Tal qual no estabelecimento de um relacionamento entre pessoas, o uso do olhar para ganhar a confiança se aplica também à relação homem e animal no que diz respeito ao manejo racional de bovinos de corte. Foi o conceito que apresentou ao Giro do Boi em entrevista nesta segunda, 23, o coordenador técnico de bem-estar da MSD Saúde Animal e engenheiro agrônomo Antony Luenenberg.
“A hora que você conversa com a peonada, primeiro eles ficam meio desconfiados, mas à medida que a gente começa a trabalhar e mostra para eles quem são os líderes, os animais com os quais vamos interagir e a questão de olhar no olho e guiar, mostrar o destino, esses animais são muito responsivos”, comentou Luenenberg.
BUSCANDO UMA REFERÊNCIA
“O que a gente tem que pensar é que esses animais têm milhares de anos que foram domesticados e por várias e vários anos eles foram guiados. E à medida que nós intensificamos os processos de criação, nós paramos de guiar e começamos a tocar. Mas o bovino quer ser guiado. A maneira que ele se comunica com o ser humano é através de linguagem corporal e visão, então o peão vai manejar, identifique quem são os líderes, geralmente são os animais que estão à frente dos lotes com posicionamento corporal alinhando sempre a cabeça e o peito para o lado que você quer que ele vá. Você olha no olho do animal e olha para dentro da porteira e vai recuando e fazendo esse movimento de pressão e alívio”, indicou o especialista.
Até mesmo por conta desta característica, Antony recomendou que o vaqueiro não faça contato visual caso não queira passar uma mensagem ao lote de trabalho ao realizar o manejo racional de bovinos de corte. “Outro ponto que também é importante e eu vou dar um exemplo: o vaqueiro vai passar dentro de uma manga de curral, mas ele não quer interagir. Então abaixe a cabeça e não olhe. Ele deve trabalhar com a visão somente a hora que ele for trabalhar com os animais”, salientou.
CRIANDO CONEXÕES
“O interessante é que depois que a gente começa a mostrar para o peão a importância de entender o comportamento do animal, como ele enxerga, como ele escuta, como é que ele percebe o ambiente, fica muito mais fácil de ele trabalhar”, valorizou Luenenberg, citando os treinamentos feitos pelo programa Criando Conexões, da própria MSD Saúde Animal.
“O programa Criando Conexões (acesse aqui o site do programa) é uma das iniciativas globais da MSD. É uma plataforma de bem-estar animal onde a nossa equipe implementa, dentro das fazendas, técnicas de manejo de baixo estresse, principalmente orientando e capacitando as equipes das fazendas a trabalhar de forma correta com os animais. Com isso, a gente melhora a resposta das vacinas, dos antibióticos e diminui o estresse, melhorando o produto final que vai para a mesa do consumidor”, explicou.
MANEJO RACIONAL E SAÚDE ANIMAL
O coordenador explicou como o manejo racional de bovinos de corte influencia na sanidade da boiada. “O estresse mata o sistema imune. Em um animal estressado, desidratado, com fome, a resposta imunológica às vacinas e até mesmo aos antibióticos usados é muito baixa. E o que a gente quer é tornar mais eficaz os produtos que a gente utiliza para sanidade dos animais”, sustentou.
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Em sua entrevista, Luenenberg apresentou os dez princípios básicos do manejo racional de bovinos de corte, que servem para tornar o serviço mais tranquilo sem estressar os animais. “A gente tem aquela ânsia de que tem que ter seringa cheia para poder render o serviço, mas, na verdade, não. Se os animais quiserem voltar, deixe voltar. A gente tem que pensar que o que dita fluxo de um manejo é o tronco de contenção. Então tem horas que vai entrar um animal, dois animais, três animais… O fluxo é ditado pelo tronco de contenção, então a gente tem que ter calma, paciência e saber observar para melhorar o manejo”, apresentou.
“A hora que você está embutindo esse animal e ele não se sentiu seguro, ele não vai querer entrar lá dentro. Então a gente tem que ter paciência para depois retornar esse animal. O programa (Criando Conexões) hoje é baseado principalmente nos trabalhos desenvolvidos pela Dra. Temple Grandin, Bud Williams e o Dr. Tom Noffsinger. E em cima dos trabalhos que eles fizeram, nós criamos os dez princípios básicos de manejo, que formam uma maneira de orientar a peonada de trabalhar de forma correta”, classificou.
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Veja quais são os dez princípios manejo racional de bovinos de corte:
1 – O gado quer ver o manejador.
“É um ponto importantíssimo para quem está nos escutando e trabalha com bovinos porque eu creio que já aconteceu com você: você abre a porteira e corre no fundo do lote, mas a boiada tende a virar para a gente. Então é importante que toda vez que você for manejar, pare um pouco na frente da porteira, espere os animais te olharem, mostre o destino e fique sempre posicionado na frente ou do lado do lote porque a gente fala que a visão do bovino é monocular, ele capta a imagem de forma independente com os olhos. Um olho vê o destino e o outro o manejador”.
2 – O boi vê melhor quem está em movimento.
“Acredito que também já aconteceu com quem está nos assistindo: você para dentro de uma manga de curral está conversando com amigo, daqui a pouco você se movimenta, o lote todo se assusta. Bem, você tem que sempre estar com o corpo em movimento e fazer movimentos sutis para os bovinos não te perderem no campo de visão”.
3 – O gado responde ao olhar.
“Isso é incrível e confesso que a primeira vez que eu escutei eu me espantei. ‘Olhar no olho do boi funciona mesmo?’ E realmente funciona! Eles são muito responsivos. O que a gente tem que perceber é, na hora de manejar, principalmente dentro de currais de manejo, identificar quem são os animais líderes, que são os animais que estão à frente do lote. Então o vaqueiro, com posicionamento corporal, vai olhar para esse animal líder e vai olhar para o destino. E o legal é que o bovino entende isso. A gente tem é que treinar exaustivamente para poder identificar quem são os animais líderes”.
4 – O gado gosta de passar ao redor do manejador.
“Principalmente em pastagem, ele faz uma meia volta, uma meia lua em volta de quem está manejando e essa é uma maneira de facilitar a visão dele”.
5 – O boi gosta de retornar por onde ele veio.
“Muitas vezes também a gente usa sem saber que é uma técnica. Um exemplo é quando a peonada está embutindo o gado, colocando dentro da seringa e começa a ficar difícil entrar dentro da seringa. Ele pensa em enganar a boiada, abre a porteira e joga para manga de cima do curral e ela entra mais fácil. Toda vez que você tira os animais de um ambiente que ele já reconhece e entra num ambiente novo, ele tende a voltar para o ambiente antigo”.
6 – O boi processa uma informação de cada vez.
“Então dentro do curral de manejo, deve-se cortar estímulos. O boi não entende conversa. Então faça silêncio. Quanto mais silêncio, mais focado ele vai ficar em quem está manejando, o boi vai prestar atenção em quem está manejando. Já quando você tem muita informação, ele fica muito estimulado. Então entenda que ele processa uma informação de cada vez, por isso deve-se trabalhar com linguagem corporal e com a visão”.
7 – Trabalhar com pressão e alívio.
“Eu acho que o pessoal conseguiu ver nos vídeos (assista no player abaixo): o peão movimenta, dá uma pressão e dá um passo para trás. Toda vez que você dá um comando e o bovino obedece, você tem que recuar, e depois dar outro comando e assim sucessivamente”.
8 – Respeitar o grupo.
“Os bovinos vivem em grupos, são animais gregários. Então é recomendável trabalhar sempre em lotes, nunca deixar o animal sozinho”.
9 – Respeitar a hierarquia do rebanho.
“Dentro do rebanho de bovinos existem os animais dominantes. Tem os submissos, tem os líderes e tem o animal que a gente chama de sentinela – falando na linguagem campeira, o dito ‘boi veiaco’, a ‘vaca veiaca’, que é aquele que desponta. E a gente tem que pensar que esse animal é um guardião do grupo. Então qualquer risco ou ameaça ele vai fugir e o grupo vai acompanhar. Este é um dos primeiros animais com quem a gente tem que fazer amizade”.
10 – Trabalhar com calma.
“O gado percebe a nossa energia. Quanto mais calmo eu trabalhar, melhor vai ser o resultado do manejo”.
Partindo desses princípios, Luenenberg deu uma dica que pode melhorar o desempenho das matrizes que vão entrar em reprodução nesta estação de monta, usando o manejo racional de bovinos de corte. “A gente fala que ele deve colocar o gado para ‘desfilar’: abra as porteiras, deixe a vaca passar dentro do tronco, dentro do brete todo aberto e isso a gente faz com que esses animais criem memória positiva – e fica muito mais fácil você conduzir pela segunda vez. Mas é uma técnica que melhora e as fazendas que têm implementado têm tido resultado excelente”, frisou.
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EM CONCLUSÃO
“Se você tem uma mudança de atitude com uma pessoa, ela muda o comportamento com você. Se você tem uma mudança de atitude com os animais, eles também mudam o comportamento. A gente fala muito no Brasil que o Nelore é arredio, é bravo, mas hoje nós trabalhamos de Norte a Sul no Brasil com todo tipo de estrutura e essa questão da mudança de atitude é visível. Na hora que você muda de atitude com o animal, ele muda de atitude com a gente”, concluiu.
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Assista na íntegra a entrevista com o especialista em bem-estar animal sobre o manejo racional de bovinos de corte: