Nesta terça-feira, dia 08, o advogado e consultor jurídico Pedro Puttini Mendes, doutorando, professor de pós-graduação de direito agrário e ambiental e sócio-diretor da P&M Consultoria Jurídica respondeu dúvidas de 15 telespectadores sobre temas envolvendo herança de lotes da reforma agrário, comercialização das terras enquadradas nesta categoria, reintegração de posse, escrituração, entre outros tópicos.
A sessão completa de perguntas e respostas está disponível ao longo do texto a seguir:
– Por que a questão de assentamento e de reforma agrária ainda gera polêmica?
Puttini: “Essa política pública de reforma agrária é um assunto sempre polêmico que envolve uma grande quantidade de produtores rurais assentados, ou seja, desenvolvendo atividades de pecuária em lotes de reforma agrária sem documento definitivo da sua propriedade, sem o título de domínio, e esse é o grande problema atualmente. A maior parte das pessoas possui só os contratos de concessão de uso, o que permite para elas terem o direito de posse e não o direito de propriedade. E as terras permanecem como patrimônio do governo mesmo depois de muitos anos atendendo requisitos da lei de reforma agrária. Então a lei ainda demora na titulação e também surgem essas dúvidas porque passa tanto tempo que o pessoa que está na posse e acaba transmitindo essa posse por herança ou quer negociar, então daí surgem as negociações irregulares, os documentos, a insegurança jurídica, como os contratos de gaveta. Por isso são frequentes essas dúvidas pelo Giro do Boi. […] Segundo o Incra, são mais 1,3 milhão de famílias assentadas desde 1993, quando surgiu a Lei da Reforma Agrária, e são mais de 970 mil residentes nos quase 9.500 assentamentos reconhecidos”.
– Gostaria de saber qual o procedimento para regularizar um lote de assentamento. Meu lote foi repassado do primeiro beneficiário para um terceiro há mais de dez anos. Existe um contrato assinado pelo beneficiário, a viúva, os herdeiros e o terceiro beneficiário registrado em cartório. (Nelson Vilanova, de Brasília-DF)
Puttini: “Sobre o procedimento para regularizar um lote de assentamento, para todos que assistem, podem buscar informações numa principal Instrução Normativa do Incra, que é a 99 de 2019 (acesse pelo link abaixo). Essa instrução Normativa diz em um dos seus artigos que, realizada a seleção dos beneficiários para o projeto de assentamento de Reforma Agrária, a família assentada vai receber o que a gente chama de CCU, o Contrato de Concessão de Uso ou depois que forem analisados o cumprimento dos requisitos, vai receber a titulação da área para exploração familiar. E também segundo essa mesma instrução normativa, a transferência definitiva do lote acontece por meio dos títulos de domínio. Essa é a dúvida mais frequente que chega para vocês. E somente vai ser efetuada essa transferência depois da concessão de uso do título de domínio, depois de uma série de etapas, como registro da área em nome do titular, saindo do patrimônio da União, a realização de serviços de medição, demarcação, para definir qual é a fração ideal desse beneficiário, o georreferenciamento e a certificação dessa área, a inscrição no CAR, o cumprimento das cláusulas contratuais, que é feito um contrato de concessão de uso e quando cumpre essas cláusulas de contrato com o Incra, depois que é titulado. E a atualização cadastral do assentado. Existem muitos assentados que não fazem a atualização cadastral e aí tem que manter o seu cadastro atualizado junto ao Incra para poder receber o título definitivo. E também chega bastante dúvida com relação a isso. O site que eu entro, aonde eu vou. Então essas são as etapas para poder fazer a regularização do seu lote”.
+ Acesse aqui a Instrução Normativa 99/2019 do Incra
– Somente o Incra tem a posse de assentamentos que estão com pendências judiciais? Outra pergunta: a lei do Incra é a mesma pro Itesp, a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo? (Stanislau Mendonça, de São José dos Campos-SP)
Puttini: “Nesse caso, somente seria possível responder sobre questões judiciais com documentos referentes às pendências que o Stanislau comenta para compreender do que se trata, para poder entender como resolver. E sobre a legislação do Incra e do Itesp, que ele pergunta, o Incra possui uma lei federal, que é famosa lei da reforma agrária, que é a 8629 de 1993, que tem o seu decreto, que é de 2018, e o Itesp tem uma lei estadual também, que é a 10207 de 1999. […] Toda legislaçao federal pode ser acessada pelo site planalto.gov.br e nesse caso da legislação paulista, no site da assembleia legislativa. O Incra também passa por muitas instruções normativas, como eu falei da 99 de 2019, então frequentemente elas são atualizadas. Mas também podem ser encontradas no site do Incra ou do governo”.
+ Veja aqui na íntegra a lei da Reforma Agrária, lei 8629, de 1993
– Gostaria de saber se toda esta mudança que está sendo feita na regularização fundiária serve só para assentamentos da reforma agrária ou para qualquer imóvel da União sem titularidade. (Washington Araújo, de São Sebastião do Passé-BA)
Puttini: “Para as duas situações. Tem muitas novidades não apenas para os imóveis de reforma agrária, mas também principalmente a regularização fundiária de áreas situadas em terras da União. Tem sido feito um grande esforço do governo no sentido de fazer regularização dessas áreas, tanto no âmbito da Amazônia Legal quanto fora, então ocupações fora da área de Amazônia Legal, terras do Incra, da União, remanescentes de projetos de colônia criados pelo Incra antes da lei da reforma agrária, então tudo isso também está numa outra instrução normativa, que é a 104, de 2021, e recentemente o governo divulgou o programa Titula Brasil, estabelecido por mais uma instrução normativa do Incra, a 105, que trata da regularização e titulação nos projetos de reforma agrária do Incra ou terras públicas sob o domínio da União que estão passíveis de regularização fundiária, então tem muita novidade, o governo está se esforçando para fazer essa regularização, mas a demanda é realmente muito grande”.
+ Acesse aqui a Instrução Normativa 105/2021
+ Veja mais detalhes sobre o programa Titula Brasil
– Paguei um título da minha propriedade rural, registrei ele, paguei a taxa de ITBI, mas o cartório não quer me dar a escritura da terra porque tem que ter uma certidão. Só que ele não diz qual é esta certidão. Tem possibilidade de conseguir essa escritura sem esse documento? (Marcelo Oliveira, de Machadinho do Oeste-RO)
Puttini: “Os cartórios são extensão do Judiciário, sim, mas eles têm uma gestão privada. Ele é um meio termo entre o serviço público e privado, então cada cartório coloca uma exigência diferente e deixa realmente um pouco confuso quando a gente é atendido no cartório. Mas essa situação que foi colocada também tem que ser analisada com a leitura dos documentos. Toda vez que se fala de cartório, a recomendação é solicitar ao cartório o documento que a gente chama de nota de devolução desse serviço, já que ele está negando o serviço, e nessa nota de devolução vai constar a justificativa por escrito do cartório que está recusando, o que é uma obrigação do cartório segundo a lei de registros públicos e aí vai ser possível tomar providências. […] O cartório deve responder todos os serviços que ele está negando de fazer um registro, uma averbação por meio desse documento que se chama nota de devolução e assim que é possível tomar as providências”.
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– Quem tem terras que foram invadidas por grileiros, mesmo com escrituras registradas em cartório? Eu perco? (Júlio César, Juazeiro-BA)
Puttini: “Nesse caso, a gente não está falando só de lotes de reforma agrária, mas de todo e qualquer imóvel onde acontece uma invasão com a seguinte diferença: se são terras do Incra, é ele quem vai ter que tomas a providências, porque é um imóvel que pertence ao governo. Mas se são terras particulares, então o proprietário tem que se valer das chamadas ações possessórias, que são previstas do Código de Processo Civil, que são a reintegração de posse, a manutenção de posse e o interdito proibitório. Então o invadido tem que comprovar realmente a possibilidade de ocorrência dessas situações para emitir uma ordem de proibição de entrada ou reintegração de posse, enfim, uma situação que tem que ser analisada sob essas providências”.
