Suplementar a vacada só no final da gestação é “conversa pra boi dormir”?

Veterinário rejeitou a máxima, respondeu se é mito ou verdade que vaca com bezerro estraga o pasto e listou 3 pontos cruciais para sucesso da monta

A máxima fazia parte do estudos das ciências agrárias e era um conhecimento até então repassado aos criadores, de que valeria a pena tratar suas matrizes somente a partir do terço final da gestação. Mas a pesquisa evoluiu de 12 anos para cá e desfez a antiga impressão. Em entrevista ao Giro do Boi desta quinta, dia 14, o médico veterinário, professor e consultor Guilherme Augusto Vieira explicou os temas programação fetal e nutrição intrauterina.

“Antigamente se falava ‘você trata a vaca no terço final da gestação, você só vai fazer isso’. E todo mundo negligenciava os outros dois terços – o inicial e o intermediário. Mas há cerca de 12 anos o pessoal começou a estudar programação fetal. […] No terço inicial da gestação, é quando há formação desse feto, a formação da placenta, fluxo sanguíneo, a formação das células do músculo, a formação do testículo nos machos e dos ovários na fêmea. Ora, se nós negligenciarmos a gestação da vaca nesse período, consequentemente nós não vamos ter bons reprodutores, não vamos ter boas matrizes e, consequentemente, não vamos ter bons animais de abate”, correlacionou.

O especialista apontou o momento adequado de iniciar a suplementação. “A partir do período que confirmou a prenhez, você já entra com suplementação altamente concentrada, faz no segundo terço. […] E não está errado fazer o trato (também) no último terço da gestação, porque 75% do crescimento do feto ocorre no terço final da gestação. Então você tem que fazer uma suplementação em todo o ciclo produtivo desses animais”, sustentou.

“Tratar só no final da gestação? Esquece! Isso é conversa para boi dormir”, brincou.

Vieira ilustrou a importância do tratamento das matrizes ao longo da gestação com imagens de bezerros cujas mães receberam tratamento de nutrição intrauterina e programação fetal, pesando entre 7 e 8 arrobas com 6 a 7 meses (fotos abaixo – clique para ampliar).

Bezerros oriundos do tratamento das vacas com nutrição intrauterina e programação fetal.

“Logo após o nascimento do bezerro, o que acontece com eles? Ele vai ter uma hipertrofia muscular. Ele não vai produzir novas células, ele apenas vai fazer regeneração de células. Se ele não tiver em sua formação inicial uma formação correta dos miócitos, que são as células musculares. Quando esse músculo hipertrofiar, não vai ser uma hipertrofia totalmente adequada. Então nós defendemos que você tendo essa formação muscular muscular já na fase fetal, quando ele tiver sua hipertrofia, vai ser da melhor qualidade. […] Consequentemente ele vai chegar ao peso de abate muito mais cedo, a fêmea vai apresentar cio mais cedo e também o reprodutor vai ter um ótimo desempenho”, projetou.

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Guilherme defendeu os motivos de acreditar que a matriz deve engordar cerca de meio quilo por dia enquanto está prenhe. “No mínimo! Porque ela já vai gastar muita energia produzindo leite e produzindo nutriente para o seu feto. Então se ela tiver um ponderal abaixo disso, ela não vai suprir todas as necessidades”, justificou.

Para tanto, Guilherme lembrou que nem sempre é viável fazer o “sequestro” das matrizes para um semiconfinamento ou confinamento e, portanto, a condição de pasto é essencial para o criador ter sucesso em seu sistema de produção.

“O pasto tem que ser de boa qualidade, você tem que fazer todos os tratos culturais desse pasto, fazer análise do solo, da folha, fazer adubação inicial, depois adubação de cobertura. Quando tirar o lote, vai colocar um pasto maternidade, o que é interessante fazer 45 dias antes do parto, levar os animais para esse pasto, que também tem que ser de boa qualidade. Depois vai ficar com esse bezerro até 30 dias depois que pariu para o colaborador olhar esse animal. Todos esses são tratos que a gente está observando que melhora e muito a qualidade desses animais”, acrescentou.

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As recomendações do veterinário são o cenário ideal para que a pecuária de cria seja exemplar, retornando em produtividade e renda para os produtores. Mas na média brasileira, não é assim que ocorre. “(A vaca) É um animal relegado ao segundo plano dentro da fazenda. Quando uma vaca não dá uma cria no ano, quando ela não entra no cio, ela é condenada sumariamente ao abate e aí a gente pergunta: será que o produtor deu todas as condições para que essa vaca pudesse dar essa cria durante o ano? E, geralmente, a gente chega na fazenda e os piores pastos são destinados a esses animais. Eles só recebem o trato no terço final da gestação e a gente vê o quanto ele é negligenciado”, lamentou.

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“A gente tem que tratar melhor esse animal porque geralmente é ele (a vaca) que vai produzir os futuros bois gordos, os futuros reprodutores e as futuras reprodutoras”, frisou.

Sem tratamento adequado, as chances de reconcepção das matrizes diminuem, o que faz com que sejam descartadas e exijam reposição ou, de outro modo, que fiquem na fazenda até a próxima estação reprodutiva, o que machuca o bolso do criador. “O custo de uma vaca que não é produtiva na fazenda chega a quase US $1.000,00 por ano. Mas vamos fazer o seguinte: vamos dar condição para ela produzir e, a partir daí, você pode, sim, condená-la ou não ao abate”, propôs o veterinário.

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MITO OU VERDADE: VACA COM BEZERRO AO PÉ ESTRAGA OS PASTOS?

Lógico que ela vai estragar”, respondeu Guillherme, que completou na sequência. “Ela vai estragar por uma questão muito simples: ela precisa de energia e essa energia vem do capim porque, na verdade, ela está na condição 3 em 1 (vaca, bezerro e feto no ventre). Ela precisa de energia para a sua manutenção, ela precisa de energia para produzir leite para o bezerro e ela precisa de energia para suprir o feto que está em crescimento dentro da sua barriga. Então ela precisa de muita energia. Agora se esse pasto não estiver com boa qualidade, como é que vai produzir, se ela não recebe a suplementação adequada? E ainda o sujeito quer que esse animal dê cio logo após o parto”, advertiu.

“Mas os estudos mostram que quando você faz um tratamento ante-parto com uma suplementação energética e proteica adequada, […] esse animal logo após o parto vai apresentar cio mais rápido, vai produzir crias mais robustas, o bezerro vai levantar mais rápido e esse animal vai crescer muito melhor. Então isso tudo já está comprovado cientificamente e hoje a nova cria trabalha com essa perspectiva”, citou.

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O professor resumiu três pontos cruciais para o sucesso do manejo reprodutivo uma fazenda de cria.

1 – “Quando você for fazer estação de monta, tem que separar, categorizar os animais, as fêmeas, em vacas primíparas, secundíparas e multíparas. Porque as vacas primíparas, geralmente a novilhada, precisa de um pasto diferenciado e suplementação diferenciada porque ela precisa de uma nutrição para seguir adiante na sua vida reprodutiva. E, logicamente, o trato vai ser diferenciado”;

2 – “Você tem que fazer uma planilha de controle desse processo todo, saber número de partos, peso à desmama, taxa de natalidade…;

3 – “Verificar a condição dos escore corporal desses animais para ver se tem condição ou não para seguir para o próximo cio”.

“Precisa de energia, precisa de um aporte de suplementação proteica ou uma suplementação mineral, principalmente com sal mineral de boa qualidade, com 90 ou 120 gramas de fósforo. […] O cio depende diretamente desses fatores”, afirmou

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Sobre o manejo sanitário, o veterinário exaltou as principais práticas. “O pessoal diz que vaca prenha não vai para o tronco – e realmente não deve ir, a não ser que toda a fazenda esteja dentro daquelas normas do bem-estar animal, porque aí ela vai entrar sem estresse. Deve-se esclarecer que vacina nenhuma leva ao aborto e o que mata é o estresse da vacinação. Então nós preconizamos o manejo sanitário logo após o nascimento do bezerro. […] Disparou a placenta, o bezerro mamou o colostro e, com sete dias, vacine essa vaca, vermifugue essa vaca, repita com 30 dias a vermifugação e aplique um suplemento injetável à base de aminoácido. Aí você vai dar uma cobertura legal tanto de vacina quanto de vermífugo e você vai ficar tranquilo, pode dormir tranquilo porque sua vaca estará bem tratada, bem coberta em termos de vacina e vermifugação”, concluiu.

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Assista a entrevista completa com Guilherme Augusto Vieira pelo player a seguir:

Foto: Reprodução / Embrapa

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