A história é bem conhecida. De grandes importadores de alimentos entre meados das décadas de 1970 e 1980 para um dos maiores exportadores globais. Este pode ser o resumo da evolução do agronegócio brasileiro. Mas o que foi responsável por essa grande transformação? Entre outros assuntos, foi o que comentou em entrevista ao Giro do Boi a engenheira agrônoma, mestre em ciências do solo, doutora em ciências e geomática e pós-doutora em mapeamento digital de solos Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin. A pesquisadora assumiu recentemente, e pela segunda vez, a chefia da Embrapa Solos, com sede no Rio de Janeiro.
“A gente costuma dizer que o solo é a membrana viva que recobre o nosso planeta, que é único. E é dos solos que vêm todos os alimentos e grande parte de tudo que você consome, que você veste. Então o solo tem uma importância fundamental não apenas para segurança alimentar, através da produção de alimentos, fibras e energia, mas pelos serviços ambientais e também tem papel muito relevante nas mudanças climáticas. A questão de sustentabilidade, de sequestro de carbono… tudo isso passa pelos solos”, sustentou Maria de Lourdes.
A agrônoma comentou como foi a epopeia brasileira desde os tempos de importação de alimentos até os dias atuais, em que exerce função como celeiro do mundo. “Em questão de solos, nós estamos na zona intertropical do planeta, ou seja, uma zona quente e úmida, onde o intemperismo, que é o desgaste na linha do tempo desses solos, faz com que eles sejam considerados pobres. Atenção, aí está aquele que seria o grande problema e o grande desafio que o Brasil enfrentou. Nós temos solos pobres na zona intertropical, solos bastante intemperizados, em que as bases de cálcio, magnésio e potássio que as plantas absorvem normalmente já se perderam pela ação erosiva das chuvas nas altas temperaturas”, observou.
“Então, a princípio, em termos de fertilidade, trata-se de solos pobres, mas em termos de mecânica, em termos de profundidade, de questões físicas, são solos planos, profundos, como os solos do Cerrado. Então apesar de estar na zona intertropical e ter esses solos na sua grande maioria pobres, o Brasil soube transformar isso em riqueza e virou celeiro do mundo com a pesquisa, com a transformação do Cerrado em grande produtor de grãos. Isso vem pelo conhecimento dos solos, que apesar de baixa fertilidade e da alta acidez, têm excelentes condições físicas. E as pesquisas da Embrapa e de seus parceiros fizeram essa transformação. Você fez a correção dos solos, colocou os fertilizantes, desenvolveu espécies mais adaptadas e você transformou. Hoje passamos de grandes importadores de alimentos na década de 70 a 80 para grandes exportadores mundiais de alimentos, fibras, energia. E agora também a questão da sustentabilidade, dos serviços ambientais. O que era para ser um problema, virou aquilo que Pero Vaz de Caminha já dizia, que ‘em se plantando, tudo dá’. Em se plantando, tudo dá, se tiver ciência, tecnologia e inovação para transformar os problemas em oportunidades”, destacou.
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Apesar a evolução notória, a adaptação da agricultura para os solos brasileiros ainda não é um serviço concluído. “Nós avançamos muito, mas evidentemente ainda existem passivos ambientais. O próximo passo do Brasil que eu enxergo como cientista do solo é a questão da sustentabilidade. […] A Embrapa e o Brasil são exemplos de que neste período, da década de 80 até agora, a produtividade aumentou em mais de 400%, enquanto crescemos só 60% em termos de área de produção. Nós crescemos só um pouco em área de produção, mas aumentamos muito a produtividade, ou seja, nós colhemos duas, três safras por ano em rotações de cultura, em sistema integrado, como a ILPF agora, que é muito promissora. E todas essas novas tecnologias que a Embrapa e as instituições parceiras trabalham em termos de sustentabilidade. Você deve continuar produzindo mais, mas com sustentabilidade. […] A questão da erosão é muito importante também nos solos brasileiros, você utilizar práticas conservacionistas de solos para que não perca o solo que produz tudo que a gente necessita para a nossa sobrevivência neste planeta”, sustentou.
Se por um lado há preocupação, de outro há a disponibilidade de várias tecnologias e ferramentas que já resolvem os problemas ainda pendentes. “De acordo com outra estimativa da FAO, da qual nós fizemos até parte em uma publicação chamada “Status dos recursos dos solos do mundo”, 33% dos solos do mundo têm algum processo de degradação. E o Brasil, a América Latina, de modo geral, não fogem a isso realmente. Mas hoje o Brasil tem avançado muito no plantio direto, rotação de culturas, ILPF, a integração lavoura-pecuária-floresta, e todo esses sistemas conservacionistas. É claro que o produtor rural, principalmente nas áreas do Centro-Oeste, Nordeste, tem que ter muito cuidado para não perder esses solos, para fazer os tratos culturais na época certa, o menor revolvimento possível, manter a cobertura dos solos, porque esse é um dos gargalos”, relatou.
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A pesquisadora disse também que a Embrapa trabalha com o desenvolvimento de outras soluções para tampar um dos gargalos da fertilidade do solos brasileiros. “Outro gargalo está muito ligado à dependência de fertilizantes. Você sabe que em relação a nitrogênio, fósforo e potássio, o Brasil depende de 80% a 90% de importação desses fertilizantes, então a Embrapa também, principalmente a unidade Solos, tem muitos trabalhos agora com fertilizantes alternativos, organominerais e outros, bioinsumos, que são áreas top de pesquisa e que a gente está aberto a fazer parcerias, inclusive com a iniciativa privada para inovação aberta para desenvolvimento de fertilizantes alternativos. Eu acho que essa é uma coisa muito importante, isso está ligado ao Plano ABC. Por exemplo, toda a questão de fixação biológica de nitrogênio e fertilização de N nós somos bastante independentes na cultura da soja. Cana-de-açúcar também a Embrapa Agrobiologia desenvolveu. Então a questão de bioinsumos também para esse desenvolvimento, para você ficar menos dependente desta balança comercial externa, que é a dos fertilizantes”, ressaltou.
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Maria de Lourdes falou ainda sobre os próximos lançamentos da unidade da Embrapa Solos que irão servir de base para o avanço contínuo da agropecuária brasileira. “A gente vai lançar, talvez muito brevemente, pois já está pronto, o mapa de estoque de carbono dos solos brasileiros de 0 a 30 cm e a até um metro – eu estou dando um spoiler aqui. Não existe nenhum mapa de carbono de até um metro de profundidade, então nós vamos atualizar de 0 a 30 cm e lançar o de até um metro. Você vai saber qual a reserva de carbono nos solos brasileiros e isso vai servir como linha de base para o Plano ABC e outros programas, outras iniciativas de manejo e conservação de solos brasileiros”, adiantou.
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A chefe da Embrapa Solos lembrou ainda de outro programa importante com o qual a unidade contribui. “O Pronasolos é um dos principais programas hoje da Embrapa Solos, mas ele se tornou também um programa do Ministério da Agricultura. A nossa colega, a excelentíssima ministra Tereza Cristina, gostou muito, adotou o Pronasolos. […] Além do Pronasolos, nós também estamos trabalhando com o Ministério da Agricultura no mapa de aptidão agrícola dos solos brasileiros, que deve ser lançado até o final do ano, quando nós finalizarmos. Isso vai ver um outro marco, nós vamos ter carbono, aptidão, além dos mapas de solo, essas já são interpretações do conhecimento”, antecipou.
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Pelo vídeo a seguir, é possível assistir a entrevista completa com a pós-doutora em agronomia Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, incluindo os detalhes das próxima etapas do PronaSolos a serem lançadas: