“É possível fazer a destinação dos bens em vida? Se sim, qual porcentagem para cada herdeiro?”, indagou de modo retórico a advogada Kelly Marinho, membro da Comissão de Agro da OAB de Mato Grosso e especialista em sucessão no agro.
Marinho anunciava o tema do segundo quadro da série especial “Sucessão no campo”, que foi ao ar no programa desta quinta, dia 29. Relembre no link abaixo o primeiro episódio:
+ Planejamento sucessório ajuda a perpetuar fazenda e pode reduzir impostos
“Sim, é possível que a gente faça essa destinação em vida. E um dos instrumentos que possuem grande relevância nessa prática e que pode ser usado nessa destinação dos bens é a doação”, esclareceu.
“É importante nós trazermos a conceituação dessa doação. A doação é uma transmissão de recursos de bens e direitos para herdeiros e terceiros, conforme a vontade do doador. Neste caso, você pode concretizar a doação de imóveis em vida, bem como outros itens do seu patrimônio”, explicou a consultora jurídica.
“Normalmente essa doação de um imóvel em vida, desde que feita corretamente, evita que existam brigas entre os herdeiros e que esse patrimônio acabe caindo no inventário. Dessa forma, nós permitimos que a doação seja realmente entregue para as pessoas que o patriarca gostaria”, acrescentou.
+ Como preparar a sucessão familiar e evitar a falência da minha fazenda?
Segundo Marinho, existem leis que estabelecem certos limites na distribuição de bens. “Em relação à porcentagem de cada herdeiro, é necessário primeiro entender que existem várias regras e possibilidades que podem influenciar nessas porcentagens. O primeiro ponto, o mais relevante, é que normalmente quando há o falecimento do patriarca, primeiro nós fazemos como se fosse um divórcio do casal – 50% vai para a matriarca e os outros 50% para o falecido. Após essa meação, que é essa divisão, esse divórcio, é constituído o espólio, ou seja, todo o patrimônio do falecido que sobra é colocado dentro de uma cesta e considerado como uma coisa só e é aí que as regras de porcentagem podem variar de acordo com cada caso”, especificou.
Além disso, os filhos da pessoa falecida também têm direito a receberem uma distribuição igual de 50% do patrimônio. “É importante realçar que o Código Civil resguarda que 50% desse patrimônio, que é denominado legítima, devem ir tanto para os herdeiros quanto para o cônjuge. E que os outros 50%, esses ele poderia dispor como bem entendesse, ou seja, 50% do patrimônio é disponível para o indivíduo dar para um único filho, se ele quiser, por exemplo. Já os outros 50% devem ser divididos igualmente, na proporção da legislação, não havendo que se falar em vontade desse proprietário. Assim, qualquer doação tem que ser feita respeitando a regra desses 50% desses patrimônios”, revelou.
Ainda há outra situação que rege a questão da doação de um patrimônio ainda em vida. “É importante ressaltar também que, caso haja pai ou mãe desse patriarca ainda vivos, deve o patrimônio deve ser partilhado com eles, que são chamados ascendentes. No entanto, é importante observar que metade desse patrimônio tem que ser resguardado àqueles que foram determinados por lei em observância. A outra metade pode ser disposta da forma que bem entender. Essa doação poderá ser feita como antecipação dessa legítima, devendo ser trazida à colação do inventário do falecimento do pai. Ou pode ser trazida com maior amplitude, dispensando essa colação, desde que conste no documento que seja assim por estar fazendo parte da parte disponível do bem. Ou seja, quando se trata dentro daquela obrigatoriedade dos 50%, é necessário que vá para essa colação. O que é essa colação? É onde se averigua se foi feita divisão de forma correta. Caso seja feito da parte disponível, dispensa todos esses trâmites”, diferenciou a consultora.
Marinho observou que a doação em vida pode contemplar ainda uma remuneração por serviços prestados. “Outra forma de beneficiar especialmente os filhos é atribuir determinados bens como uma doação remuneratória, como remuneração por esses serviços que eventualmente tenham sido prestados aos seus pais, como acontece com certas pessoas que permanecem em companhia dos seus patriarcas e matriarcas por toda a vida, prestando-se auxílio e assistência material. Tornam-se, assim, merecedores dessa recompensa por meio dessa herança privilegiada”, comentou.
Relembre a história de Kelly Marinho pelo vídeo abaixo:
+ Ela sentiu na pele os problemas da sucessão no agro e tornou-se especialista no assunto
“Vou dar um exemplo para vocês entenderem melhor. Imaginem um casal casado nessa comunhão universal de bens, que tenha um casal de filhos e possui um patrimônio avaliado em R$ 10 milhões. Caso o patriarca faleça, a primeira coisa que acontece é o divórcio, a meação desse patrimônio, ou seja, a mãe recebe 50% e o patriarca que faleceu recebe os outros 50%, que nós estaríamos dividindo R$ 5 milhões para cada. Lembrando que isso não vem para ele como uma herança, e sim como essa divisão do divórcio. Em seguida, os outros R$ 5 milhões se transformam num patrimônio individual do patriarca, que acabam por integralizar o espólio dele, onde vai haver a divisão. É nestes R$ 5 milhões que a regra de legítima e do patrimônio disponível serão utilizados. Ou seja, metade, R$ 2,5 milhões, devem ser divididos de forma igual, tanto para o casal quanto para os seus herdeiros, e os outros R$ 2,5 milhões, caso o patriarca tenha disposto por meio de doação, ele pode ser disposto livremente em testamento ou doação”, ilustrou.
+ Quais foram os avanços jurídicos do agro em 2020 e o que esperar para 2021?
No vídeo abaixo é possível assistir na íntegra o segundo episódio da série Sucessão no Campo: