Já foi o tempo em que os dejetos dos bovinos eram apenas uma parte do planejamento ambiental de um confinamento e a única preocupação era com a destinação dos resíduos sólidos da forma mais adequada. Atualmente, além de muitos estabelecimentos já estarem usando o esterco como adubo na fertirrigação, por exemplo, as fezes podem ser uma importante ferramenta de diagnóstico do rúmen dos bovinos. Nesta segunda-feira, dia 05, o Giro do Boi levou ao ar entrevista ao vivo com o zootecnista Newton Biff, especialista em nutrição de ruminantes e assessor técnico de bovinos de corte da Vaccinar, para falar sobre o assunto.
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“Quando a gente faz um planejamento do protocolo nutricional, você quer algo que consegue medir para ver se realmente o que foi projetado vai ser executado. E o escore das fezes é uma dessas particularidades que a gente olha para dizer realmente o que foi feito, o que está formulado, o que foi misturado e o que o boi está comendo”, confirmou Biff.
O especialista destacou que é importante fazer a análise dos dejetos ainda frescos e apontou o modo de fazer isto. “Com essa orientação e praticando, você consegue calibrar o olho. […] Mas é simples e a gente tem algumas particularidades do início até o meio do confinamento porque tem mudanças de escore de fezes. Quando a gente fala em escore de fezes, é olhar as fezes e, a partir delas, você saber o que está acontecendo com aquele animal ou com o manejo. Normalmente, na parte da manhã, a gente gosta de observar após o primeiro trato. Se os animais estão deitados, você deve levantar porque você estimula a defecar e você vê naquele momento exato como estão as fezes. Se você olhar as fezes excretadas há algum tempo, fica complicado. Então é bom você levantar os animais com calma, com cuidado, andar dentro da baia, pisar na bosta mesmo, olhar bem para você poder ter uma leitura”, recomendou o zootecnista.
Newton mostrou quais são os escores de fezes e o que eles podem indicar ao profissional que faz a ronda do confinamento. “Praticamente está dentro dessa tabela (confira na imagem em destaque acima ou clique aqui para ampliar) o que acontece no confinamento. É claro que no início do confinamento você tem mais fibra e você faz uma adaptação, você está passando de um alimento com mais volumoso para um alimento com mais concentrado. Então você essas variações. Mas tirando essa líquida (primeira imagem), que não é desejável, dentro do confinamento você tem essas variações, que são normais dentro do confinamento. Você começa com alimento que tem mais fibra e vai passando para o mais concentrado, onde você tem mais amido. Com o tempo, vai se fazendo essa transição lenta, com adaptação. Depois tem uma dieta intermediária e depois uma com mais concentrado e você vai ter essa variação. Mas essas fezes líquidas nos mostram, dentro disso tudo, que está está faltando fibra efetiva no rúmen do animal, ou seja, ou esse animal foi mal adaptado ou a mistura não está perfeita, que aconteceu alguma coisa na mistura. Às vezes teve um erro humano, algo assim. A gente tem variação também às vezes de matéria seca da silagem ou do volumoso que está sendo trabalhado, bagaço de cana, ou tamanho de partícula. Às vezes você tem que fazer uma peneirada para ver se aquela partícula está dando efetividade para o animal ruminar e poder estar produzindo saliva, tamponando o sistema”, apontou o zootecnista.
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Se as fezes líquidas não são desejáveis, as intermediárias, ou pastosas, são o que o pecuarista realmente busca. “Resumindo, esta pastosa são as fezes que a gente projeta ter no confinamento. É o ideal. […] Às vezes um pouco mole para pastosa é o que a gente procura. O que isso quer dizer? […] O que você coloca para o animal comer, você quer que a maior parte possível seja aproveitada. Então quando você tem as fezes duras ou muito moles, está tendo algum distúrbio metabólico. Quando está muito mole e quando está duro, você não está aproveitando tanto esse alimento. Então é um processo que está acontecendo ou em manejo ou até mesmo na formulação da dieta pelos nutricionistas. Ou algo que está acontecendo no confinamento e a gente tem que procurar saber o que é, por que não está se aproveitando o alimento da forma que poderia aproveitar. Indica que a digestibilidade está pouca. Quando está pastosa, realmente indica que o boi está aproveitando bem aquele alimento e que está ganhando o peso projetado”, sustentou.
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Newton reforçou que para que o alimento concentrado seja bem aproveitado, a transição da dieta tem que ser gradativa para não causar a famosa acidose ruminal. Um dos sintomas desta condição está presente também nas fezes. “As dietas da maioria dos nutricionistas hoje é de alto concentrado porque é com o que você tem maior eficiência biológica, ou seja, quanto o animal consome para produzir uma arroba. A gente comentou a respeito do preço do grão, então a gente tem que fazer com que esse animal seja mais eficiente (na conversão do alimento em carcaça). Então qual a forma de o nutricionista, o pecuarista ou responsável pelo confinamento tem para melhorar isso? Aumentando o concentrado. Mas quando a gente faz isso, a gente está desafiando o animal. Toda vez que a gente desafia o animal, nós temos que fazer isso gradativamente. O que pode acontecer? Na parte física, a gente pode olhar fezes que às vezes estão borbulhando ou com mucos. Fisicamente você vai ver esse muco. E o que é esse muco? É porque realmente aquele alimento causou um distúrbio metabólico, desequilibrou o rúmen e você vai ver aquele muco nas fezes. Quando eu falo em bolhas nas fezes quando você olha, é porque o ambiente ruminal ficou ácido e causou as bolhas que levam à acidose”, contou.
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O zootecnista detalhou a ocorrência da acidose em bovinos confinados. “Tem duas formas. Tem uma acidose que às vezes visualmente nós não vemos, uma acidose subclínica, que você vai olhar as fezes e vê pouco muco. E toda vez que a gente olha uma informação sozinha, ela pode trazer alguns conflitos, por isso é bom a gente olhar a informação completa. Não adianta só olhar o escore de fezes, tem que acompanhar também o consumo desses animais para ver. Normalmente está atrelado. Se você teve um problema de acidose, vai ver que o consumo também diminuiu e isso acarreta num prejuízo de ganho de peso diário. Então tem a acidose subclínica, que a gente não vê, mas está causando prejuízo econômico, e tem a clínica, que realmente você vê. Às vezes a gente chega no confinamento e olha refletindo no sol aquelas fezes iluminadas, que estão dando brilho, como se estivessem espelhando. Aquilo é um caso às vezes de acidose que ocorreu num problema generalizado. E pode acontecer até uma acidose intestinal. Você pode ver até sangue nas fezes, e aí já é mais perigoso, porque o alimento saiu do rúmen e foi no intestino fermentar lá e teve problema porque ali você tem sangue. Por isso você vai ver nas fezes quando acontece uma acidose intestinal. É difícil acontecer? É, porque cada confinamento tem o acompanhamento de um nutricionista, então a gente consegue segurar isso. Mas pode ocorrer”, alertou.
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Newton respondeu também em sua participação no programa se a bunda suja do bovino confinado pode apontar para um problema de desequilíbrio ruminal. “É um indicativo, sim. Pode ser na formulação. Quando a gente planeja o início de um confinamento, a gente já pega todos esses pontos críticos de uma dieta e verifica, por exemplo, o tamanho de partícula, a fibra efetiva, muito importante na dieta, a matéria seca desses ingredientes, quais ingredientes que estão compondo essa dieta… Então quando a gente formula, a gente já faz também o planejamento de transição das dietas. Com isso, normalmente não tem erro, então às vezes pode ser erro no manejo, na mistura… […] Então sobre o traseiro sujo, é um grande indicativo. Pode ser um erro na mistura e isso pode acontecer porque, às vezes, tem um vagão cuja balança não foi calibrada antes de começar o confinamento. Você acha que está jogando 200 kg de silagem, pois foi formulado daquela forma, mas na verdade estão indo só 100 kg. […] Quando você vai ver, teve um distúrbio metabólico em todo o seu gado, suja o traseiro e realmente dá uma diarreia porque faltou fibra no sistema”, ilustrou o zootecnista.
O especialista também frisou a importância de estar atento ao consumo de água, e água limpa, que estimule o consumo dos animais. “É extremamente importante. A gente negligencia a limpeza da água. É uma das coisas que a gente bate muito na tecla […]. A água é extremamente importante porque o boi que não bebe água limpa e de qualidade não ingere matéria seca, ou seja, não come direito e não expressa o potencial dele, não desempenha o que deveria desempenhar. O pecuarista usa até como uma muleta no confinamento, aponta um problema ou outro, mas às vezes foi porque o bebedouro de água que não está sendo higienizado a cada dois dias. Confinamento é um tiro rápido, então qualquer erro custa alto. A gente está falando de diárias em São Paulo, Minas Gerais de R$ 18,00, R$ 20,00. A gente tem que ser profissional no que faz. Antigamente tinha alguma margem para erro, porque a dieta custava metade ou um terço desse valor. Hoje não se pode errar em confinamento! Então a gente tem que observar todas essas variáveis dentro do confinamento e uma delas é a água”, frisou.
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O zootecnista contou que dentro da baia o boi pode até “denunciar” que a água não está limpa o suficiente. “Inclusive as fezes mostram para gente que a água está suja. É como se fosse o boi fosse um ‘dedo-duro’. Se a gente chegar no confinamento[…] e o gado está consumindo super bem, mas olhar as fezes e elas estiverem ressecadas, duras, eu vou no bebedouro e aí o boi vai entregar. Porque se você for no bebedouro e juntar a boiada toda próxima de você, é porque a água está suja”, deu a dica.
Newton revelou ainda se o escore de fezes serve também para analisar desempenho dos animais em regime de pasto. “Com certeza! Quando a gente tem fezes duras no pasto, é porque está passando muita fibra, então você quer que essa fibra tenha uma digestão maior. Aí você tem que trabalhar às vezes com suplementação, uma suplementação para aumentar a quantidade de substrato para bactéria, para aumentar a digestiblidade do capim e melhorar isso. As fezes têm que estar pastosas também no pasto”, orientou.
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A entrevista completa com o zootecnista Newton Biff pode ser vista na íntegra a partir do vídeo a seguir: