“Vamos falar de um assunto que até então era um tabu. Até pouco tempo atrás não se inseria muito bem no setor do agronegócio, que é a recuperação judicial. Hoje é um procedimento que tem sido sugerido por muitos profissionais, muitos consultores e muitos técnicos como uma saída ao produtor rural endividado”, anunciou em mais uma edição do quadro Direito Agrário o advogado Pedro Puttini Mendes, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica.
O consultor voltou ao tema após a ocorrência de uma alteração na lei referente ao assunto. “A partir do dia 23/01 de 2021, entrou em vigor uma alteração jurídica feita na Lei de Recuperações Judiciais e Falências, que veio pela Lei Federal nº 14.112, de 2020, que só entrou em vigência neste ano”, contextualizou.
+ Acesse aqui a Lei Federal nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020
Conforme explicou Puttini, a lei ganha relevância dentro do setor da agropecuária à medida que as fazendas se tornam mais parecidas com empresas convencionais e precisam usar instrumentos à altura. “Há uma crescente necessidade de profissionalizar as atividades de maneira sistemática, organizada, para gerir e aumentar os lucros, gerir os gastos, aumentar os lucros”, confirmou.
Mas mesmo quando a gestão é bem feita, as variáveis do setor, como oscilações de mercado ou clima, podem levar o produtor ao prejuízo e, consequentemente, ao endividamento. “E mesmo o produtor mais organizado e mais sistemático também passa por situações que acabam colocando em risco todo o seu trabalho, todo o seu gerenciamento. E na tentativa de se recuperar desses riscos, desses eventuais prejuízos trazidos por esses riscos é que na safra seguinte, ou no giro do boi seguinte, o produtor acaba recorrendo a instituições financeiras e acaba aumentando o endividamento. Nem sempre o produtor procura instituições financeiras para fazer uma melhoria, um investimento. Muitas vezes ele procura o crédito rural para se salvar de um endividamento. E aí dificulta a recuperação das perdas do seu faturamento, porque ele vai comprometer mais uma parte de seu faturamento com os empréstimos e isso é um enredo já bastante conhecido do produtor rural. Então a preocupação aumenta conforme aumenta o tamanho dos empréstimos, as oscilações climáticas e de mercado, fazendo com que a produção dependa de financiamento em várias opções de bancos”, advertiu.
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Mas ao invés de buscar mais empréstimos e aumentar o endividamento para sair desse buraco, o produtor pode contar com outra ferramenta específica para este fim, a recuperação judicial. “É nesse ponto do endividamento, no caso, que entra esta alternativa sugerida por muitas consultorias, que nós vamos passar a avaliar, que é a recuperação judicial. O que é a recuperação judicial? Ela é uma ferramenta jurídica criada para evitar que empresas e empresários sadios se tornem falidos. Então ela é uma etapa que antecede, que evita falência, é um processo que não é propriamente a falência. É nada menos que uma forma de rediscutir os débitos, apresentando para os credores as maneiras de pagamento, adequando a realidade do seu negócio. E também a capacidade financeira de honrar esses compromissos”, apresentou.
As empresas que têm acesso ao recurso desta recuperação podem passar a negociar débitos mesmo com os credores que se recusavam anteriormente. “Isso se torna possível na medida que, com o processo de recuperação judicial, os credores que não mais renegociavam de forma extrajudicial vão acabar obrigados a passar pelo plano de recuperação apresentado, homologado em juízo, e realinhar essas tentativas de negociação das dívidas”, acrescentou Puttini.
O especialista explicou qual é a diferença entre recuperação judicial e falência. “Ao contrário da falência, a recuperação judicial tem o objetivo de fortalecer os negócios e manter empregos, capacidade de geração de renda, recolhimento de tributos e trazer benefícios para todo o negócio, para todos os envolvidos”, esclareceu.
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Na sequência, Puttini explicou quais os efeitos da recuperação na prática. “Como funciona a recuperação judicial? Ela funciona com o agrupamento de uma série de documentos para constituir esse processo […] e é depois que há o deferimento do seu processamento todas as execuções contra o devedor são suspensas em um prazo de 180 dias e suspendendo também algumas ordens de busca e apreensão de bens que são essenciais para manutenção dessa atividade, como, por exemplo, o maquinário”, ilustrou.
Puttini confirmou onde se encontra a garantia de que a recuperação vale também para o produtor rural. “A dúvida é a seguinte: é possível o produtor rural utilizar a recuperação judicial? Segundo o nosso Código Civil, sim. É estabelecido que o exercício de atividade rural, de forma profissional, se enquadra no conceito de empresário, sendo opcional para esse produtor a realização de um registro mercantil. Então não existe obrigatoriedade de registro para quem exerce atividade rural de forma habitual como sua profissão. A antiga lei de recuperação judicial, que foi alterada atualmente, determinava um registro por período superior a dois anos. Essa questão foi solucionada pelo Superior Tribunal de Justiça através do recurso especial 896041, dizendo que era mera formalidade da lei esse registro. Mas agora, com a nova redação da lei de recuperação judicial, que entrou em vigor em janeiro desse ano, não há mais essa exigência de comprovação de atuação rural por mais de dois anos. Então também nesse mesmo julgamento foi decidido que o produtor tem só que comprovar o exercício da atividade regular”, destacou.
+ Acesse aqui o recurso especial nº 896.041, do STJ
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Pelo vídeo a seguir é possível assistir a edição completa do quadro Direito Agrário sobre a alteração no dispositivo da recuperação judicial: