A evolução do agro no Brasil é tão veloz, com ganhos de produtividade que derivam do uso correto de novas tecnologias, que de fato é difícil acompanhar as suas atualizações. Nas salas de aula, alunos principalmente dos ensinos médio e fundamental são apresentados a um conceito ora impreciso, ora defesado, ora enviesado sobre o que é o agro de verdade. Mas uma dupla de lideranças expoentes do agro brasileiro lançou um documento com uma proposta inovadora de atualização do ensino do País.
Em entrevista ao Giro do Boi desta terça, dia 02, o engenheiro agrônomo, mestre e doutor em administração e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP de Ribeirão Preto, Marcos Fava Neves, falou sobre a publicação intitulada “O Novo Mundo Rural e a Produção de Alimentos no Brasil“, escrita a quatro mãos ao lado de seu colega engenheiro agrônomo e doutor em administração Xico Graziano.
“As pessoas não entendem efetivamente o que é agro, elas fazem confusão e não sabem os grandes números”, lamentou Neves. “Você tem que entender que o agro é muito maior do que a agricultura. A agricultura está só dentro da fazenda, mas o agro também está antes da fazenda, tem os insumos e a indústria, tem o supermercado, tem a quitanda. Tudo isso é o agro e as pessoas fazem uma confusão muito grande. […] A gente tem que explicar isso para as pessoas, para destravar um pouco, remover uma carga de desconhecimento e tentar remover, e essa é mais difícil, uma carga ideológica também, para mostrar que todo mundo tem o mesmo objetivo, que é gerar oportunidade para as pessoas poderem trabalhar, criar suas famílias, se sustentarem e trazer, com isso, o desenvolvimento do Brasil. Esse é o objetivo. O pessoal está cansado de briga, a gente quer propor ideias e temas novos para melhorar o ensino”, sustentou o docente.
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Fava Neves explicou como a carga ideológica acaba prejudicando o entendimento sobre o real conceito do agronegócio. “Hoje você tem uma resistência muito grande no ensino médio porque a pessoa está erroneamente associando o termo agro a grande produtor, a outras coisas e não é isso. Com a compreensão do conceito, a pessoa vai começar a trazer esse entendimento de uma forma mais clara para o jovem. Isso sem ideologia, porque o que cabe no ensino é a ciência, é o dado, é um modo de funcionamento. A nossa carga ideológica nós vamos deixar para uma conversa de bar, para um outro momento, não podemos usar a sala de aula para um público vulnerável para descarregar uma carga ideológica. O agro é ciência. Depois, se você vai gostar ou não, é outra história. Mas ali você tem que transferir a ciência, o dado, a forma de funcionamento e melhorar a capacidade analítica do jovem, trazendo os problemas e as vantagens para que ele possa pensar nisso. Eu não posso entregar para ele uma camiseta para ele vestir, porque aí eu já estaria sendo desonesto em termos de educação”, advertiu o professor da USP.
“O algodão é agro, o couro é agro. A mesa que as pessoas estão sentadas agora tem madeira e é agro. O fumo é agro, o papel que está aqui atrás também é agro, vem da celulose, vem do eucalipto plantado, então é isso que a gente quer explicar, a amplitude é muito maior do que isso”, exemplificou.
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O pesquisador sustentou que de modo geral o ensino sobre o agro dentro das escolas brasileiras carrega não só temas, como também uma terminologia que é obsoleta. “E a gente também está meio que pedindo que alguns termos que já são obsoletos não sejam mais usados. Hoje você não vê no países que são principais produtores, que estão ensinando agricultura, o uso do termo latifúndio, proletário. Isso são coisas que não existem mais. Por exemplo, é como eu falar de carburador em carro – já foi, já existiu, mas hoje não existe mais, hoje em dia é tudo eletrônico. Então é isso que a gente está propondo: vamos trazer os temas atuais, sem dizer que não teve problemas no passado, que ainda tem problemas hoje, mas a imensa maioria está trabalhando certo, com sustentabilidade e sustentando o Brasil”, reforçou.
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Conforme explicou Fava Neves, a publicação “O Novo Mundo Rural e a Produção de Alimentos no Brasil” tem como objetivo de somar com a educação, e não para enviesar ainda mais o tema Agro dentro das salas de aula. “A ideia é, primeiro, olhar o material didático. Às vezes ele (docente) entra num assunto sem a profundidade devida ou sem a efetiva visão de tudo que está acontecendo lá. Então hoje os materiais estão sendo revistos. Mas não é para obrigar uma pessoa a trocar, ninguém quer isso, porque é um ambiente de democracia, a pessoa vende ou não o livro dela, ela pode escrever o que quiser. O que vai ser dito é que tem outro ponto também que poderia ser considerado. Essa é uma melhoria dos materiais que hoje encontram-se enviesados, ultrapassados, ensinando de carburador quando não se há mais carro hoje com carburador”, comparou.
O doutor em agronomia apresentou estão uma parte importante de sua publicação recente, que são a sugestão de dez novos temas para o ensino fundamental ligado ao agro:
1 – Cooperativismo;
2 – Aproveitamento dos alimentos;
3 – Matas ciliares;
4 – Bem-estar animal;
5 – Novos alimentos;
6 – Bioeconomia;
7 – Agricultura digital;
8 – Melhoramento genético;
9 – Agro colaborativo;
10 – Outras atividades.
“E aí eu e o Xico (Graziano) estamos propondo dez temas muito interessantes para o jovem como sugestão. Não é para brigar, não é para a escola ser obrigada a adotar isso. Nós, como estudiosos da área, estamos falando que tem coisas legais para ensinar o jovem, para ele entrar no YouTube e ver como funciona uma impressora de comida, ver como funciona hoje a aplicação localizada de defensivos, que não é mais em litros de produto por hectare, agora é uma cuspidinha que dá em cima da planta só, muito mais ambiental. Explicar uma série de novos conceitos. E hoje uma coisa muito legal é que esses conteúdos estão de graça no YouTube, por canais sérios. Olha que gostoso: você dá uma pausa na aula, faz os alunos assistirem um vídeo de dois minutos para eles olharem hoje como são os robôs atuando na colheita de frutas. É isso que a gente quer, que se mostre o mundo que está acontecendo hoje sem deixar de mostrar os conceitos de uma forma isenta, de uma forma tranquila”, ilustrou.
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Fava Neves lamentou, entretanto, que a resistência às sugestões não venha somente dos alunos, mas também por parte dos responsáveis pelo ensino. “Hoje o Brasil está tão armado e a gente fica tão desgostoso porque você vai propor uma sugestão de melhoria, aí a classe reage contra você dizendo que você quer mudar o ensino no Brasil. É difícil hoje no Brasil porque as pessoas não estão aceitando contribuições para melhoria. Poxa, eu mesmo sou professor e eu adoro que o aluno sugira como eu posso melhorar a aula. Então por que as pessoas têm uma reação tão contrária quando alguém chega com um pacote de dez temas mundiais contemporâneos para você melhorar o ensino, tornar ele mais atraente para uma criança de dez, 12, 15 anos? Todos nós temos essas crianças em casa, a gente sabe como elas se comportam, o tempo todo vendo vídeo, conectadas. Por que vamos continuar com o tempo do carburador se você tem o Tesla hoje?”, insistiu o pesquisador.
O agrônomo deu mais um exemplo interessante sobre o que seria atualizar o ensino sobre o agro no Brasil. “Só para dar um exemplo do que nós estamos propondo, dentro da sugestão de ‘atividades colaborativas’, você sabia que tem Uber de abelha hoje? Você acha que uma criança não vai adorar saber como é que funciona Uber de abelha? As pessoas têm colmeia, elas levam as abelhas e elas executam o lindo trabalho que elas têm que fazer, elas voltam para a colmeia e vão embora. Você acha que uma criança não vai adorar saber disso? Pra que ficar falando do proletário e do latifúndio, que é coisa que nem existe mais? Vamos trazer o novo. O setor tem problemas? Sim, pode falar desse problema, mas que não se generalize, não deixe de dar importância hoje para essa produção, que é tão importante em termos de renda para o Brasil, de interiorização do desenvolvimento”, reforçou.
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O docente sugeriu, então, como esta transformação pode acontecer na prática. “Para as escolas mais dinâmicas, com diretores e professores mais antenados, é só fazer download do material que nós fizemos e colocar isso para discussão, sugerir que se encontrem vídeos no Youtube e começar a passar isso para as crianças verem. A revisão dos materiais, as grandes unidades de ensino já estão fazendo. Elas contrataram cientistas para olhar isso, porque nenhuma grande unidade de ensino também quer ser acusada posteriormente de estar com conteúdo equivocado. Deputados também podem estar envolvidos. […] É um movimento do bem para que a gente melhore e atualize os conteúdos sobre o negócio mais importante do Brasil, que estão sendo dados principalmente para as crianças e jovens do ensino médio. Esse é o objetivo, essa é a ideia”, resumiu.
O autor esclareceu ainda que a publicação não é e nem deverá ser transformada em bandeira política. “Se politizar, vai estragar, porque aí você já vai colocar um rótulo, uma bandeira, e metade não vai aderir. Então esse é um movimento de integração, de construção conjunta. […] O Brasil alimenta hoje de 800 milhões a 1 bilhão de pessoas. Mas nós temos condição, nos próximos anos, de passar a alimentar 1,5 bilhão a 2 bilhões de pessoas. E o Brasil ser visto mundialmente como quem entrega paz, quem entrega comida para as pessoas. Essa é a grande e única oportunidade aberta para a nossa sociedade no mundo. Se você achar que nós vamos liderar a produção de automóvel, de computador, de turismo, pode tirar o cavalo da chuva. São setores importantes que o Brasil vai se desenvolver… Mas liderar o mundo, só tem uma área: produção de comida. E ela é nobre. Então é aí que nós temos que focar e trazer o jovem para esse esforço conjunto de transformar o Brasil cada vez mais nesse fornecedor mundial sustentável de alimentos, bioenergia e outros agroprodutos”, pediu o especialista.
Fava Neves revelou onde os interessados podem acessar suas publicações. “Esse material está nos sites todos, está no site Doutor Agro, eu tenho um canal no Youtube também cheio de minivídeos, eu visitei um restaurante de carne lá na China e eu fiz um filminho. Usem esses materiais para o pessoal ver o que está acontecendo no mundo. Essa é a ideia. Hoje um dos poucos benefícios que a pandemia trouxe para a sociedade mundial e brasileira é o volume de conhecimento gratuito que subiu na rede. Esse monte de lives, de vídeos, de materiais. Então hoje a pessoa consegue se capacitar de forma gratuita, um número fantástico de canais no Youtube com conhecimento está sendo gerado. Vocês aqui com esse trabalho de levar informação para as pessoas. Então o recado é esse. Escute mais coisas, veja mais coisas, debate mais coisas e mande mais coisas para outras pessoas, principalmente aquilo que é bom, aquilo que vai trazer o objetivo nosso, que é o do desenvolvimento e a inclusão permitindo a gente levantar o padrão dessa sociedade aqui no Brasil”, concluiu.
+ Faça o download em PDF da publicação “O Novo Mundo Rural e a Produção de Alimentos no Brasil”
+ Baixe aqui a apresentação “O Agro para estudantes – 10 temas para tornar o ensino mais atrativo”
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