremo Tribunal Federal
Puttini explicou qual é a origem da discussão que levou até o marco temporal em primeiro lugar e apontou que segundo o ordenamento jurídico brasileiro a discussão não encontra espaço para ser decidida mais uma vez. “Esses são os chamados direitos ancestrais, que defendem como o sinônimo de teoria do indigenato. Então a teoria do indigenato, ou dos direitos ancestrais, nas discussões jurídicas, tenta comprovar a inexistência dos direitos de donos naturais das terras brasileiras, que são ditas indígenas, mas é algo que jamais foi recebido pelo nosso ordenamento jurídico. A nossa legislação proíbe o que nós chamamos de repristinação, ou seja, ressuscitar direitos, se é que eles existem. No caso, o ministro relator até proferiu no seu voto o entendimento de que esse direito estaria num alvará régio de 1650. O fato é que a nossa lei de introdução às normas do direito brasileiro, que é um decreto 4.657 de 1942, determina que uma norma só volta a valer se ela for explícita, expressa em outra norma, e não há repristinação automática. Muito menos criada por tribunais e, nesse sentido, também a nossa nova ordem constitucional, trazida pela Constituição de 1988, trouxe, sim, um marco temporal sem qualquer menção aos donos naturais das terras, como se argumenta no indigenato. Então por isso não há uma possibilidade de os indígenas retomarem as terras que um dia eles supostamente estiveram”, destalhou
O consultor insistiu na importância de os produtores rurais e suas entidades representantes acompanharem o caso, mas não somente o setor especificamente. “Esse é um assunto muito preocupante que será decidido agora pelo Supremo Tribunal Federal e que pode afetar quaisquer proprietários de imóveis rurais, urbanos, tamanhos indistintos, localidades indistintas se o marco temporal não for respeitado. Então permanecemos atentos a esse julgamento”, concluiu.
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