Dentro do contexto atual, o criador basicamente não tem como perder o desafio das precocinhas. O termo faz referência à tentativa de emprenhar as matrizes de gado de corte precocemente, por volta dos 14 meses de idade. O momento se caracteriza pela valorização do bezerro e também da carne de qualidade das novilhas, indicando que o criador que direciona sua propriedade para este sistema produtivo entra quase como um ‘franco atirador’ nesta história.
Mas não é um movimento simples manobrar a fazenda para que seja viável entrar neste jogo. Conforme disse ao Giro do Boi desta quinta, dia 20, o doutor em zootecnia Gustavo Rezende Siqueira, pesquisador da Apta, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, órgão vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, o primeiro passo é uma mudança de hábitos inadequados.
“Se você tem um pasto ruim na fazenda, quem vai para lá? A vaca. Se o pasto está passado, quem vai para lá? A vaca. Se o pasto está rapado, quem vai para lá? A vaca. […] A vaca Nelore é um bicho quase que abençoado que e aguenta muita coisa, mas está longe disso ser bom. Ganhar dinheiro com isso é outra conversa”, ponderou.
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O zootecnista esclareceu como o criador deve fazer as contas para entender o tamanho da oportunidade que tem ao desafiar suas novilhas precoces à reprodução. “Fazendas que já estão num nível evoluído de entendimento em cria têm considerado muito a conta de ‘quilos de bezerro desmamado por vaca exposta à reprodução’. E a gente está começando a falar para o criador que, se ele tem uma fazenda de cria onde a recria das novilhas ocorre na mesma fazenda de cria, que é o padrão de acontecer, a gente tem que pensar em ‘quilos de bezerro desmamado por vaca existente na fazenda’ ou por ‘quilos de vacas existentes’ na fazenda porque. Aí, sim, a gente ia ver todo o potencial que você tem com a melhoria do investimento na recria da novilha para que ela compusesse isso. Porque se ela está crescendo, você tem tem um custo para mantê-la na fazenda. É muito importante considerar toda a produção em função de todo o potencial produtivo e a fêmea, a bezerra, passa por esse potencial reprodutivo”, evidenciou Siqueira.
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O especialista disse que a conta varia para cada fazenda, mas apontou um número significativo para quem entra na disputa e vence o desafio das precocinhas. “À medida que você diminui uma era de recria, você deve aumentar uns 20 a 25% a sua produção de bezerros. Se você considerar a lotação também, isso deve ir para uns 30% em produção de bezerro […]. Porque se você diminuir uma era, é mais vaca, ou mais novilhas que você pode colocar para a estação de monta. Você tira uma categoria improdutiva em termos de produção de bezerro da sua fazenda e isso é fantástico”, aprovou.
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O pesquisador chamou atenção para o fato de este momento ser único e muito convidativo para este tipo de investimento na cria. “Eu acho que nós estamos passando, na cria, por esse momento de eclipse. Você tem um bezerro valorizado, o que para o invernista é um desafio, mas a gente tem muita tecnologia para ele já pensando nisso. Então isso é um estímulo para o criador investir em várias áreas que, às vezes, ele tinha vontade e não tinha coragem. Ou não tinha caixa para fazer isso. Quando ele tem um bezerro valorizado, tudo flui. Daqui uns dias, isso cai um pouco, isso volta, é cíclico, acontece. Mas junto disso, nós temos uma outra questão, que é a valorização da carne da fêmea, principalmente novilhas. São vários programas de carne de qualidade fazendo isso, o que nos incentiva a intensificar uma recria de uma bezerra, de uma novilha. É o seguinte: você intensifica nutrição dela, emprenha. Se emprenhou, é matriz, vai trazer qualidade genética para o meu rebanho, vai produzir um bezerro a mais. A que ficar vazia, que é uma outra linha de trabalho nosso, a gente engorda e abate ela ali com 22, 24 meses com uma carne sensacional e recebendo preço especial de novilha, preço de boi, tem vários programas fazendo isso. […] Eu tenho saída com um bezerro valorizado e eu tenho saída com a carne valorizada. Para quem quer, é a hora de fazer isso”, valorizou.
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Além da configuração comercial momentânea excepcional, o zootecnista acrescentou também os benefícios indiretos deste desafio para a fazenda, ajudando cria, recria, engorda e reprodução a funcionarem como um relógio, com as engrenagens sincronizadas.
“Ela (precocinha) vai te levar a encaixar todo o seu sistema. Se você tem uma estação de monta curta e no local certo, nasce o bezerro do cedo […]. Todo mundo sabe que aquele bezerro do cedo desmama mais pesado do que aquele nascido no tarde. Na fêmea, a mesma coisa. Então se a gente consegue fazer bezerro do cedo, melhor. Fêmeas do cedo têm mais tempo para pastar”, explicou.
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O zootecnista afirmou a meta é fazer a novilhas chegarem à boca da estação de monta com 60 a 65% do peso da mãe para ter boas chances de emprenhar. Para tanto, indicou que, partindo do peso à desmama desta candidata ao desafio, o produtor calibra a necessidade de suplementação, que varia conforme o estágio em que foi desmamada até chegar aos 270, 280 kg aproximadamente. “Eu tenho que ter com ela um cuidado especial entre a desmama até expor à reprodução porque vai coincidir com a época da seca. É uma bezerra desmamada em maio, que vai entrar em reprodução em novembro, dezembro, então tem que cuidar dela, dar uma suplementação adequada”, sustentou.
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Outro ponto de atenção deste desafio é que o trato especial não termina quando uma eventual prenhez é confirmada. Por ser uma categoria que, além de estar em pleno crescimento e ainda com um bezerro no ventre, o criador deve ter um plano para que ela tenha condições de, além de manter a gestação, poder reconceber na próxima monta já como primípara. “Então a gente tem que cuidar dela. O estágio um é emprenhar, fazer diagnóstico de gestação e, depois, enquanto ela parir, primípara, cuidar dela. Tem que ser especial, porque senão não adianta nada. Você faz ela emprenhar com 14 meses, depois ela pare, você abandona ela, ela não emprenha de novo e você é obrigado a descartar”, alertou. O cuidado diferenciado com esta primípara que venceu o desafio das precocinhas, conforme frisou Gustavo, vai até o diagnóstico de prenhez enquanto primípara para depois poder ser tratada como uma multípara comum.
Para facilitar a concepção destas precocinhas, o zootecnista informou que o criador pode inserir no manejo reprodutivo protocolos de IATF para induzir ao cio uma novilha que ainda não começou a ciclar. A dica pode servir sobretudo às feminhas Nelore, cujo estro pode se apresentar de forma um pouco mais tardia do que nas cruzadas.
Uma vez paridas, Gustavo disse que o ideal é fazer a apartação destas primíparas em lotes exclusivos, que podem ser mesclados com cerca de 10% de vacas multíparas, servindo como uma espécie de ‘professoras de maternidade’. Entretanto, é importante que a maioria do lote seja de fato composto por estas precocinhas para que não haja dificuldade, por exemplo, para que elas cheguem até o cocho no caso de um manejo nutricional especial.
O zootecnista concluiu indicando o que o produtor deve fazer para que, no próximo ano, transforme sua fazenda em uma candidata a propor o desafio das precocinhas. “Para uma novilha ser boa, a mãe dela tem que estar bem nutrida, então um aspecto é cuidar da mãe. Não dá tempo de mudar tudo. Como diz meu amigo Antonio Chaker, em uma fazenda, os próximos 12 meses são passado – e é verdade. Mas dá tempo de a gente recuperar algumas vacas agora, neste terço final de gestação. Melhore a sua vaca. Aí já planeje, quando a bezerra cair no chão, pense que ela é uma bezerra que você vai desafiar ano que vem. Na época das águas agora, o que você tem que fazer? Às vezes apartar o lote de mães, separar o que vai ser (desafiado) e, na desmama, já ter o programa nutricional estabelecido. Você tem que ter um planejamento, cuidar da vaca, pensar na bezerra. E você não precisa fazer com 100% do seu rebanho, faça com aquelas bezerras nascidas no cedo. Separe um lote”, exemplificou.
“Então se você fizer isso, você cuidar dessas suas vacas agora, como apartar um lote, caprichar durante a cria e planejar a nutrição dela da desmama até a prenhez, eu te garanto que você vai ter um sucesso muito grande. ‘Ah, mas eu não tenho genética para isso!’. Mas você vai consertando. Você começa com índices mais baixos e vai subindo, você vai aprendendo junto com seu desafio”, concluiu.
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Assista a entrevista completa no vídeo a seguir: