Veja dicas para prevenir incêndio na fazenda e evitar denúncia por crime ambiental

Além de estar preparado para prevenir e controlar as queimadas, produtor deve ter estratégia jurídica para evitar autuações ou receber indenização

Prejuízo na logística, em que as vias ficam intransitáveis pela fumaça; prejuízo financeiro, em que estruturas, como barracões e cercas, e até maquinários são perdidos dentro das porteiras; prejuízo para a biodiversidade, em que animais silvestres e de criação não resistem e vão a óbito; e até mesmo a perda de vida humana, como no caso do zootecnista Luciano da Silva Beijo, morto aos 36 anos ao tentar controlar queimada na região de Cáceres-MT.

O período seco deste ano no Brasil tem sido impiedoso ao facilitar o alastramento do fogo nos biomas que passam pelo momento mais agudo de restrição de água, como Cerrado, Pantanal e parte do Amazônico. Segundo dados do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o estado do Mato Grosso, por exemplo, já sofreu com mais de 24 mil focos de calor em 2020, o pior indicador para dez anos. Já no Amazonas, apenas no mês de agosto foram registrados mais de 8 mil focos de incêndio, maior volume para um único mês desde 1998.

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Nesta sexta, 11, o Giro do Boi levou ao ar entrevistas com especialistas no assunto para indicar os melhores manejos técnicos e também jurídicos para evitar alastramento do fogo e algumas consequências paralelas, como possível denúncia por crime ambiental.

O PROBLEMA

“A região aqui está sendo bastante agredida pelo fogo, tanto esta região sudeste (do MT), área onde me insiro e trabalho, que é região de Rondonópolis, Primavera do Leste e Barra do Garças, quanto nas regiões mais baixas, como região do Pantanal, também a gente tem relatos de lá. E o fogo está sendo bastante agressivo também, destruindo bastante tanto a parte do parque do Pantanal como de propriedades de pecuaristas da região. […] Outro exemplo que falei é a BR 070, que liga Goiás até Cuiabá. Esta rodovia tem uma região ali de Cerrado muito grande, uma região que está bastante seca agora, e ela recentemente foi tomada pelo fogo e durante pelo menos quatro a cinco horas ficou intransitável. Você não conseguiria passar muito pela fumaça e pelo risco de poder estar incendiando os carros que ali passavam. É uma região onde a gente tem grandes áreas de reservas ambientais, até indígenas, e que estavam em fogo pouco tempo atrás”, disse o médico veterinário Rômulo Dutra em entrevista ao Giro do Boi.

PREVENINDO AS QUEIMADAS E FACILITANDO SEU CONTROLE

“A forma mais simples que o produtor tem para se prevenir é buscar a eliminação, ou então a redução destas fontes de propagação do fogo. E, para isso, existem algumas técnicas que são preconizadas, como a construção e manutenção de aceiros, a redução também de materiais combustíveis e as cortinas de segurança. Cada uma dessas técnicas pode ser utilizada para que você evite que esse fogo invada sua propriedade”, apresentou Dutra.

  • Aceiro: “A maioria dos produtores já sabe, é aquela faixa livre de vegetação onde a gente tem o solo mineral exposto e, por isso, ele impede que o fogo ultrapasse. Mas com os ventos, ele pode ultrapassar. De toda forma, o aceiro também vai ser utilizado como ponto de apoio para você poder combater esse fogo”, apontou.
  • Redução de material combustível: “É a forma em que a gente pode dizer que é a mais eficiente de se combater esse fogo porque ali você vai estar eliminando ou reduzindo a vegetação seca em volta da propriedade ou perto de propriedades vizinhas, próximos até a reservas de vegetação nativa. Com isso você impede que esse incêndio florestal ou que esse incêndio vindo do vizinho chegue até a sua propriedade”, continuou.
  • Cortinas de segurança: “é a implantação de vegetação com uma folhagem menos inflamável, ou seja, como se fossem cercas vivas feitas ao redor da propriedade. Essa é uma prática eficiente porque reduz a propagação do fogo pelo vento e também pode ser utilizada como uma primeira barreira, o que dificulta o acesso do fogo até a propriedade”, acrescentou o veterinário.

O QUE FAZER QUANDO IDENTIFICAR O FOCO DE INCÊNDIO?

Além dos esforços físicos para prevenir o alastramento do fogo, o produtor deve ter uma estratégia jurídica também para evitar que o prejuízo material não evolua para um prejuízo financeiro mais significativo, como no caso de uma possível denúncia jurídica por crime ambiental. Foi o que apontou a advogada e gestora rural de Juara-MT, Rebeca Youssef.

“O fogo alastrado em áreas de plantio e até áreas de pastagem e perda de rebanhos é frequente e é um prejuízo considerável para o produtor. Então o ideal é que esse prejuízo não seja aumentado com o prejuízo que também é financeiro em relação a possíveis multas ambientais”, alertou.

No caso de identificar um foco de incêndio na propriedade, o produtor deve tomar algumas providências, ou instruir seu gestor para tomar atitudes, como mobilizar os colaboradores de toda a propriedade, avisar a unidade do Corpo de Bombeiros mais próxima e também a Defesa Civil do município mais próximo.

“(Serve) Tanto no sentido de comunicação do incêndio como para pedido de socorro, caso a propriedade não disponha de todos os meios para conter este fogo. Inclusive nós também orientamos a produção de fotografia e filmagens da ação de todos os envolvidos na contenção do fogo e também na documentação de quais equipamentos a propriedade dispõe para isso. Um dos exemplos mais comuns é a presença de caminhões pipa e, claro, se necessário, providenciar o socorro médico imediato”, instruiu Rebeca.

MANEJO DO GADO

“A gente deve manejar os animais para uma área em que o risco de incêndio seja o menor possível, pensando na segurança deles. E também deve monitorar frequentemente os focos da queimada. Esses focos precisam ser monitorados. Além disso, precisamos monitorar também a direção do vento, porque ele acaba por espalhar o fogo, o que pode trazer surpresas nada agradáveis”, revelou o veterinário Rômulo Dutra.

“A gente precisa também garantir que a área por onde esses animais foram não seja afetada e, além de tudo isso, a gente precisa certificar que existe também uma rota de fuga para esses animais nesta nova área. Assim a gente consegue evitar imprevistos e salvar a vida desses animais, caso a área onde eles estejam alocados também seja afetada. A gente precisa lembrar sempre que os animais são totalmente dependentes das ações humanas para se salvarem, então, logicamente, é obrigatório que o produtor garanta a segurança desses animais para que o pior não venha a acontecer”, ressaltou.

O QUE FAZER DEPOIS DA CONTENÇÃO DA QUEIMADA?

“Num segundo momento, após a contenção do fogo, a nossa atenção muda um pouquinho. A gente foca em documentar tanto a ocorrência de incêndio como a ação dos produtores. A nossa intenção nesta segunda parte é evitar o enquadramento de crime ambiental, como se o produtor tivesse feito uso de fogo de maneira intencional”, salientou a advogada Rebeca Youssef.

Veja abaixo as medidas listadas pela especialista para construir uma base sólida de defesa no caso de possível autuação:

  • Registrar em fotos e vídeos todos os prejuízos causados: perdas de animais, perda de lavoura, de pastagem, prejuízos em cercas, em barracões;
  • Registrar boletim de ocorrência de maneira detalhada, com presença de testemunhas;
  • Obter relatos dos colaboradores, vizinhos e de todos os envolvidos na contenção do incêndio, inclusive por meio de declarações redigidas, reconhecidas em cartório;
  • Redação de ata notarial.

“É importante que, após a contenção do fogo, o olhar do produtor rural mude para um olhar preventivo em relação a possíveis autuações ambientais para que aquele incêndio que é acidental não seja caracterizado como de uso intencional, que seria, no caso, o uso de fogo ou realização de queimada tanto sem autorização ou em período proibitivo, que é pior ainda”, advertiu Youssef.

A advogada especialista em agronegócio Júlia Bastos acrescentou detalhes às recomendações. “Se o vizinho excede os limites da queima controlada dele, ou realiza até mesmo uma queimada ilegal e isso de alguma forma traz prejuízos para o pecuarista, morte de animais, perda do maquinário ou até mesmo estruturas como curral e tudo mais, é importante apagar realmente o incêndio, mas depois chame o engenheiro florestal ou o engenheiro agrônomo ou qualquer outro profissional técnico, um advogado, um veterinário para poder emitir um laudo de vistoria técnica que comprove tudo isso, além de registrar de todas as formas possíveis mediante vídeos, fotos. Porque se realmente houver um dano, o justo é que se peça uma indenização mediante acordo ou até mesmo ação judicial indenizatória para você recuperar tudo aquilo que você perdeu”, sugeriu.

SOLIDARIEDADE

Para o veterinário Rômulo Dutra, a soma de forças é imprescindível para atenuar a gravidade dos incêndios. “A gente vê quando um incêndio atinge alguma propriedade os vizinhos se ajudando de forma a entregar materiais, equipamentos agrícolas para estar fazendo um rápido aceiro. Então esta solidariedade, esta ajuda tem que vir de forma geral e não só na hora que acontece. Essa solidariedade precisa acontecer antes do incêndio chegar, ela precisa vir do vizinho poder emprestar uma máquina para o pequeno produtor que não tenha condição de fazer um aceiro, ela precisa vir do grande proprietário, às vezes, ajudar o pequeno a se prevenir contra o fogo. Porque o fogo está passando de uma propriedade para outra, ele não distingue quem tem uma propriedade grande ou pequena. Então eu acredito que essa solidariedade, esta humanização do problema vai ajudar de todas as formas”, concluiu Dutra.

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Confira a reportagem completa no vídeo a seguir:

Foto: Lucas Ninno / Gcom-MT

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