Encantador de bois: pecuarista nasceu “calçado na botina” e virou referência em bem-estar

Segundo o invernista Victor Darido, da Fazenda Água Preta, em Pindamonhangaba-SP, práticas de bem-estar são ainda mais necessárias conforme a pecuária se intensifica

As imagens não mentem: no curral, em meio à boiada prestes a embarcar para o frigorífico, o pecuarista anda tranquilo, passando a mão nos animais que aguardam a chegada do caminhão. Registros assim são recorrentes na rotina de Victor Darido na Fazenda Água Preta, em Pindamonhangaba-SP. Segundo o produtor, o bem-estar animal, possivelmente a característica mais marcantes de seu trabalho, fica ainda mais necessário conforme o sistema produtivo se intensifica, com rotação de piquetes e suplementação. Nesta terça, dia 10, o produtor compartilhou sua história com os telespectadores do Giro do Boi.

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26 anos, filho único e formado em administração, Darido contou as origens de sua relação com a pecuária. “Eu costumo dizer que eu nasci calçado numa botina”, brincou. “Na verdade, meus pais não são pecuaristas, mas os meus avós são. E eu sempre tive uma paixão muito grande por cavalo. Já veio desde a infância. E eu lembro um dia de um amigo que me ligou, isso há cerca de seis anos, e disse que tinha um conhecido com um lote de bezerros para vender. Ele perguntou se eu comprava. Eu disse que sim e ali começou e não parou mais”, recordou.

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Enquanto intensificava o seu sistema de engorda, Victor sentiu a necessidade de focar no bem-estar dos animais. O invernista justificou. “O processo foi bem gradual. O que eu tenho para compartilhar é que no começo tudo é muito difícil, quando você começa a querer organizar, intensificar e entrar com esse manejo de bem-estar é difícil, mas a virada de chave eu acho que veio com a intensificação. A intensificação exige animais menos reativos. Então a gente parte do princípio de que um lote no manejo extensivo tem menos contato com o ser humano, no máximo o colaborador vai lá uma, duas vezes na semana, coloca o sal e está tudo certo. Quando você intensifica isso, você parte para mudança de piquete, contato diário, suplementação diária, então quanto menos reativo o animal, mais ganhos você tem. E quanto mais reativo, é uma faca de dois gumes, mais prejuízo você tem. Então a gente passou a implementar essas técnicas à medida que a gente foi intensificando”, colocou em contexto.

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Apesar da lógica simples, a implementação das boas práticas não é tarefa fácil e encontra grandes obstáculos. “Um dos gargalos de implementar a técnica é a mão de obra. Hoje eu conto com uma equipe muito profissional e eu dou uma dica para quem está acompanhando: selecione pelos valores, pela visão da pessoa, e não só por experiência. Às vezes o tiro sai pela culatra quando a gente contrata só pela experiência. Já vem com aquela carga de costumes, de hábitos de outra fazenda e acaba ficando mais difícil implementar isso”, salientou Darido.

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O invernista explicou ainda como supera o desafio de engordar a boiada que não é criada na própria fazenda. “Eu não compro garrote, já começa por aí. Eu compro bezerro na desmama. E eu seleciono as fazendas, eu gosto sempre de visitar antes, conferir como é o manejo da fazenda que vai me fornecer os animais e estabeleço uma parceria mesmo, de mão dupla, em que um apoia e ajuda o outro e a gente vai sempre dando esse feedback para poder melhorar os animais que eu compro”, revelou.

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RECRIA TURBINADA

Ao desembarcar na fazenda, a bezerrada recebe um trato especial de boas vindas. “A recria é um momento crucial, quando se tem a melhor curva de crescimento, que está no bezerro entre a recria e a engorda. Geralmente a fazendeirada põe no pior pasto e deixa erar. Deixa ele erando e dá atenção só para a engorda. Eu faço o contrário. A recria chega, ela é suplementada diariamente, ela passa por um sequestro inicial que a gente já até tratou aqui num outro programa. Ela fica 15 dias em baia de confinamento para ter essa pré-adaptação ao contato humano, depois disso é integrada ao lote e aí suplementada diariamente na casa de 0,5% com proteico energético. Nossa recria tem durado sete a oito meses e vai para o confinamento com 12 a 13 arrobas”, forneceu os detalhes.

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Depois da adaptação, os animais se juntam aos demais lotes da propriedade para o restante da recria. “São integrados aos lotes que já estão na fazenda, o que ajuda muito porque os animais mais antigos já levam os outros no cocho diariamente, já mostram onde é bebedouro e aí fica tudo tranquilo. Dois a três dias depois já está tudo acalmado. A gente tem um rotacionado com praça de alimentação. Como a fazenda é de várzea, então a gente usa capim nativo, é Angola, é o que sobrevive lá. Eu até consigo irrigar por alagamento, é bem legal, o povo fica espantado quando vê porque acha que vai matar o capim, mas eu digo que o capim Angola gosta”, observou. Respondendo ainda à pergunta de um telespectador, Victor esclareceu que “o custo total está em torno de R$ 700,00 por cabeça no período todo” de recria.

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Darido explicou também a variação no manejo nutricional das boiadas conforme a época do ano. “Eles passam de sete a oito meses na recria, mas eu não deixo isso quadrado. Eu vou de acordo com o momento de mercado. Então eu vou trabalhando de acordo com momento de mercado, com caixa, com tudo isso, tudo integrado. Os animais consomem em torno de 0,5% do peso vivo de proteico energético. Nas águas isso diminui automaticamente, você pode até colocar que eles não comem tudo, e na seca a gente dá uma apertadinha, chega a 0,6% no pico. Mas na média, 0,5%”, quantificou.

Usando a última boiada embarcada como exemplo, o pecuarista está conseguindo extrair de seu sistema animais com mais de 19 arrobas e com 16 a 18 meses de média de idade.

Exemplo de boiada terminada na propriedade de Victor Darido.

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“Tem boi de cruzamento, tem boi Nelore… Muita gente me questiona sobre que raça escolher. Eu parto do pressuposto de escolher animais de boa genética, independente de raça. Seja Nelore, seja cruzamento industrial, mas animais de boa genética, de alto padrão genético, ainda mais para quem suplementa, isso é padrão decisivo”, sustentou.

Como estratégia comercial, o produtor disse que escalou a produção de tal modo que abate lotes distribuídos ao longo do ano, o que faz com que ele tenha animais precificados nas principais variações de preço da arroba. “Agora eu estou trabalhando no mercado físico, fazendo média o ano todo, abatendo um a dois lotes por mês e a gente vai fazendo essa média o ano todo. O difícil é ganhar essa escala, ter essa escala de produção para abater. Leva um tempo, mas depois que organiza é só tocar o sistema”, aprovou.

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E depois de ajustar seu sistema de produção e fazer sua fazenda funcionar como um reloginho, Victor passou a prestar serviços para ajudar outros pecuaristas em meio à mesma missão. “Eu presto serviço de consultoria e a gente está lançando até um curso no Instagram. Eu atendo o Brasil todo, eu estou com consultoria online também, um serviço com videochamada, já que hoje a tecnologia está aí. A gente tem que usar isso ao nosso favor. Eu vou abrir o curso ao público ainda neste ano e vai ser um curso bem completo sobre bem-estar animal, sobre recria e engorda, vai abranger muita coisa, essa relação pecuarista e frigorífico, que é uma relação tão polêmica que a gente tem hoje em dia”, revelou.

+ Siga o pecuarista e consultor Victor Darido pelo Instagram

O produtor classificou a sua própria relação com o frigorífico onde abate seus lotes, na unidade Friboi de Lins-SP. “Eu sou muito parceiro do Douglas (Castro, originador da unidade). Eu acho que a gente é bem transparente um com o outro, eu abato lotes de animais meus e de clientes meus de consultorias, de parceiros e estou muito satisfeito”, aprovou.

Em participação no quadro Giro pelo Brasil desta terça, 10, Castro respondeu qual é o grande destaque do trabalho de Victor Darido na Fazenda Água Preta. “São vários fatores e, dentre eles, o que a gente pode destacar, o que é comum a todos os pecuaristas, está a paixão de fazer tudo muito bem feito, o capricho, a recria turbinada que ele tem na fazenda, o foco no detalhe com que ele conduz e, principalmente, o que a gente viu e já mostrou várias vezes, o exemplar trabalho em bem-estar animal que ele vem desenvolvendo na fazenda. Não é só teoria, ele te mostra na prática o que é feito nesta área de bem-estar animal. […] Animais de sobreano, animais muito jovens, muito bem acabados que a gente vem colhendo como frutos da Fazenda Água Preta, nesse lindo trabalho do Victor Darido”, enalteceu.

Aprofundando ainda o assunto bem-estar animal, Darido lembrou do programa de redução de uso de marca a fogo nos animais que termina. “Essa redução é muito importante. Na fazenda, a gente usa só uma e não tem remarcação de animais. Tem muita gente que remarca para apartar lote, mas eu não faço isso. É uma marcação só de identificação do proprietário e pronto. Eu acho que está justo, está de bom tamanho”, declarou.

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Com tanto sucesso, mas ainda tanto por realizar, haja visto sua juventude, Victor respondeu se um dia poderá pisar seu pé calçado na botina fora da pecuária. “Está no sangue, não tem como fugir! Eu falo que não quero fazer outra coisa. Não é nem que não sei, eu não quero mesmo fazer outra coisa. Hoje, graças a Deus, eu vivo exclusivamente da pecuária e sou muito feliz por isso”, disse em sua entrevista.

Está no sangue, não tem como fugir”, disse Victor Darido sobre a pecuária de corte.

Confira a participação completa de Victor Darido no Giro do Boi desta terça, dia 10:

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