Em entrevista ao Giro do Boi desta quarta-feira, dia 28, o médico veterinário, mestre em reprodução animal e doutor por duas universidades norte americanas Henderson Ayres, gerente de produtos de ruminantes da MSD Saúde Animal, tratou dos agentes causadores e das formas de prevenir a ocorrência da diarreia neonatal, umas das principais causas de mortes de bezerros e também com potencial para prejudicar toda a sua vida produtiva, sejam estes animais destinados à engorda ou à reprodução.
“Existem diversos agentes que podem dar diarreia, mas em geral ocorre por ação de quatro principais. O primeiro se chama Escherichia coli, que é a colibacilose. O outro pode ser rotavírus, outro pode ser o criptosporídio, que é um parasito que tem no intestino, e um outro, que hoje está muito na moda, é o coronavírus, que também causa diarreia no bovino. Ele pode dar algum problema respiratório, como a gente está vendo no Brasil, sim, mas ele causa, principalmente nas primeiras semanas de vida, a diarreia”, listou Henderson.
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De acordo com Ayres, a diarreia é considerada neonatal enquanto o bezerro tem até 30 dias de vida, sendo classificada como diarreia comum depois deste período. A importância de distinguir a ocorrência neonatal da doença é que, segundo o especialista, 50% das mortes de bezerros no Brasil ocorrem dentro do primeiro mês de vida desta categoria, enquanto os outros 50% estão distribuídos entre 30 dias e oito meses de vida.
“Esse animal, nos primeiros 30 dias, é mais sensível, então a chance de morte é gigantesca. Tem um dado na literatura muito interessante. Quando a gente pega todo o momento de cria de um bezerro, ou seja, do nascimento até a desmama, até sete ou oito meses de vida, 50% das mortes de bezerros acontecem nos primeiros 30 dias de vida. Os outros 50% vão dos 30 dias até os oito meses de vida, então veja como é sensível neste período. Se eu atacar (a doença) neste período, com uma frente de combate forte, eu vou conseguir ter um retorno da minha ação. Então por isso é importante a gente ter atenção com o bezerro nesse momento”, alertou.
O especialista explicou como a ocorrência da diarreia neonatal pode afetar o desempenho do bezerro ou bezerro ao longo de toda a sua vida. “A diarreia neonatal acontece logo nestes primeiros dias de vida, quando o animal ainda está tendo um desenvolvimento de multiplicação de células, coisa que vai parar depois de 30 dias. Aí o bezerro vai ter as células somente aumentando de tamanho, mas não em número, pensando em músculo. Então se ele tiver diarreia, esse animal vai estar perdendo nutrientes, perdendo líquido e não vai estar bem. Quando ele não está bem, ele não se alimenta bem, não vai ter nutrientes. Se ele não tiver nutrientes, essas células não vão se multiplicar e esse animal não vai expressar o seu maior potencial genético. Isso vai ser carregado pelo resto da vida dele”, advertiu.
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Henderson disse que se o produtor comparar o peso de bezerros contemporâneos e com a mesma genética em que um teve diarreia neonatal e outro não, dificilmente o desempenho será o mesmo. “Isso é perdido na vida, nunca mais ele recupera. Isso se mantém dentro do rebanho e ele vai ter um problema inclusive lá no abate, aí a gente vai ver ganho de peso no confinamento, na terminação a pasto e observar que esse animal não se desenvolve. […] A novilha vai demorar a entrar em idade reprodutiva, vai ter menor taxa de prenhez”, acrescentou.
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Segundo Ayres, é ainda comum o animal ter novo quadro de diarreia por volta de três ou quatro meses, mas neste caso, com a defesa do organismo já consolidada, a situação é menos grave. “Depois que criou defesa, se nós não tivermos nenhum desbalanço no animal, a não ser que ele esteja num desequilíbrio muito forte, e aí ele perde muito status na parte de defesa, ele vai se manter”, tranquilizou.
“Nesta idade entre três e quatro meses é fácil o animal ter um problema de eimeriose. Eimeria provoca o curso negro, aquele curso bem escuro ou com sangue e isso acontece muito quando a gente começa a ter chuvas dentro da propriedade. O que acontece? A eimeria vive dentro das fezes dos animais e, quando bate a chuva, ela lava essas fezes e acumula água, seja no riacho, seja em cacimba. A hora que o bezerro toma esta água, ele se contamina e a gente pode ter um grande problema com eimeriose. Podem vir outros agentes também, mas eu estou falando aqui dos principais. 90 a 95% dos casos vão ser causados por isto, pensando nos quatro agentes nos primeiros meses de vida e depois, nestes 3 a 4 meses, a gente pode pensar na eimeriose”, resumiu.
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O médico veterinário apontou quais são as fontes de contaminação dos bezerros que apresentam o quadro de diarreia neonatal. “A primeira fonte de contaminação vai ser a mãe e depois da primeira contaminação, o animal, em geral, não tem problema. Então a mãe acaba sendo o que a gente chama de portador. Ela não tem problema de saúde, ela convive muito bem, mas ela elimina aquilo nas fezes. Aí ela pega um bezerrinho, contamina um bezerro e como ele não tem defesa, esses agentes se multiplicam de forma muito rápida e muito grande porque não tem ninguém controlando. Aí um bezerro passa a ser a maior fonte de contaminação para o outro porque ele multiplicou muito e aí quando ele defeca, ele contamina o chão. Se contaminou o chão, vem outro pisando e começa o problema”, esclareceu.
Conforme constatou o veterinário, a evolução da contaminação apresenta um formato bastante comum nas fazendas de cria. “É muito clássico isso dentro das propriedades – começa a estação de parição dentro de uma fazenda que tem estação de monta, os primeiros bezerros praticamente não têm problema de diarreia. Aí vai passando o tempo, começa a dar muita diarreia porque a maternidade em que estes animais nascem está contaminada. Então se eu vou montar um programa de prevenção, eu já tenho que começar nos primeiros bezerros para que eles não contaminem muito a maternidade. Isso ajuda o bezerro que nasce mais no final (da estação de parição). Agora se eu tratar, fizer um preventivo só para os animais do final, este programa não vai ser tão bom porque os animais do cedo contaminaram todo o meu piquete maternidade e o desafio acaba sendo muito grande. Quando o desafio é muito grande, por melhor que seja a minha ação,, ela não vai trazer retorno”, ponderou.
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Segundo o gerente de produtos de ruminantes da MSD Saúde Animal, o ideal seria isolar os animais que apresentam a doença, mas esta é uma medida que não se enquadra na realidade das fazendas brasileiras. Logo a prevenção da transmissão o mais rápido possível é a saída mais viável. “Logo que começar a ter problema da diarreia, o criador deve tratar o mais rápido possível esse bezerro para a gente curar ele rápido e ele não ter problema e também para que não haja multiplicação desses agentes. Para isso a gente tem que ter atenção, olhar os bezerros todos os dias, curá-los rapidamente e usar medicamentos altamente eficientes para matar esses agentes”, sustentou.
Ayres aconselhou também o produtor a cuidar da saúde do bezerro antes mesmo de ele nascer, transmitindo imunidade para ele por meio de sua mãe. “Todo bezerro vai nascer com pouquíssima defesa e toda defesa do bezerro vem pelo colostro, então a melhor ação que existe é você agir na mãe. Se você conseguir fazer com que a mãe tenha uma grande quantidade de células de defesa, estas células vão para o colostro, o bezerro mama o colostro e já fica protegido nas primeiras horas. O que a gente faz? Vacine as mães! Nós pegamos as mães no pré-parto, vacinamos elas, elas vão ter uma grande quantidade de células de defesa para passar para o bezerro. Só que aí vai vir uma pergunta – eu vou vacinar a mãe antes do parto? Tem que prender a vaca? Sim, é importante”, respondeu.
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O veterinário disse que a vacina Rotavec Corona, que previne a ocorrência de rotavírus, coronavírus e Escherichia coli pode ser aplicada ao longo de boa parte do terço final de gestação da vaca. “Com ela, eu consigo prender a vaca de 30 até 90 dias antes do parto,entre dois e três meses antes do parto, quando vaca ainda não está tão ‘chegada’, para aplicar vacina. É a única vacina com essa janela. Aí você aproveita e aplica vacina de clostridiose, porque ela também passa essa proteção para o bezerro, já faz vacina reprodutiva para que a bezerra nasça e fique protegida”, sugeriu.
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Veja a entrevista completa com Henderson Ayres, gerente de produtos de ruminantes da MSD Saúde Animal:
Foto ilustrativa: Eriklis Nogueira / Reprodução Embrapa