A distâncias dos centros urbanos, o que aumenta a dificuldade do patrulhamento policial, e a ousadia dos bandidos são fatores de risco para a prática do abigeato no Brasil – ou o furto de gado. Em reportagem exibida nesta quinta, 18, especialistas consultados apontaram o que o produtor pode fazer para prevenir a prática, coibindo a ação de criminosos, e também como se defender.
“A legislação penal até o ano de 2016 era idêntica para o furto do animal doméstico e para o furto do semovente domesticável de produção. A partir do dia 02 de agosto de 2016, com a lei 13.330, se introduziu no ordenamento jurídico, com boas intenções, o crime de furto de semovente de produção, mesmo que ele seja dividido no local de abate, por entender que esse crime tem efeitos muito nocivos não apenas ao produtor rural, mas como à ordem tributária nacional, é um crime que impacta toda uma cadeia produtiva, e também é um crime contra a saúde pública, por sua vez”, explicou o advogado criminalista Leonardo Beraldo
“Na minha casa, a gente só come carne mal passada. Então essa certificação de qualidade é fundamental porque a gente não sabe se esse animal, por exemplo, tinha sido vacinado. E existem vacinas que ficam no corpo do animal por até 30 dias, tornando o consumo dessa carne extremamente nocivo. Então sob esse olhar, sob essa problemática, o legislador, […] introduziu esse parágrafo 6º do artigo 155, denominado de furto de semoventes ou abigeato”, acrescentou Beraldo.
O delegado de polícia André Luiz Peixoto confirmou em entrevista que o problema tem se agravado. “Infelizmente houve um aumento desse tipo de ocorrência. São vários fatores que contribuíram para isso. Um deles realmente é o valor da arroba. O fato de o crime acontecer no meio rural, onde há pouca fiscalização, pouco serviço de repressão, e no período noturno, facilita muito a atuação dos criminosos e esse tipo de crime vem aumentando ao longo dos tempos. Tanto é que a prova disso na estatística é que até o legislador, atento a isso, tentou aumentar a pena dos crimes do furto e criou o crime de furto de semovente”, atentou Peixoto.
“Já existe no código penal hoje crimes para tentar combater justamente a sonegação fiscal, os crimes tributários, nós temos vários exemplos. Esse do furto de semovente é mais um dos exemplos de crimes que também atingem a ordem tributária. […] Isso também, e aí já é um problema bem grave, afeta a saúde pública, porque vai haver a comercialização de carnes que podem ser altamente nocivas ao ser humano e essa comercialização estará sendo feita sem controle dos órgãos próprios governamentais”, alertou o delegado.
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Para Peixoto, coibir a receptação dos animais e de sua carne é uma forma inteligente de combater esse tipo de crime. “O furto é intimamente ligado à receptação, tanto é que muitos estudiosos do direito costumam dizer, e nós na polícia concordamos com isso, que se não houver receptadores, dificilmente ocorrerá um furto ou ele ocorrerá em quantidades menores porque praticamente o ladrão irá furtar para ele próprio. Se ele não tiver para quem vender, vai furtar só para ele e aí o número de ocorrências irá diminuir. Então a receptação realmente é, infelizmente, uma forma de incentivar a prática de furtos”, analisou.
O advogado criminalista Leonardo Beraldo lembrou que o produtor possui meios para se defender da prática. “É muito difícil dizer o que fazer, até porque a criminalidade muda a toda hora. Ela está sempre se reinventando. A criminalidade, de fato, tem essa característica. Mas o que eu posso dizer é o seguinte: ao produtor rural que tem um sistema de segurança, que tem a posse de arma e que se depara com essa situação, ele está autorizado a agir pelo instituto da legítima defesa”, salientou.
“Isso é muito importante dizer: a legítima defesa não é apenas em relação à sua vida, ela pode ser em relação ao seu patrimônio. Então, se o produtor rural se deparar com uma quadrilha efetuando um furto dos seus bens, da propriedade dele, e tiver uma arma em casa, ele pode defender a sua propriedade”, confirmou.
“Eu só registro que essa atitude é difícil de recomendar. Sempre estar antenado, analisar bem a situação, se isso não vai gerar mais um problema para a sua família porque, às vezes, você vai perder uma propriedade, mas ao tentar agir, o impacto pode ser maior, então sempre recomendo cautela. Mas […] a sua propriedade também é passível de defesa, você pode defendê-la com os meios que você tem em mãos. E se for uma arma, você está protegido pelo instituto da legítima defesa”, reforçou Beraldo.
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Além de defender a sua propriedade, o produtor rural também tem meios de prevenir novos crimes denunciando sempre que for vítima de um e, desta forma, contribuindo para a polícia encontrar os responsáveis para que possam ser punidos conforme determinação do poder judiciário.
“Uma coisa que precisa sempre ser feita quando se é vítima é notificar a polícia. Procurar a polícia para fazer a notícia-crime. A polícia precisa saber exatamente todos os crimes que ocorreram. Não é um ou outro, são todos para questões de estatística. Além da estatística, é importante a gente saber a concentração dos locais das ocorrências dos crimes, quais as regiões mais atingidas, mais visadas. Porque aí já fica um pouco mais fácil de você direcionar o patrulhamento. Por exemplo, se de cada dez crimes, cinco estão ocorrendo numa mesma região, você pode deslocar viaturas durante a noite para fazer o patrulhamento naquela determinada área. Então é importante a notificação do furto, a notícia-crime. para a polícia. Sempre que ocorrer, peço ao pecuarista para procurar a polícia e contar o fato. Hoje em dia, inclusive, em muitas das delegacias já existe a opção de registrar as ocorrências online, que podem ser feitas pelo computador e não precisa ser presencialmente. Mas é importante haver a notificação ao policial”, ressaltou.
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A advogada especialista em agronegócio Júlia Bastos citou outras ferramentas das quais o pecuarista pode lançar mão para se precaver. “Essa questão preventiva é muito importante. Se você tem condição de instalar uma câmera, a gente está vendo comunidades rurais contratando segurança privada, patrulhamento privado, tudo isso ajuda porque afasta (criminosos). Grupos de Whatsapp circulando (informações). Mas, se apesar da prevenção o crime acontecer, tente tirar fotos das cercas quebradas, arrombadas, se conseguir registre marcas de pneu e chame a polícia na hora, chame seu advogado para fazer essa vistoria, essa produção de provas porque senão fica muito complicado de localizar quem foi que praticou”, recomendou.
Para Bastos, a consultoria jurídica pode ajudar na produção de provas que mantenha os criminosos, quando localizados, na cadeia. “Justamente nessa fase de produção de prova, porque, às vezes, o produtor não sabe o que ele precisa fazer. Com o advogado, ele vai chamar um perito para poder analisar marcas de pneu, tudo isso. E aí ajuda para condenar o indivíduo porque muitas vezes a polícia até prende, mas você sabe como é a nossa justiça… Se não tem provas, solta, não fica na cadeia”, ponderou.
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Confira no vídeo a seguir a reportagem completa sobre protenção e prevenção ao furto de gado: