Esbanjando energia perto dos 70 anos de vida, o novo chefe-geral da Embrapa Gado de Corte, Antonio do Nascimento Ferreira Rosa, o Toti, tem grandes planos para sua gestão à frente da unidade de pesquisa, conforme revelou em entrevista ao Giro do Boi desta terça-feira, dia 02. O principal deles é promover, por meio de estratégias diversas, um resgate dos pecuaristas que ainda estão excluídos pelo novo momento da atividade no Brasil.
“Eu apontei um ponto muito crítico nessa situação toda quando falei do meu plano de trabalho. O Brasil teve um progresso extraordinário. […] Muita gente produzindo muito, mas muita gente produzindo pouco. Existem empreendimentos que estão ganhando dinheiro, mas grande parte deles trabalhando no vermelho. Ora, se tem gente trabalhando e tendo lucro, é sinal de que existe conhecimento e tem que ter tecnologia. Mas grande parte está atrasada – são os chamados excluídos da moderna agropecuária brasileira. Então o foco nosso muito importante: além de continuar as pesquisas, que são muito importantes e nós temos que procurar andar à frente, nós temos que ajudar a resgatar os excluídos porque senão nós vamos ter, dali a pouco, esses pecuaristas vendendo as propriedades, o que vai aumentar a concentração da produção e da renda. Então nós vamos ter um país riquíssimo e uma sociedade pobre”, alertou Toti.
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“Então a Embrapa, como instituição pública, precisa olhar para isso e, graças a Deus, o novo plano diretor da Embrapa lançado agora recentemente, o sétimo, volta a dar ênfase à Embrapa como ciência aplicada. Eu tenho muita expectativa de que a gente vá trabalhar também junto com os nossos parceiros, à CNA, aos sindicatos, às associações de criadores, às instituições de assistência técnica públicas e privadas, para que esse conhecimento chegue ao produtor rural. Nós temos que trabalhar muito nisso. É uma bandeira nossa e eu conclamo a todos para juntar forças conosco para conseguirmos esse grande salto de resgatar esse pessoal. Você imagine, se nós já somos os maiores exportadores hoje, com talvez 20%, no máximo, dos empreendimentos trabalhando com lucro, imagine na hora que resgatarmos essa turma toda? Vai ser um outro grande salto para o Brasil”, projetou.
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O novo chefe-geral da unidade ressaltou a importância do convênio da empresa pública de pesquisa com a iniciativa privada, com o potencial de acelerar o progresso tecnológico e econômico do setor. “Além da sede, que tem uma área de 3.080 hectares, nós temos a fazenda modelo com 1.600 hectares. De todo modo, essas parcerias (público-privadas) não implicam, necessariamente, que esses trabalhos venham a ser feitos na nossa própria sede em Campo Grande. Eles podem ser feitos em qualquer ponto do Brasil. Basta a gente fazer um acerto e, dependendo do tipo do trabalho a ser feito, a gente monitora a coleta de dados e desenvolve esse estudo. Essa é uma bandeira que eu quero trabalhar muito”, anunciou.
“Hoje, por exemplo, nós temos diversas parcerias com instituições de governo, com associações públicas, de criadores, com fundações. Mas com empresas, propriamente, nós só temos hoje somente quatro companhias financiando projetos nossos. Então nós temos muita oportunidade de aumentar isso. Eu espero a partir deste ano que a gente possa abrir o leque de parcerias. Tem muitos projetos que a gente chama de inovação aberta. O que é isso? Projetos que já estão maduros tecnologicamente e praticamente prontos para ir para o campo. Então nós poderíamos juntar forças nisso”, convidou Toti.
HISTÓRIA
Conforme consta no anúncio que a própria Embrapa Gado de Corte fez da mudança da chefia-geral, em novembro de 2020, Antonio do Nascimento Ferreira Rosa é engenheiro agrônomo e “mineiro de Patos de Minas (MG), formado pela Universidade Federal de Viçosa (MG), com mestrado em Zootecnia e doutorado em Genética. Na Embrapa, desde 1975, o melhorista integrou a equipe que consolidou o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte (Embrapa Gado de Corte), fundado 1977, coordenando o primeiro projeto de pesquisa em genética animal do Centro e liderando a parceria com o Escritório Técnico Regional da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Os resultados impulsionaram a cooperação, primeiramente estadual, para âmbito nacional e, em 1982, as instituições eram pioneiras em avaliação genética de raças zebuínas no mundo. Com reconhecimento oficial do Mapa, em 84, 128 edições dos Sumários Nacionais de Touros das Raças Zebuínas estavam à disposição da cadeia produtiva”.
O pesquisador lembrou dos primeiros desafios durante a fundação da unidade de pesquisa. “Agora no dia 1º de março eu completo 46 anos de Embrapa. Hoje eu sou o contrato mais antigo aqui da nossa unidade. […] O meu primeiro desafio, além do mestrado em si, porque o curso não é fácil, foi exatamente quando eu cheguei na Embrapa em Campo Grande para começar trabalhar. Você não imagina o que é você chegar com um mestrado, uma responsabilidade muito grande, e não ter como começar porque a Embrapa ainda não tinha rebanho nenhum. Como fazer melhoramento genético sem ter rebanho? Mas aí vem aquela coisa que muita gente acha que é sorte, e eu acho que é oportunidade que vem do alto. Eu tive um aluno lá em Viçosa, no curso de zootecnia, que veio para Campo Grande para trabalhar na ABCZ. E eu vim para trabalhar na Embrapa. Então querendo trabalhar em seleção sem ter rebanho, a primeira coisa que vem na minha cabeça foi procurar o meu companheiro Zé Gomes Alves. É assim que eu comecei a conhecer os rebanhos do então estado de Mato Grosso e isso gerou o primeiro convênio de cooperação técnica com a ABCZ, que eu mesmo escrevi as cláusulas. De lá para cá você sabe essa história toda – o convênio virou nacional em 1982, começamos a publicar sumário de touros em 1984 e, hoje, o Brasil não deve nada a país nenhum no mundo em termos de avaliação genética. Foi pioneirismo nosso com a ABCZ”, recordou.
Toti é reconhecido pela ABCZ pela contribuição na parceria estabelecida com a Embrapa.
O pesquisador revelou ainda qual era o principal objetivo do Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte quando da sua criação. “Muita coisa boa aconteceu. A lista é grande demais. Acho que é pouco espaço para contar essa história toda. Mas a Embrapa Gado de Corte foi criada com uma missão: acabar com a fome do gado no período da seca. Meu caro, três anos depois nós já falávamos em feno em pé. O que é feno em pé? É o capim reservado quando tem excesso de pasto e que fica lá no campo. Então com a suplementação mineral adequada, o gado aproveita isso aí. Isso foi em 1980, três anos depois (da criação da Embrapa Gado de Corte). Mas de lá para cá foi uma história fantástica”, alegrou-se.
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Com a evolução das pesquisas, a pecuário passou de uma atividade extrativista no Brasil para exemplo de produtividade. “Primeiro era extrativismo, eu diria assim. Mas no início da década de 1990, você lembra que o Plano Real acabou com a inflação. Aí era questão de produção e produtividade. Por isso que a tecnologias que a Embrapa foi lançando passaram a ser utilizadas, porque já não valia a pena ter somente quantidade. Você tinha que ter produtividade. Então isso foi uma força muito importante para a adoção de tecnologias. E na área de pastagem, a Embrapa até hoje já lançou 16 variedades de gramíneas, de braquiária, de colonião, de leguminosas. Na nutrição animal, logo no início em 1985, se não me engano, veio a formulação de sal mineral. Antigamente era um sal para o Brasil inteiro. A partir daí, coletando amostra de solo, de plantas e do animal pelo fígado, ali se viu que cada região precisava de um sal especializado. Aí vieram as misturas minerais, misturas múltiplas. Aí chega a genética, com sumário de touros, e assim por diante. Controle sanitário… Enfim, tudo isso ajudou o Brasil a sair daquela condição de inferioridade, de dependência externa, para ser um dos maiores produtores mundiais e hoje o maior exportador mundial de carne. São muitas as tecnologias que foram lançadas. Só nos últimos quatro anos, nós lançamos quase 300 resultados importantes para a cadeia produtiva”, destacou Toti.
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Questionado a respeito da energia que tem para colecionar tantos momentos relevantes em sua história, mas ainda almejando mais conquistas para o setor, o agrônomo disse que acredita que sua força vem de Deus para que seu dom esteja a serviço da produção de alimentos. “Vou te contar um caso. Eu tive o privilégio de participar como palestrante do projeto Acrimat em Ação, em Mato Grosso. Rodamos mais de 12 mil quilômetros, 33 municípios e teve uma tardezinha que fomos dar uma entrevista numa rádio de um município do Mato Grosso antes de começar a palestra no Sindicato Rural. Aí o repórter disse esses números todos, essas distâncias todas, e perguntou: ‘Doutor, como você lida com o cansaço?’ E eu respondi: ‘Veja, meu caro, a gente chega no Sindicato, dá palestra e, às vezes, vai até 22h, 22h30, porque tem as perguntas, tem o jantar e etc… Mas depois a gente volta, toma um banho, dorme, no dia seguinte levante descansado e é pé na estrada de novo’… Essa energia, primeiro, é um dom de Deus, cada um tem seus dons conforme Deus lhe dá”, reconheceu.
Antônio Rosa em palestra na expedição Acrimat em Ação.
Toti também apontou que a criação na roça durante a infância foi preponderante para que esteja sempre disposto a contribuir para o setor. “Com o ambiente com o qual eu vivi na minha infância – fui nascido na fazenda e tudo – eu aprendi a trabalhar desde menino. Eu lembro que eu ajudava a limpar algodão para a minha mãe tecer naquele descaroçador já com cinco ou seis anos de idade. As férias minhas eram só na roça. Eu só parei de ir para a roça depois que entrei na faculdade. Aí fui vender ações, fui monitor, fui professor de cursinho para ganhar minha vida na escola até me formar. Então eu acho que isso vem de berço, vem de dom de Deus e, realmente, enquanto Deus me der saúde, disposição e alegria de servir, de trabalhar, estarei junto de vocês”, garantiu.
“Eu tenho um prazo de até seis anos no meu mandato. Se Deus quiser, tendo saúde, eu quero chegar lá. Mas eu gostaria, primeiro, de ver uma Embrapa com uma equipe motivada para trabalhar, produtiva e criativa. Ver uma Embrapa que a gente não fique preocupado em ter que pagar as contas do dia a dia. […] Ter suporte para o custeio das nossas unidades até porque para a pesquisa, o pesquisador tem criatividade, ele corre atrás e dá um jeito. Mas a manutenção dessas atividades básicas é muito importante. E eu pretendo, com a lição que a pandemia nos deu, estender as atividades de transferência de tecnologia para o meio digital porque antes a gente viajava para o Brasil inteiro dando curso de atualização, de capacitação, etc., e vamos continuar, até porque é bom o tête-à-tête com o produtor rural, mas eu quero também dar uma ênfase nesses treinamentos à distância com uso da internet porque facilita demais. Temos muita coisa a fazer e contamos com vocês do Canal Rural, toda a imprensa especializada para estar conosco nessa bandeira”, concluiu o novo chefe-geral da Embrapa Gado de Corte.
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Confira a entrevista completa com Antonio do Nascimento Ferreira Rosa, o Toti, no Giro do Boi desta terça, 02: