
No rastro da poeira levantada pelos cascos, entre o bramido do gado, o ranger dos arreios e o som do memorável e tradicional do berrante, um feito inédito acontece no Pantanal.
Pela primeira vez, uma comitiva de 1,3 mil cabeças de gado da raça Brangus cruza as vastidões dessa terra alagada, desafiando a supremacia do Nelore e escrevendo um novo capítulo na pecuária da região.
Quem comanda essa jornada é um homem de nome forte e história ainda mais robusta: Pantaleão Flores, mais conhecido como “Panta”, um dos últimos grandes peões boiadeiros do Brasil. (Ouça os depoimentos deste incansável peão boiadeiro nos links de áudio abaixo).
A vida na estrada e a herança de um peão
💬 [1. Pantaleão conta como se tornou um peão boiadeiro líder de uma comitiva de gado – dê um play no áudio abaixo]
A vida de Pantaleão não começou na poeira da estrada por acaso. Filho de boiadeiro, neto de homem do campo, ele cresceu no dorso de um burro, seguindo as pegadas do pai.
Enquanto outros meninos aprendiam números no caderno, ele aprendia a contar boiada. Aos 15 anos, largou os estudos e se entregou de corpo e alma ao ofício de peão boiadeiro.
“Já são mais de 50 anos tocando boi, e minha estrada é longa”, conta. Hoje, com 67 anos, comanda três comitivas e mantém viva uma tradição que resiste ao tempo.
A dimensão da travessia e a grandiosidade do feito
💬 [2. Quantos animais você já tocou pelas estradas do Pantanal? – dê um play no áudio abaixo]
Debaixo do sol escaldante e com o som encantador dos berrantes cortando o silêncio do Pantanal, Pantaleão já viu passar diante dos olhos mais de 200.000 cabeças de gado.
“Já toquei boiada de até 3.000 bois de uma vez só”, relembra.
Dessa vez, a missão é inédita: levar um rebanho inteiro de Brangus por 360 quilômetros, numa jornada de 45 dias. A raça, pouco comum na região, está provando seu valor e resistência no bioma pantaneiro.
O trajeto começou no dia 10 de janeiro deste ano, na Fazenda Bandeirantes, em Aquidauana (MS), e se encerra nesta próxima segunda-feira, 24 de fevereiro, com destino à Fazenda Aparecida, em Corumbá (MS).
Os homens que fazem a boiada caminhar
💬 [3. Quais são os integrantes de uma comitiva? – dê um play no áudio abaixo]
Mas boiada não anda sozinha. Ao redor do gado, há uma legião de homens rudes, forjados pela poeira, barro, rio e sol.
A comitiva de Pantaleão conta com o capataz Alexander, os meieiros Zé Horácio e Girão, o fiador Pelego, o ponteiro Cinimbú, o fiador do lado esquerdo Antônio Mentira e o cozinheiro Papagaio.
São nomes que ecoam nos sertões, figuras que, de sol a sol, fazem do gado sua vida.
“Já fui tudo isso na lida: capataz, cozinheiro, ponteiro. Onde falta gente, eu cubro”, diz o líder da comitiva.
Um Brangus desbravando terras pantaneiras
💬 [4. Comitiva inédita com o gado Brangus – dê um play no áudio abaixo]
O Brangus, de pelagem negra e temperamento manso, é uma novidade nesse chão onde o Nelore sempre reinou.
A decisão de conduzir essa tropa a pé não foi por capricho: as estradas não permitem caminhões, e a única forma de atravessar o Pantanal é pela poeira, seguindo o compasso da marcha boiadeira.
💬 [5. Definindo o compasso da boiada – dê um play no áudio abaixo]
“Esse gado nunca tinha feito uma viagem assim, mas caminha bem e se adapta fácil”, explica Pantaleão.
Causos da estrada: os mistérios da lida boiadeira
💬 [6. Os causos que ficaram na memória – dê um play no áudio abaixo]
Quem toca boiada sabe que as estradas guardam histórias que não se contam, só se sentem. Pantaleão já enfrentou cheias inesperadas, tempestades que fizeram a boiada dispersar e noites escuras onde só o instinto guiava o caminho.
Mas o que mais impressiona, segundo ele, é a lealdade dos homens e dos animais na lida.
“Aqui, a gente se entende sem falar. O boi, o burro, o peão… Todo mundo sabe seu papel”, diz.
O futuro das comitivas: tradição que resiste ao tempo
💬 [7. Vida de peão boiadeiro – dê um play no áudio abaixo]
O transporte de gado a pé resiste no Pantanal porque a geografia obriga, mas a falta de novas gerações na profissão preocupa Pantaleão.
“Hoje, não tem mais peão como antes. Antes, a gente contratava na beira da estrada. Agora, tem que ir buscar nos rincões”, lamenta.
Ainda assim, ele acredita que enquanto houver Pantanal, haverá boi na estrada. A comitiva inédita de Brangus no Pantanal não é só um feito técnico, mas um tributo à história viva da pecuária brasileira.
Enquanto as estradas continuam sendo cruzadas por homens como Pantaleão Flores, o passado e o futuro da boiada seguirão marchando juntos. O tempo pode mudar, mas no coração da comitiva, o espírito boiadeiro sempre encontrará seu rumo.