Conhecer, valorizar e preservar a história para construir o alicerce do futuro. A sentença é um breve resumo do importante trabalho da pecuarista Lilica Almeida, a mulher que está por trás do resgate de um dos principais legados da bovinocultura de corte brasileira, a linhagem do Nelore do Golias, importante genearca da raça trazido da Índia ao Brasil em 1963 pelo selecionador Torres Homem Rodrigues da Cunha.
Nesta segunda, 26, Lilica concedeu entrevista ao Giro do Boi para contar sua trajetória e a de seu criatório, que foi fundado em 2003 com o objetivo de produzir carne de qualidade aliando ciência e tecnologia ao passo que preserva as características raça.
“A gente fez um trabalho para deixar um legado diferenciado para as outras gerações. Foi essa a ideia do resgate da linhagem, com autorização do seo Torres Homem, que foi um grande homem, o seo Dico também, que esteve lá na Índia por anos selecionando muitos animais. E o que eles trouxeram realmente foi de ponta na década de 60”, reconheceu Lilica.
A pecuarista disse que é a terceira geração de pecuaristas em sua família. “Meu avô é descendente de portugueses. Eles chegaram ao Brasil em busca de oportunidades e o meu avô já até nasceu aqui no Brasil. E ele foi acompanhando a família dele, os pais dele, acompanhando a linha férrea. Ele era filho de charreteiros, trabalhou com várias coisas até conseguir comprar uma terrinha aqui na região, quando ele se estabeleceu”, recordou. A produtora revelou que além de pecuarista, seu avô também trabalhou com a comercialização de carne, levando o alimento para a então capital brasileira, o Rio de Janeiro.
Deste histórico da família, foi natural que a paixão pela pecuária fosse despertada no DNA de Lilica. Em 2003, juntamente com seu esposo Fábio, zootecnista, formalizaram a criação do criatório dedicado ao resgate da linhagem do touro Golias. A dificuldade? Embora tenha sido um dos principais genearcas do Nelore, o reprodutor não teve sêmen congelado, tendo produzido 27 filhos machos com RGD, mas dos quais apenas dez tiveram genética coletada.
Touro Golias: um gigante indiano peso pesado.
“A dificuldade muito grande do nosso trabalho foi que o Golias era um touro diferenciado dos outros. Lá na Índia ele era campeão de puxar peso, mas esse touro não congelou sêmen. Então o trabalho realmente foi muito difícil porque a gente teve que rodar o Brasil todo atrás de sêmen dos filhos do Golias e também atrás de matrizes, as vacas que tinham na genealogia o touro Golias para poder fazer esse trabalho de endogamia e resgatar a linhagem”, explicou.
“Não foi fácil esse trabalho de resgate da linhagem. É difícil trabalhar com endogamia e a gente sempre teve acompanhamento do doutor José Fernando Garcia, professor da Unesp de Araçatuba-SP. Foi muito importante para a gente e o que a gente descobriu dentro desta linhagem foi uma coisa muito importante, principalmente com o trabalho da doutora Marina de Nadai Bonin, da USP, que fez um trabalho de mestrado e depois doutorado. Ela avaliava todos os genearcas da linhagem do Golias e constatou que o Golias se diferenciou demais na parte de carne de qualidade, marmoreio, área de olho de lombo, a força de cisalhamento. A carne era realmente diferenciada pela maciez, AOL e espessura de gordura subcutânea. Foi um trabalho nosso de resgate da linhagem. […] Foi provado cientificamente que o Golias era muito superior aos outros genearcas na parte de carne de qualidade”, revelou.
Cobertura de gordura subcutânea, marmoreio e área de olho de lombo: destaques da linhagem Nelore do Golias.
O trabalho evoluiu de tal forma que em 2009 atraiu atenção de pesquisadores de todo o mundo para o sequenciamento genômico da linhagem por meio de um dos descendentes do genearca indiano, o Futuro POI do Golias.
“Foi o primeiro sequenciamento completo de um zebuíno. […] Esse sequenciamento durou dois anos, foi um projeto de US$ 5 milhões. O governo americano foi muito incentivador disso tudo. Eu acredito que na visão deles, […] eles entendem que realmente vai fazer a diferença na alimentação de todo o mundo. (O sequenciamento) já havia sido feito numa vaca Hereford, a Dominette, e aí eles precisavam então de um zebuíno”, lembrou Lilica.
“Esse foi um projeto para ler todos os degraus (da genética bovina). São 3,2 bilhões de degraus na escada do DNA e, com esse sequenciamento completo se deu origem a vários outros trabalho mais específicos igual hoje tem sido feitos com aqueles sequenciamentos menores, que se faz em determinadas características, no caso de carne de qualidade, de pelagem, posição de chifre, etc. Então é um trabalho importantíssimo para dar sequência a todo o estudo genético de todas as características dos animais zebuínos”, exaltou.
Lilica opinou que a raça Nelore, com ajuda do avanço tecnológico, em breve chegará ao patamar de seleção de outras raças que já contam com tempo maior de melhoramento.
“Quando nós fomos para os Estados Unidos, nós tivemos a oportunidade de conhecer as grandes fazendas de Angus. Este trabalho que nós estamos fazendo já há 20 anos, eles já faziam há 100 anos! Por isso o Angus tem chegado nesse nível. Mas o que a gente ganha hoje? O tempo! Antigamente, quando eles começaram esse trabalho, não existia inseminação, não existia fertilização in vitro, toda essa tecnologia de ultrassonografia de carcaça. Hoje a gente tem o acompanhamento. […] Se a gente tem todas essas ferramentas de tecnologia para usar a favor da carne de qualidade, por que não usar?”, indagou.
“Então nós podemos chegar lá onde o Angus chegou. Aqui no Nelore do Golias nós já ultrapassamos as metas, nós temos doadoras que são nível dez de marmoreio, ou seja, superiores até ao Wagyu brasileiro. Essas vacas nós estamos até estamos aspirando hoje. A gente democratiza aqui a nossa genética, abrindo para vários plantéis. Inclusive nós temos muitos clientes que fazem plantel para as matrizes fazerem a diferença no cruzamento industrial, porque ão adianta colocar sêmen de Angus bom e não usar a matriz boa na base. É interessante que a gente chegou ao ponto de ter clientes na Argentina que inseminam de Nelore do Golias a vacada Angus deles. Olhe como isso tomou uma proporção muito grande”, espantou-se Lilica.
Trabalho de seleção de duas décadas já trouxe avanços expressivos na busca por carne de qualidade na raça Nelore.
A criadora destacou a pressão da seleção da linhagem dentro do criatório. “A gente faz um projeto de endogamia e toda parte ruim do trabalho acaba sobrando aqui para gente e a gente descarta. Então o que fica quando você tem uma concentração de sangue muito grande, de um único genearca, são as características que quando são repassadas para os seus descendentes, a predisposição genética é muito maior. O nosso trabalho é justamente esse, para poder ter e oferecer a certeza de que os descendentes vão ter marmoreio, AOL muito grande, acabamento de gordura. Esse trabalho vem mostrar a força da carne de qualidade no Nelore e eu acho que a gente, disseminando isso pelo Brasil, toda a pecuária acaba ganhando”, valorizou.
“Disseminando isso pelo Brasil, toda a pecuária acaba ganhando”, sustentou Lilica.
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Assista no vídeo a seguir a entrevista completa com Lilica Almeida.