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– Temos uma propriedade de herança que foi comprada em 1979, com escritura toda legal. Porém, em 2018 fomos notificados com notícia de pendência ambiental pelo banco e que se o ICMBio não desse a licença, não poderíamos ter acesso a financiamento. Fomos atrás e pegamos a licença devido a uma lei que mudou referente a reserva extrativista criada em 1992, onde a partir de 2019 uma parte da propriedade adquirida em 1979 se tornara área de amortecimento. Esse é o problema: de tempos em tempos a lei muda e para nós que buscamos a regularidade ambientalmente fica difícil. (Igor Tobias, do Bico do Papagaio no Tocantins)
Puttini: “O que eu consegui extrair desse desabafo é que tem um conflito com unidades da área de conservação e no entorno dessas áreas existem as zonas de amortecimento. Então para essa situação também é fundamental analisar o caso concreto para emitir qualquer opinião ou juízo de valor, mas é muito comum surgirem situações em que somos consultados para avaliar se há segurança documental numa compra e venda, arrendamento, parceria, enfim, quando por análise bancos de dados, de vários órgãos públicos, a gente encontra restrições de uso de ocupação de uma área que surgem de outras políticas públicas, como as unidades de conservação, citadas nesse caso onde são criadas no entorno dessas áreas alguns locais impeditivos de utilização, como no entorno dos parques, as chamadas zonas de amortecimento. Até recentemente houve uma consulta para compras de terra de União e o pretenso comprador foi surpreendido com uma linha de corte nessa propriedade que era pertencente a um parque e ele não sabia. Por isso é importante consultar esse tipo de informação”.
– Como posso saber se vão ser liberaras as terras no assentamento em que moro? As terras são da União. Tem algum site? (Gil Lemos, de Paranaíba-PI)
Puttini: “Essa pergunta é muito importante, também gera sempre dúvidas e eu acho uma informação de utilidade pública divulgar o site, como fazer para obter as cotas. Para todo projeto de assentamento, que o Incra chama de PA, é aberto um processo administrativo no Incra respectivamente ao seu beneficiário. E atualmente muitos processos se encontram digitalizados, ou seja, são virtuais e como são de acesso público. Todo cidadão beneficiário de um lote de reformar agrária pode ter acesso ao solicitar a cópia de seu processo e o site é o Fala.BR, ou CGU.gov.br (acesso pelos links a seguir). E aí clicando nesse site, vai ter alguns locais, como um que diz acesso à informação ou solicitação onde o beneficiário faz um breve cadastro ou comprova a sua identidade, envia cópia dos seus documentos e aguarda uma resposta do Incra sobre as cópias, que não costuma demorar. Eu recomendo! Eu tenho utilizado esses sites e esses sistema para solicitar em vários órgãos públicos, tanto Incra, como Ibama, ICMBio, então fica a dica valiosa desse site, o FalaBR ou CGU.gov.br e aí qualquer pessoa pode solicitar ali e vai ter cópia do seu processo e depois dá uma lida para ver em que situação está”.
+ Acesse aqui a plataforma Fala.BR
+ Vá para a área de acesso à informação da CGU
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– Somos em sete irmãos e temos um terreno com quase um hectare todo em áreas de dunas, onde cultivamos pasto para os animais. É um terreno que meu pai possuía desde o final da década de 50 para o início da década de 60. Não sei se esse terreno está dentro de lote da Reforma Agrária, mas caso esteja dentro de lote da reforma agrária, o que pode acontecer? (Emanoel Nilo Câmara, de Areia Branca-RN)
Puttini: “Tem uma situação interessante com relação a herança e lote de reforma agrária. O lote pode ser dado, sim, mesmo não titulado. Essa é uma questão que muita gente não sabe. Se essa propriedade foi herdada como sendo um lote de reforma agrária, a primeira recomendação é solicitar informações ao Incra sobre a atual situação desse lote, se ele já foi titulado ou não. […] Independentemente disso, a boa notícia é que tanto lotes não titulados quanto esses lotes que têm contrato de concessão de uso ou também outro documento que chama concessão de direito real de uso podem ser transferidos para os seus sucessores por meio de sucessão legítima, ou seja, um inventário mesmo, ou por meio de testamento, desde que os herdeiros ou legatários, no caso de testamento, atendam requisitos de elegibilidade como nós chamamos, para que possam ser inscritos no Programa Nacional de Reforma Agrária. Tem que atender os requisitos da lei de reforma agrária e vão herdar, vão assumir as mesmas obrigações que estão no contrato de concessão de uso. E aí é proibido o fracionamento do lote, então é o que diz na mesma instrução normativa que eu citei, a 99 de 2019″.
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– Como fazer se os assentados não estiverem de acordo com as titulações, mas têm o objetivo de continuar no assentamento? (Nayane Rocha, de São Luís-MA)
Puttini: “Eu acredito que essa dúvida seja com relação a cumprimento de cláusulas desse contrato de concessão de uso que o Incra concede e que nós chamamos de condições resolutivas para se conseguir um título de domínio. Essa instrução normativa 99 de 2019 no artigo 31 determina quais são as condições obrigatórias, como, por exemplo, explorar diretamente a área do imóvel, não arrendar, a observância da legislação ambiental, dentre outras condições. E aí se for constatado pelo Incra o não cumprimento dessas cláusulas pode ser rescindido o contrato de concessão de uso, ou se é o título de domínio, ele pode ser cancelado. Então tem que ter cuidado com as condições que o Incra estabelece na concessão de uso ou no título de domínio”.
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– Depois de adquirida, quando posso vender a terra de reforma agrária? (Ana Maria, de Senador Canedo-GO)
Puttini: “O título de domínio tem algumas cláusulas resolutivas que devem ser cumpridas durante um período de dez anos. Os títulos então são inegociáveis pelo prazo de dez anos contados da data em que ele foi concedido, que ele foi assinado junto ao Incra. Então até que complete esses dez anos ele é regido por essas cláusulas resolutivas que vão dispor sobre as obrigações do beneficiário do lote, então depois disso pode ser negociado”.
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– Tem como morar em um terreno de reforma agrária e dividir o terreno com outro parente para fica ‘cada um no seu quadrado’? (Marcos Albuquerque, de Marabá-PA)
Puttini: “Segundo a lei da reforma agrária, que tem os seus decretos regulamentares e todas as instruções normativas, o cadastro como beneficiário de lotes é feito tanto individualmente por uma pessoa como também é transferido para a unidade familiar, como define a lei, que é uma família composta pelos titulares e demais integrantes que explorem conjuntamente uma parcela de reforma agrária para atender a sua própria subsistência, enfim. Então esse cadastro pode ser feito, sim, individualmente ou como unidade familiar. Aí vai do projeto que essa unidade familiar possui”.
– Quantos hectares cada um pode ter em um lote de assentamento? (Magno Alves, de Paragominas-PA)
Puttini: “Segundo o Incra, a quantidade de glebas num assentamento que assim se chama depende da capacidade da terra de comportar e sustentar as famílias assentadas e o tamanho e a localização de cada lote são determinados pela geografia do terreno e condições produtivas que o próprio local oferece. Então não há uma quantia mínima. Isso tudo passa por uma análise da capacidade de condição dessa área que foi destinada ao assentamento”.
– Sobre um caso em um assentamento: o lote não tem dono, pois o proprietário foi excluído do programa de reforma agrária e, no momento da exclusão, outra pessoa que tentou regularizar. Mas devido à demora do processo que leva à regularização, nesse período ele já não conseguiu prosseguir com o processo devido à idade. Outra pessoa pode assumir o processo legal do Incra e regularizar no nome dela? (Roberto Ferreira, de Gurinhatã-MG)
Puttini: “Uma observação: o lote jamais fica sem dono. Se havia um beneficiário que foi excluído do programa de reforma agrária, esse lote era pertencente ao Incra, ao governo, e pelo descumprimento das regras foi excluído esse beneficiário irregular e oportuniza outro inscrito na lista de beneficiários assumir esse projeto. Esse novo beneficiário que está idoso deve aguardar a titulação como os demais com uma diferença. Segundo o Estatuto do Idoso, também uma lei federal, tem um artigo que diz que é assegurada prioridade de tramitação dos processos e procedimentos que o idoso figura como parte. Ou seja, pessoas com idade superior a 60 anos. Então caberia primeiro solicitar essa prioridade e, em caso de óbito, vai haver a sucessão. Sobre o procurador, sim, esse é um serviço que normalmente pode ser prestado por técnicos, por engenheiros ou advogados que conheçam o trâmite do Incra em que pode ser outorgada uma procuração para agilizar o processo, então é um processo como qualquer outro e muitas vezes precisa dar esse empurrãozinho ou entrar com alguma medida judicial, enfim. É possível, sim fazer o acompanhamento dele”.
+ Leia aqui na íntegra o Estatuto do Idoso
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