Criadora começou do zero e virou referência na cria de bezerros no Vale do Araguaia

“Não tinha um fio de arame nem capim”, recordou a pecuarista Carmem Bruder; produtora compartilhou sua história de sucesso em entrevista ao Giro do Boi

Não tinha um fio de arame e nem um fio de capim. Nós começamos realmente do zero”, lembrou o início de sua trajetória de sucesso como pecuarista e criadora de bezerros de qualidade, Carmem Bruder, titular da Fazenda Entre Rios, localizada em Cocalinho, do lado mato-grossense do Vale do Araguaia. Nesta quarta, dia 30, a produtora contou sua história em entrevista ao Giro do Boi até se tornar uma referência da região para a produção de gado de reposição.

Conforme salientou Carmem, as dificuldades enfrentadas foram muito além da formação da fazenda – algo que por si só já é bem complicado. “Enfrentamos muitas dificuldades porque não era só a questão de você formar uma fazenda, que por si só não é uma coisa fácil de você fazer, de ter um plantel de cria. Nós criamos só Nelore, que também não é uma coisa fácil, mas para completar tinha toda a questão da falta de logística, de infraestrutura, de telecomunicação. Sabe aquela coisa de uma terra onde tem muita fartura? Farta tudo! Era bem isso! Faltava tudo. Durante alguns desses 20 anos – nós chegamos lá em 2001 – nós ficávamos até quatro meses sem comunicação com a fazenda e sem a possibilidade de ir para lá, porque para você chegar no Vale do Araguaia em Cocalinho, você tem que atravessar um dos dois rios. Ou você atravessa o Araguaia, na divisa com Goiás, ou atravessa o Rio das Mortes, mais ao sul. E em ambos… Ponte? Que ponte? Ponte era coisa para dali 20 anos! Então a gente usava balsa. E, na nossa região, o período de seca e de chuva é muito definido. São seis meses de chuva e seis meses de seca. Então nos seis meses de seca era poeira para você poder chegar, mas você chegava. Nos seis meses de chuva, a balsa não tinha como aportar, nenhuma das duas balsas. A gente colocava um bambu bem alto ou numa vara bem alta uma anteninha daquelas de espinha de peixe para celular, no começo da era do celular, e combinava com o peão que em determinada hora ele ia subir no telhado, ou em algum outro lugar, para poder falar aqui. Aí se você perdesse aquela ligação, só Deus sabia quando seria a próxima. Então você imagine o que é abrir uma fazenda nessas condições. Foram anos muito difíceis”, contou Carmem Bruder.

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Mas a pecuarista perseverou em meio às dificuldades. Apostando na pecuária de cria, Carmem encontrou um posicionamento sólido no mercado regional junto ao engenheiro agrônomo e seu sócio na Fazenda Entre Rios, Luís Nunes.

O agrônomo contou alguns dos detalhes que fazem parte da construção da reputação da propriedade. “A gente faz o fornecimento de um proteinado para os bezerros, que é o chamado creep feeding, em uma cocheira para os bezerros e só eles conseguem entrar. Você deixa ração de boa qualidade, com alto teor de proteína. As vacas vêm começar o sal ali próximo, 15 a 20 metros distantes, e você faz a cocheira para os bezerros. A partir de quando a gente inicia esse processamento e uso da ração e dá um suplemento para esse bezerro ganhar mais peso, ganhar mais mansidão, virou um sistema muito bacana”, aprovou.

A propriedade agora está focando em detalhes para ajustar seu sistema produtivo. “Nesse momento agora a gente está fazendo uma apartação. Nós separamos as fêmeas dos machos depois de três para quatro meses. A gente faz porque é tudo bem controlado no rebanho, todo bezerro que nasce é tatuado na orelha com o nome da mãe. A gente passa no curral e separa os machos das fêmeas para mudar exatamente essa ração. Isso porque na fêmea a gente procura fazer uma ração direcionada para desenvolver a precocidade materna. Ao invés de nós usarmos o farelo de soja, que a gente usa também, a gente eleva a porcentagem da torta de algodão, que é um proteinado, fazendo uma ração que tem muita oleosidade. Já tem umas pesquisas que comprovam que o uso dessa ração com quantidade maior de óleo faz a fêmea entrar em maturação sexual mais jovem e a gente tem percebido isso”, revelou.

“Nós passamos a fazer isso de dois anos para cá e a gente está estudando, vendo, ouvindo, assistindo palestras… É tudo um aprendizado. Eu, por exemplo, nasci e fui criado na roça, no campo, na zona rural, sou filho de produtor rural, então está no sangue essa genética de produtor, mas e mesmo assim a vida é um aprendizado. A gente está sempre aprendendo”, destacou Nunes.

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Carmem falou que neste desafio das precocinhas, o produtor deve prestar atenção não somente na positivação da prenhez. “A gente tem que pensar o seguinte: você emprenha uma novilha que é praticamente uma bezerra. Com 16 meses ela já está querendo ser novilha! Então você emprenha com 16 meses e, aos 24, ela está parida, mas ainda está crescendo. Você tem um desafio enorme porque ela tem que crescer um bezerro na barriga, ela tem que dar leite para esse bezerro e ela tem que crescer também porque ela ainda é uma mocinha, quer dizer, ela ainda não virou adulta. Você imagine o que é necessário para suplementar e complementar a dieta… E aí você tem o passo seguinte. Ela agora é uma vaca jovem, que tem um bezerro ao pé, e que ainda vai crescer mais um pouco com um bezerro no pé e outro na barriga. Você tem que dar comida para ela e para o filho dela. Sem comida, não faz. E sem comida, não há sustentabilidade. Então nós tivemos que fazer o quê? Como é que você faz com um gado desse em meio a seis meses de seca? Quando você chega no final da seca, não tem um pingo d’água! Então nós partimos para plantar Tifton irrigado. Nesse tempo nós usamos feno, um feno com altíssima quantidade de proteína. 20% de proteína para suprir a falta de pasto. A maior parte dos bezerros nascidos lá em casa, com essa genética, está sendo abatida com 17 a até 19 meses com 20 arrobas de peso médio”, salientou Bruder.

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Com um sistema de produção sustentável dentro da porteira, a produtora entendeu que poderia mostrar para um público maior do que apenas seus clientes compradores de bezerros o trabalho exemplo da Fazenda Entre Rios. “Nós, pecuaristas de lá, temos uma liga, a Liga do Araguaia. E nós, na verdade, pegamos o comecinho da liga, mas a liga já estava ‘se ligando’, brincou.

“Todo mundo me pergunta, mas o que é a liga? Como eu entro na liga? O que eu pago? Como é que eu faço, onde eu me inscrevo? E a liga é um um movimento muito interessante do Vale do Araguaia. Nós fomos convidados para um dia de campo há quatro anos em uma fazenda vizinha promovido pela Liga e o que é que estava sendo discutido? O respeito às onças, como preservar as onças, como você tem que pôr no seu custo, por enquanto, porque talvez um dia nós possamos ser reembolsados por isso… E essa é a nossa ideia. Nós prestamos um serviço ambiental de altíssimo valor. Mas por enquanto a gente arca com o ônus da perda dos bezerros. E como a gente preserva as onças? Nós temos lá o projeto de preservação das onças. Temos também um projeto de fixação de carbono no solo. Esse grupo que se ligou já estava com essas ideias e nós, juntos com outros fazendeiros, fomos nos agrupando e aprendendo a fazer bem feito aquele que é o maior trabalho de sequestro de carbono e, portanto, de mitigação do efeito estufa. […] Então nós temos esse cuidado. Nós tínhamos um enorme desafio, que é fazer pecuária, e um segundo desafio, que é fazer pecuária com sustentabilidade”, comentou.

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Bruder observou como o trabalho dos produtores tem impacto não só dentro das fazendas, como para a comunidade local também. “Nós estamos com a possibilidade de incorporação tecnológica em todas as áreas. E o agropecuarista brasileiro tem feito isso com uma maestria fenomenal, sendo exemplo para o mundo no que fazemos. Esse ano nós ultrapassamos os EUA em produção de soja. Eles não acham isso bom e não há que se pensar que eles vão nos ajudar a fazer isso. Nunca. Porque nós temos a possibilidade de incorporar tecnologia e dar sustentabilidade. E a sustentabilidade, em última análise, é produzir sem destruir, produzir preservando o meio ambiente, a ecologia, mas também é a sustentabilidade social e econômica de um povo. Afinal, não adianta você ter uma região riquíssima com um povo paupérrimo, com um povo pobre. Esse desenvolvimento do Vale do Araguaia tem elevado o IDH de cidades que tinham os piores IDHs. Então a sustentabilidade é fundamental para o cidadão, é fundamental para o animal, para o meio ambiente, para a economia e para a sustentação de um país soberano. Isso é sustentabilidade”, concluiu Carmem Bruder.

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A entrevista completa com a criadora segue disponível pelo vídeo a seguir:

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