São 100 anos de identidade própria, mas que se confundem com a história da própria pecuária brasileira. A saga da Marca F, registrada por Francisco Carvalho, o Chiquinho, em 8 de abril de 1920, é repleta de causos e superações de dificuldades, cujo resultado só poderia ser o berço daquela que é das atividades econômicas mais prósperas em todo o mundo: a bovinocultura de corte nacional.
Nesta terça, 24, o programa Giro do Boi relembrou algumas destas passagens em entrevista feita com Antônio José Prata Carvalho, o Tonico Carvalho, neto de Chiquinho Carvalho e o quinto de seis filhos que Rubico Carvalho teve com Dona Neli.
Tonicou contou que o avô fez as primeiras importações de gado Nelore da Índia em 1918 e, sendo homem de muita visão, já em 1920 registrou sua Marca F junto ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio no Rio de Janeiro-RJ, até então a capital federal.
Embora a pecuária brasileira tenha tido início a partir da mistura raças taurinas como o curraleiro, o gado pé-duro, foram justamente as importações do Nelore que alavancaram a atividade e formaram o alicerce para o que ela é hoje: segunda maior produtora de carne bovina do mundo e primeira em exportação.
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“Um dado importantíssimo pra você ver a força do Nelore e do gado indiano, o tanto que se adaptou no Brasil, é este: até hoje entraram no Brasil, um país com mais de 200 milhões de cabeças de gado, seis mil cabeças de gado zebuíno apenas. E de gado de origem europeia, 1,5 milhão de cabeças. E com estas seis mil cabeças, fizemos um rebanho de mais de 200 milhões de animais, sendo 80% Nelore. Você vê o poder de adaptação e tudo que teve o gado indiano no Brasil”, disse Tonico.
O produtor destacou aquele que, para ele foi o fator fundamental para este resultado. “O clima é muito maior do que qualquer outra coisa e o gado indiano encontrou clima muito parecido com o da Índia. Mas com uma diferença, com bastante comida. Porque na Índia o gado sofre, a comida é escassa, então aqui ele se disseminou muito mais e hoje o nosso rebanho, não só de Nelore, como de Gir, Guzerá, ele é superior ao da pátria mãe de onde vieram”, sustentou Tonico.
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O pecuarista destacou que a combinação da raça Nelore, junto com o trabalho de melhoramento das forrageiras para as condições brasileiras foram uma espécie de catapulta para a pecuária do Brasil, que a partir deste setor desvencilhou-se de suas origens de colonização europeia. “Com capim africano e com gado indiano, nós nos desligamos da influência da colônia e fizemos a maior pecuária do mundo”, frisou, mencionando o sucesso da seleção dos primeiros capins que chegaram ao Brasil junto com os escravos, como o jaraguá, colonião e capim gordura. Tonico reconheceu sobretudo o trabalho da Embrapa no desenvolvimento das cultivares que hoje são a principal fonte de alimento para o rebanho brasileiro.
A partir das primeiras importações, destinadas à propriedade da família em Prata-MG, a seleção da Marca F foi crescendo, ganhando relevância e hoje está presente na pecuária do país por meio dos descendentes de Chiquinho Carvalho em diversas as regiões, como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Acre, além de constar em propriedade de todo o Brasil em forma de genética.
Na entrevista, Tonico contou a história da aquisição da Fazenda Brumado, à beira do Rio Pardo, em Barretos-SP, que era originalmente de um grande amigo de seu pai, Rubico. As terras férteis eram admiradas por Rubico Carvalho porque sempre que ele estava com animais doentes, os bois eram enviados para esta propriedade e eles se recuperavam antes de serem comercializados. “Meu pai falava: ‘o dia que puder, vou comprar fazendo do seu Godofredo e trazer meu gado pra cá porque esta fazenda é muito sadia”, disse Tonico em entrevista ao Giro do Boi. Finalmente, a compra da Fazenda Brumado ocorreu em 1954.
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Posteriormente, em 1962, Rubico Carvalho fez um convite para o seu tio Nenê Costa para formar uma sociedade para aquela que seria a última e principal importação de gado vivo da Índia. Na comitiva estavam Rubico Carvalho, Nenê Costa, Torres Homem, Celso Garcia e Jacinto Honório para buscar no estrangeiro os melhores espécimes das raças Ongole (Nelore), Kangayan, Gyr (Gir), Kankrej (Guzerá), além de búfalos Jaffarabad, cabritos, galinhas e plantas. Somente na passagem pela Índia, a expedição durou nove meses.
“Foi um grande divisor de águas da genética brasileira realmente”, atestou Tonico. Apesar de algumas das raças não vingarem para a criação comercial, a importação foi fundamental para a formação do rebanho brasileiro não só de gado de corte, como leiteiro, uma vez que o Gir e o Guzerá são algumas das principais raças na produção de leite do Brasil a partir da cruza com o Holandês, formando Girolando e Guzolando.
“Foi uma coisa bem de pessoas vencedoras e determinadas porque a importação era proibida. O seo Celso Garcia foi quem abriu de novo as portas da Índia e aí eles foram pra lá comprar gado”, detalhou.
Depois da busca pelos melhores animais, inclusive aquele que era o maior campeão nacional, o touro Karvadi, um dos pilares da genética Nelore no Brasil, os produtores se reuniram em uma aldeia e concordaram em juntar todo o gado todo lá até o momento da viagem de volta. “O Karvadi era o boi mais conhecido da Índia porque era campeão de todas as raças de lá. Então você chegava em instituições do governo, em aeroportos, tinha foto do Karvadi. Ele era ‘o Pelé da pecuária‘ na Índia e foi o ‘Pelé da pecuária‘ aqui no Brasil também porque foi o touro que mais deixou influência na raça Nelore”, contou Tonico. Na época, com as despesas da viagem além do programado e encarecendo as importações, Torres Homem teve que vender um prédio em Belo Horizonte para trazer o Karvadi.
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Mas a pior fase da importação, conforme disse Tonico, não foi na Índia. “Foi quando o gado veio pro Brasil porque eles nos puseram em Fernando de Noronha. São ilhas paradisíacas, mas é o único lugar do mundo que não podia pôr gado, não tinha nem porto”, revelou Tonico.
Em Noronha, o embarcação contratada para a viagem de volta, o navio Cora, ancorou distante da ilha e os animais foram até a terra firme de balsa. No caminho, alguns animais caíram na água, o que era um alerta, pois o local era conhecido pela presença de tubarões. Na ocasião, enquanto um búfalo e um boi Kangayan foram, infelizmente, perdidos, havia uma vaca Nelore que estava nadando para o lado contrário à ilha. Foi então que Chico Ventania, filho mais velho de Rubico e irmão de Tonico, se lançou ao mar e, com uma tapa, fez a vaca mudar sua rota e nadar à praia, levando Chico Ventania, então com seus vinte e poucos anos, de carona.
“Tem muito tubarão em Noronha, inclusive perderam um búfalo e um boi Kangayan. Mas a vaca, o Chico pulou, bateu na cara dela, ela virou pra ilha, ele agarrou no rabo dela, ela foi nadando e levou ele também”, revelou Tonico. Em Noronha, foram mais nove meses de quarentena para que o gado chegasse ao continente.
Além do pioneirismo na importação da genética Nelore, a Marca F também foi vanguarda em uso de tecnologias como inseminação artificial, usada pela primeira vez em 1968, transferência de embriões (1980) e testes para maciez e marmoreio de carne por meio de marcadores moleculares do DNA, realizados em 2006 na Austrália por conta de ainda não ter sido, naquela época, consolidado no Brasil.
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Tonico enalteceu que a alegria de seu pai Rubico (à direita na imagem abaixo), que era flagrado sempre sorrindo em suas fotos, foi fundamental para que a seleção da família continuasse evoluindo. “Essa alegria dele eu tenho certeza que é da paixão que ele tinha pelo que ele fazia, que era criar gado. Passou para a família toda”, completou.
“Eles são a base do rebanho brasileiro, os bois produzidos pelo papai na Brumado, pelo Torres, pelo tio Nenê, eles são o fundamento da pecuária brasileira, desta pecuária que deu certo. Então todo o rebanho comercial brasileiro tem sangue desse gado”, destacou Tonico. “E o Nelore é uma raça realmente excepcional. Se você souber manejar e trabalhar ela, ela produz a melhor carne e a mais saudável do mundo”, afirmou.
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Sobre os 100 anos de história, Tonico resumiu o que está marcado até aqui de toda esta verdadeira saga. “Eu acho que é uma data que a gente tem que comemorar. São várias gerações trabalhando no campo. A nossa família é toda de gente da terra, gente do campo. Não temos outras atividades, não temos atividades industriais, comerciais. Nós somos pessoas da terra”, concluiu.
Veja a entrevista completa com Tonico Carvalho pelo vídeo abaixo:
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