No quadro Direito Agrário que foi ao ar nesta terça, 08, o advogado, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica Pedro Puttini Mendes respondeu dúvida de um telespectador do Pará sobre a compra de terras de assentamentos da reforma agrária.
“(Sobre) Compra e venda de lotes de reforma agrária, é fundamental saber que a Constituição Federal determina, no artigo 189, que os títulos de domínio da terra, ou seja, aqueles título definitivos que foram entregues para um beneficiário de um programa de reforma agrária, atingidos todos os requisitos, é inegociável pelo prazo de dez anos. É o mesmo texto da Constituição que também fala na lei da Reforma Agrária, lei 8629, de 1993, no artigo 21. Então, pelo prazo de dez anos depois que foi concedido este título, o titular deste lote não pode negociar esta terra”, informou Puttini.
“Para aquele que já chegou até esta etapa de regularização, passou pelos critérios do Incra como beneficiário da reforma agrária, recebeu o lote, está com o título do lote, ele não pode negociar pelo prazo de dez anos. Já para aquele que não tem o título de domínio, muito pior, porque aí são terras públicas, então logo, como não te pertence, não é possível negociar”, alertou o consultor.
Na dúvida enviada, o telespectador ainda detalha em seu exemplo a compra de uma área de 200 hectares em que o vendedor é titular do domínio desta terra em que parte dela, 100 hectares, não tem documentos para que possa ser feita a transferência – uma parte a qual ele usa já há mais de dez anos – e quer saber quais os problemas jurídicos desta operação.
“É interessante que, nesta situação exemplificada, havia 100 hectares que estão só como posse da área, não tem documento algum, mas está usando ali por dez anos, o que dá a entender que ele gostaria de fazer usucapião desta área. […] Também a Constituição Federal fala, no artigo 191, que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Então é proibido, neste caso. Se é um projeto de assentamento, de reforma agrária, se esta terra é da União, não é possível fazer usucapião”, afirmou.
Puttini comentou ainda que uma situação frequentemente questionada em casos similares é a possibilidade de usar contratos de gaveta, aqueles compromissos de compra e venda que condicionam a operação definitiva a um evento futuro, ou seja, que neste caso específico poderia ocorrer depois deste prazo de dez anos.
“A possibilidade é chamada na legislação de condição. Ela está no nosso Código Civil como uma cláusula que deriva da vontade das partes e ela subordina o efeito deste negócio jurídico a um evento futuro incerto. Então o risco é que, nestes casos, neste período de dez anos, até que seja possível transferir esta venda, pode ser que, por alguma razão, o beneficiário do lote perca o seu direito a cessão de uso, ou ele não atinja os requisitos necessários para receber o título de domínio. Então há uma fragilidade neste tipo de negociação porque o pretenso comprador de gaveta não vai poder estar na posse da área porque ela pode ser fiscalizada e aí não seria aquele beneficiário da reforma agrária. E pode ser que o beneficiário que tenha vendido para entregar daqui a alguns anos perca este título e, consequentemente, este contrato vai perder sua validade”, advertiu.
Puttini alertou que há consequências mesmo que a operação tenha ocorrido de boa-fé, podendo resultar até mesmo na incriminação dos envolvidos por invasão de terras públicas, estelionato ou desobediência de ordem legal de funcionário público.
Para esclarecer a situação, Puttini comparou a barreira para compra e venda destas terras como se fosse a de um carro financiado que está alienado a um banco, ou seja, por um determinado período aquele bem não pode ser transferido.
“No caso dos beneficiários de lotes de programas da reforma agrária que estão em posse de um lote, a Constituição e a lei da Reforma Agrária concedem um documento chamado CCU, o Contrato de Concessão de Uso. Enquanto não for dado o Título de Domínio, que aí sim vai transferir esta área pública para o domínio particular privado, o CCU garante que seja utilizada esta terra. Isso também entra numa instrução normativa do Incra, que é a 97/2018, dizendo que o CCU é, então, este instrumento que vai ser dado para o beneficiário após a família passar pelo processo de seleção e por todos aqueles critérios que são determinados pela política pública da reforma agrária”, acrescentou.
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