Como está a qualidade da água que você serve para o seu rebanho? E quais são as suas principais dúvidas a respeito do tema? Tradicionalmente nas sextas-feiras no Giro do Boi o médico veterinário especialista no assunto Fernando Loureiro responde telespectadores e aponta quais são as melhores práticas de manejo relacionadas ao líquido sagrado.
Mas uma participação por semana foi pouco para atender a grande demanda de perguntas enviadas à produção do programa e por isso, nesta quarta, 20, o veterinário concedeu entrevista ao Giro do Boi para esclarecer algumas das questões “represadas”.
Veja nos tópicos a seguir:
ÁGUA NO AÇUDE X ÁGUA NO BEBEDOURO
“Nos trabalhos científicos feitos por pesquisadores em universidades, nos centros de pesquisa tanto aqui do Brasil como no exterior o resultado do gado que bebe água em pilheta sempre é superior ao gado que bebe água no açude. O principal motivo disso é que, no açude, tem água, mas não se tem o controle, a gente não tem o poder de controle de administração dessa água. Então a enxurrada na época da chuva leva para dentro do açude restos de esterco, restos de animais mortos, sujeira… Acaba tendo vários contaminantes via bactéria, protozoário, vírus que podem incorrer em debilitar a sanidade dos animais”.
“A gente tem que ter uma parâmetro bom (para avaliar a comparação) porque vão ter vários achismos. Aí o estudo científico publicado, feito por pesquisadores, por alunos de doutorado, de mestrado nas faculdades têm um critério muito bom. Eles dão condições semelhantes aos lotes comparados, tem um lote testemunha, um lote que está bebendo água no açude regular e o outro bebendo água semelhante – veja bem, não é, nesses trabalhos, uma água tratada com regularidade de cloro ou de outro agente químico, é a mesma água do açude, só que servida de uma forma que os animais não entrem no recipiente e em que o homem possa exercer a limpeza frequente de lavagem daquele bebedouro. Mas as outras condições, tipo de pasto, variedade de capim, o estágio de oferta de pastagem, a era dos animais, a raça, esses padrões são todos semelhantes para poder ter o comparativo”.
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RETORNO DO INVESTIMENTO EM CAPTAÇÃO DE ÁGUA
“Essa é a ideia (fornecer água na pilheta, se possível). É o que a gente tem apregoado e é interessante fazer. A gente tem que deixar claro para todos os nossos amigos que acompanham o Giro do Boi que a gente tem ciência, sim, que distribuir água envolve muitas vezes a captação da água, perfuração do poço ou a captação de uma represa de um rio, que envolve outorga, licença para uso dessa água, aí tem processo de bombeamento, construção do reservatório, distribuição do encanamento… Então, sim, existem custos, como tem quando a gente melhora pastagem, faz uma reforma, quando faz um melhoramento genético. E são custos que se tornam investimento pelo retorno que trazem para a fazenda. Aquele pessoal que está investindo, você faça um projeto para distribuir água e levar água para os animais parcialmente. Vai ter fazenda que vai conseguir fazer para 30% ou 40% do gado no ano, mas outra vão fazer 10%. O importante é começar a fazer e priorizar os animais que vão apresentar o melhor desempenho e trazer o melhor resultado econômico para a fazenda, para que ela possa investir nas outras áreas e nas outras categorias”.
COMPARAÇÃO DE GANHO DE PESO COM ADITIVOS
Loureiro explicou porque ele afirma que, segundo os estudos, a melhora no desempenho do boi que bebe água da pilheta é semelhante ao consumo de um aditivo alimentar. “Não é que eu tenha que ter ou aditivo ou água limpa. O ideal é que se forneça os dois e que se obtenha o resultado adicional de ganho de peso dos dois usos”, esclareceu.
“Mas o que a gente tem visto é usar aditivos para melhorar o desempenho de ganho de peso dos animais e continuar servindo uma água que não oferece oportunidade para o animal desempenhar o máximo”, lamentou.
“Tem um trabalho que a gente apresentou aqui no Giro do Boi (relembre nos links abaixo), que foi feito lá em Alberta, no Canadá, que é o trabalho mais completo sobre água (para bovinos). Ele foi feito durante três anos com três categorias, vacas paridas, garrotes e também bezerros desmamados. E esse trabalho demonstrou 225 gramas de média de ganho a mais por dia em todas as três categorias no decorrer do ano todo – no período de verão, de inverno, primavera… No ano seguinte, repetiu o resultado. E 225 gramas de ganho a mais por estar servindo água num bebedouro limpo já é mais do que o dobro do que os principais aditivos nutricionais veiculados via suplemento, via ração, oportunizam para os animais. É um ganho expressivo para a gente deixar de obter, para continuar servindo o mesmo sistema que a gente fazia há 50 anos, há 40 anos, ou seja, continuar, continuar deliberadamente sem um projeto de levar uma água de bebedouro artificial para os animais”, alertou.
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Confira as demais perguntas respondidas por Loureiro:
– Posso usar uma pedra de cloro de 200 gramas para um bebedouro de 1500 litros, onde bebem 40 bois em confinamento, suplementados com ração total e sem volumoso? (Paulo Eduardo Macedo, de Cuiabá-MT)
“Essa pedra de 200 gramas é uma pastilha grande. Tem duas ou mais empresas bem conhecidas no mercado que fornecem a pastilha de cloro e ela vai liberando lentamente o cloro na água. Não se deve usar 200 gramas no bebedouro de 1500 litros porque é muito cloro em pouco tempo. A recomendação é de 1 a até 3 PPMs, ou seja, gramas para cada 1000 litros. Traduzindo o que é partes por milhão de litros, para 1500 litros seria interessante você usar 1,5 grama e não 200 gramas e aí existe um processo. […] Podem me ligar, a gente pode fazer essa conta junto, mas o ideal vai ser fracionar. Essa pastilha grande, desse tamanho, é interessante para os reservatórios de 200 mil litros acima que tem nas fazendas. Se for uma caixa d’água de 20 mil litros, a pedra de 200 ainda é muito grande, então, nos primeiros dias, mesmo com a liberação lenta, incorre no risco de ser muito e travar o consumo dos animais, prejudicar o consumo de água”.
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– O que você acha de reuso da água para o boi, como água de chuva por exemplo? (Carol Barbosa, de Vilhena-RO)
“A água da chuva pode e deve ser aproveitada, sim. Inclusive é a água mais servida para animais de produção aqui no Brasil todo, em todas as regiões, porque o gado ainda bebe muita água de açude – e o açude nada mais é do que a coleta da água da chuva nas partes baixas. Então as fazendas usam muito. Existe forma de coletar essa água da chuva num reservatório artificial maior para ter essa água para servir nos meses de estiagem. É uma técnica muito boa e aqui na nossa região ainda é pouco utilizada. Eu vi muito isso em regiões mais secas, como o Chaco paraguaio, onde eles fazem barracões com coleta da água pelo telhado e a armazenagem em algibres subterrâneos. Essas cisternas usadas em regiões que chove pouco, como no Nordeste, que já tem bastante, região norte de Minas. Aqui em Mato Grosso do Sul ainda é pouco usado porque tem certa regularidade de chuva, mas seria interessante todas as fazendas pensarem no futuro num planejamento para que não corram riscos de falta de água em período de longa estiagem”.
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– A alimentação animal impacta no consumo de água? (Everson Matos, de Ipameri-GO)
“E muito! Você tem o aumento do consumo de matéria orgânica em função da quantidade de água que o animal bebe. Então o boi que não bebe, não come. Traduzindo isso, quanto mais água os animais bebem, mais eles vão comer capim, suplemento no cocho e é por isso que eles apresentam um ganho a mais. Não é a água que faz ele ganhar diretamente mais peso, mas sim o maior consumo de alimento. Ele vai comer mais pasto ou volumoso, silagem, feno e suplemento e por isso ele ganha mais. Então o impacto é direto nesse aumento de apetite de ingestão de matéria seca dos animais”.
– Vi uma matéria de vcs sobre a limpeza dos cochos, mas gostaria de saber como podemos fazer os testes para a qualidade da água. E se tiver alguma alteração que produtos devemos usar para melhorar a qualidade? (Victor Profili, de Botelhos-MG)
“A gente tem fichas para disponibilizar, que tem muitas avaliações que você vai fazer na fazenda e o seu funcionário tem condição de fazer também, de ser treinado para isso, fazer avaliação visual, observar o aspecto da água, se ela já está turva, se ela está opaca, o cheiro da água que deve ser o mais inodoro, o mais sem cheiro possível, e sem cor e também sem sabor. Nos testes hoje eu recomendo também avaliar o pH e até mesmo o teor de cloro dessa água com aquelas tirinhas que são vendidas em casas de produtos de piscina. No Brasil todo tem, em cidade maior ou menor, você encontra esse material que é bem prático, extremamente barato e de fácil leitura porque o gabarito, a forma de leitura já vem na própria embalagem e ali eles instruem e você já sabe que se o pH estiver próximo a 7, está excelente, se o teor de cloro não estiver elevado, estiver baixo, você já pode botar mais cloro, mas se tiver alto não está precisando do cloro…”.
Solicite a ficha para o Whatsapp do Giro do Boi, pelo número (11) 9 5637 6922 ou ainda pelo e-mail [email protected].
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– Li a matéria sobre a lavagem dos bebedouros e me surgiu uma pergunta no sentido da prevenção das verminoses: não é conveniente colocar hipoclorito ou outro desinfetante, eventualmente, nos bebedouros para diminuir a incidência de vermes no rebanho? (Ivanildo Zanotti, de Nova Venécia-ES)
“Nada vai substituir a limpeza mecânica, tem que esfregar e tirar o excesso de matéria orgânica, que é o capim que os animais trazem na boca, o farelo do proteinado ou da ração e sujeira que se deposita no bebedouro e sedimenta no fundo. Aquilo ali vai ser o substrato de contaminação por bactéria, protozoário, vírus e também verminose. Quer ver um problema? Cisticercose! Tem que lavar aquela água, o cloro vai ajudar e a melhor forma para tratar vão ser essas pastilhas que nós já falamos, melhor que o hipoclorito em forma líquida. Mas pode ser usado, sim”.
Loureiro acrescentou que, em todo caso, o tratamento da água não substitui a vermifugação, que deve ser feita no rebanho três vezes ao ano seguindo protocolos das companhias de saúde animal.
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– Qual a temperatura ideal da água para o gado beber? Tenho vacas de cria, tenho poço artesiano e sirvo água no cocho na manga. (José Luiz Bernardes, do interior de São Paulo, mas com propriedade em Fênix-PR)
“A temperatura ideal é a mais próxima da temperatura corpórea dos animais, porque aí não ocorre nenhum choque térmico no rúmen dos animais e favorece, logo, esse processo de fermentação e digestibilidade. O animal vai ter uma temperatura corpórea ao redor de 38º C, a temperatura média fisiológica, então para esses animais a água poderia estar, de forma ideal, a partir de 27º C a 31º C. É difícil uma água estar mais quente do que isso. Mas essa preocupação de temperatura eu não levaria muito em conta porque a gente não vi ficar medindo com termômetro. A água fria de água corrente, de riacho ou córrego em dias chuvosos, em dia de inverno, o animal bebe menos. Lógico, ele tem menos sede, mas essa água ele bebe menos por estar fria e também é prejudicial porque ele gasta energia para aquecer. Por isso os animais vão preferir, naturalmente, a água do açude (na comparação com água corrente). Mas se você tiver uma pilheta, esse animal vai preferir a água limpa da pilheta, do bebedouro artificial”.
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– Tenho aguadas naturais de vertentes, águas correntes na minha fazenda. Você recomenda? (Paulo Régis, de Estrela Velha-RS)
“Na água nascida dentro da fazenda, de nascente da fazenda, você tem uma segurança maior da qualidade dessa água. Não quer dizer que toda água de nascente seja perfeita, mas quase a totalidade, sim. Então você já tem uma segurança de que não veio do vizinho. Se você puder cercar as nascentes, preservando as nascentes, você vai estar fazendo bem para o meio ambiente, vai estar se adiantando nesse processo, vai proteger a nascente contra qualquer erosão e prejuízos e o animal vai beber melhor, sem continuar pisoteando a água, sem entrar dentro, sem levantar o limo, o lodo do fundo e não tendo esterco, restos de animais na água. A água do bebedouro artificial sempre vai ser melhor mesmo que seja aquela água nascida na fazenda”.
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– Gostaria de saber se posso colocar tilápias no bebedouro das vacas de cria a pasto, pois os peixes conseguem limpar todos os bebedouros que tenho. Tem algum mal de tê-las nas caixas? (Antônio Farinha Jorge Júnior, de Francisco Beltrão-PR)
“A gente não recomenda botar peixe na água. Eu acho que tanque de peixe é ótimo para criar peixe. Quanto ao bebedouro, se for com o objetivo de limpeza dele, a gente teria que ter um volume muito grande de tilápias para manter ele muito limpo. E a tilápia também produz excrementos, consome o oxigênio da água, não traz benefícios. Eu já atendi fazendas e já abordei esse assunto aqui no Giro do Boi, temos as imagens e tudo (veja no link a seguir), que infelizmente mostram que esses peixes podem morrer dentro da água e causar um dano muito maior. Primeiro que depois que eles morrem, se demorar a observar, eles causam uma alteração no sabor e no odor da água e os animais bloqueiam o consumo de água. […] Eu prefiro que não se use, é a nossa recomendação, embora haja técnicos que achem interessante. O mesmo vale para plantas aquáticas.
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– Tem um tamanho certo para o bebedouro? Tenho um sítio pequeno com apenas dez animais. (Jalves José de Melo Oliveira, de Gameleira-PE)
“Igual cocho, tem o perímetro. A área de chegada recomendada e ideal seria de 4 centímetros por animal, 25 animais por metro. E os bebedouros circulares têm melhor facilidade de chegada do que os quadrados ou retangulares, os animais se acomodam melhor no bebedouro circular”.
– Qual a duração de um bebedouro de pneu? (Edgleisson Ribeiro Cunha, de Minas Gerais)
“A indústria do pneu calcula que eles vão durar 300 anos na natureza. Os que a gente trabalha e fornece para clientes, a gente dá uma garantia de até 500 anos porque não acaba mesmo”.
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– Lodo amarelo na água é ruim? (Isidro Oliveira, Pirenopolis-GO)
“O lodo, de forma geral, é um crescimento de microalgas e ele não é benéfico. Existe, inclusive, a possibilidade de virem a ser tóxicas para os animais algumas espécies de alga, especialmente a alga azul”.
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