Agrônomo que “escapava” da aula para ver comitiva de gado lança livro aos 90 anos

Esalqueano Fausto Pereira Lima revelou motivações para escrever a obra em conjunto com sua filha Maria Lúcia e contou os causos de uma vida dedicada à pecuária

A contribuição do doutor em agronomia esalqueano Fausto Pereira Lima para a pecuária brasileira e mundial é tamanha que, conforme mostra a capa de seu recém-lançado livro “Nelore e outros Zebuínos: Avaliação visual, criação e manejo”, ele recebe até um “beijo” de uma novilha em reconhecimento aos trabalhos prestados.

Nesta quinta, dia 1º, do alto de seus 90 anos de idade, o pesquisador, que conta com vasto currículo, como ter sido professor da Unesp, jurado de exposições, coordenador do Projeto de Melhoramento Animal do IZ de Sertãozinho, SP, diretor-superintendente da Central de Inseminação Lagoa da Serra e membro do conselho técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, além de responsável técnico do Programa de Melhoramento Genético da USP, concedeu entrevista ao vivo para o Giro do Boi.

Sua obra, fruto de muita pesquisa e vivência, foi escrita em conjunto com sua filha, Maria Lúcia Pereira Lima, que também tem currículo expressivo, tendo trabalhado por 25 anos na Secretaria de Agricultura de SP, foi chefe do IZ e foi pesquisadora da Apta, a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios. “Para escrever o livro, demorou cerca de dois anos”, revelou Fausto.

O pesquisador contou suas motivações para escrever o livro, incluindo uma “provocação” que recebeu de um leitor de um artigo seu sobre Nelore mocho e de chifre. “Eu resolvi escrever por dois motivos: um foi para pessoas que falaram que eu devia escrever para registrar esses conhecimentos sobre morfologia de bovinos. E o outro motivo foi a partir de um artigo que eu escrevi sobre boi mocho ou de chifre em uma revista técnica. Eu recebi contestações e uma delas dizia que eu não sabia das leis de Mendel. Então eu resolvi escrever esse livro e o único tópico que tem número, que tem fórmula e explicações sobre a característica mocha, foi que eu fiz para este senhor ler livro e comprar. Ele vai ver que eu sabia da lei de Mendell desde aquele tempo”, revelou o bem-humorado agrônomo esalqueano.

“ESCAPANDO” DA SALA DE AULA PARA VER A BOIADA PASSAR

Lima compartilhou com o Giro do Boi como foi que começou sua bonita e inspiradora história junto à pecuária. “Eu tenho uma história. Eu estudei em uma escola que tinha um pé direito alto e ficava ao lado de uma estrada onde passava boiada. E quando eu escutava o sinal de que tava passando a boiada, eu quebrava a ponta do lápis e pedia pra professora para apontar o lápis na porta para não fazer sujeira na sala. A professora deixava. E eu ficava ali apontando esse lápis até a boiada passar”, recordou.

Em uma dessas “escapadas”, Fausto observou um acontecimento que lhe aguçou a curiosidade. “Eu tinha uns oito anos, mais ou menos, e um dia passou uma vacada parida e atrás dela ia a bezerrada, já cansada de andar. E tinha uma vaca que ia lá na frente, depois voltava berrando para trás para ver se o filho dela tinha vindo. Aí chegava o bezerro, ela achava o filho, voltava outra vez. […] Chegando em casa meu pai perguntou da aula e eu disse que queria saber o seguinte: por que tinha uma vaca que ia e vinha toda hora procurando o bezerro, ela cheirava e depois voltava para o lote. Ele explicou que a vaca conhece o bezerro pelo cheiro dele. Então ela vinha olhar se o bezerro estava acompanhando ela lá para ir mudando de pasto. […] A partir disso ele começou a me explicar as coisas que eu achava interessante saber”, mencionou.

Fausto sempre teve olhar atento para os sinais naturais que o gado emite para o criador e, por isso, segue valorizando a morfologia dos bovinos. “Nessa coisa moderna que surgiu sobre DEP, a Diferença Esperada na Progênie, […] o animal não tem progênie ainda, ele não tem filho, é só uma diferença esperada. Mas na venda de sêmen, o pessoal pega isso com força para vender material genético daqueles touros que ainda não têm produção. E todo ano vai trocando os melhores porque os números vão modificando. E aí aparece boi que não está em condição de vender sêmen. Na realidade, não daria nem registro na associação da raça. E isso prejudica, de certa forma, a pecuária de corte porque todo dia estão trocando de boi e aí eles não têm filhas ainda produzindo leite para saber se é boa mãe, não têm filhos ainda em idade de serem abatidos para ver o tipo do boi que vai ser. Às vezes tem touro que tem defeito de aprumos e até outros defeitos que não prejudicam a produção, e passam a vender sêmen. Então por isso eu falo: a pessoa precisa olhar o boi e ver se tem defeitos e qualidades que vão melhorar o rebanho”, opinou.

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Fausto também avaliou que os trabalhos de genômica ainda têm que evoluir para apontar com mais precisão o uso de touros jovens como reprodutores. “Não é uma matemática, em que 1 + 1 = 2. É probabilidade, a probabilidade de encontrar o gene produtivo da vaca e do touro e usar aquele animal esperado para ser um bom reprodutor. […] Então a parte de genômica ainda precisa ser melhor estudada”, acrescentou.

O livro conta com informações importantes que contribuem com a avaliação morfológica de gado de corte. “É bastante importante a pessoa saber disso. Existem medidas que dão condição de a pessoa escolher os animais para confinar, como a abertura do traseiro do boi, dos ossos ali, que chama ísquio. A distância entre eles e o comprimento do corpo do boi, a amplitude do tórax, tudo isso mostra que ele vai ser um boi pesado. E para escolher touro isso também é válido. Essas questões as DEPs não mostram ainda, mas pode-se fazer isso medindo os animais e produzir DEPs a partir dessas medidas, que com certeza trarão resultado. Isso também está no livro”, reforçou o agrônomo.

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Em sua entrevista, Fausto Pereira Lima recordou de uma passagem que teve com seu colega agrônomo esalqueano Fernando Penteado Cardoso. “A linhagem Lemgruber estava praticamente em extinção com o advento do gado que chegou da Índia em 1962. E aí o pessoal achava que aquele gado que vinha da Índia que era o Nelore e essa linhagem Lemgruber era um gado diferente daquele no tamanho da orelha, era muito puro e um gado muito manso. E se achava que isso não era bem o Nelore. Então o Dr. Cardoso estava iniciando a criação de gado em Brotas (SP) e eu falei para ele: ‘Doutor, eu vi um negócio lá em Curvelo (MG) de uma pessoa com dificuldade de registrar o gado, mas o senhor está começando agora, eu acho que o senhor devia estudar uma parceria, um jeito para criar aquele plantel lá e voltar a registrar como sendo um gado bom, que vai ser útil para a pecuária’. Aí ele disse que iria lá estudar esse negócio. E estudou, comprou o gado, comprou um touro chamado o Mistério, mandou produzir sêmen do touro, inseminou umas duas mil vacas. E aí esperou nascer. Quando nasceu, a bezerrada era muito uniforme, uma bezerrada mansa, aí ele resolveu continuar a trabalhar com essa linhagem, comprou mais uns touros e foi trabalhando e até hoje tem esse gado, que serviu para refrescar muitos planteis. Eu acho que 90% do rebanho registrado brasileiro e do rebanho de corte brasileiro têm sangue dessa linhagem, graças a esse trabalho do doutor Fernando Penteado Cardoso”, reconheceu.

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Em sua participação no Giro do Boi, Fausto mencionou ainda uma outra parte importante do livro, que trata do bem-estar animal. “A Maria Lúcia fez um trabalho, que também demorou uns anos para ficar pronto. Ela ia em uma fazenda com um curral normal e coletava sangue do animal preso no brete e dali ela estudava se o animal estava mais ou menos estressado pelo exame do sangue. Depois ela punha tapumes em lugares críticos do curral […] e coletava novamente o sangue daqueles mesmos animais para ver se tinha diferença, se o animal estava mais ou menos estressado. Isso também foi publicado e está no livro. Como fazer os currais, como identificar os currais”, anunciou.

“Além disso, ela também foi estudar nos Estados Unidos com a Dra. Temple Grandin, e aprendeu muito a questão de frigorífico. Aqui no Brasil os animais ficam muito estressados na hora de serem abatidos, por isso a carne fica dura. Falam que a carne do Nelore é dura, mas é por causa do estresse inicial que o animal sofre quando vai ser abatido. Isso também é outra coisa que precisa ser corrigida aqui no Brasil, essa questão de bem-estar animal, ter um manejo mais calmo e sem barulho. A vaca não entende o que você está falando para ela, mas ela obedece a alguns sinais, algum assobio. Isso ela entende mais do que falar, porque ela não entende e fica mais estressada ainda, principalmente se é um gado mais ligeiro. Então o bem-estar animal é muito importante”, valorizou Fausto.

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Tecnologia não substitui o bom manejo, afirma Temple Grandin

O que pode assustar de verdade os bovinos durante o manejo?

Pelo link abaixo é possível fazer a aquisição do livro “Nelore e outros Zebuínos: Avaliação visual, criação e manejo”, escrito por Fausto Pereira Lima e sua filha, Maria Lúcia Pereira Lima. “Na capa do livro tem uma novilha Nelore beijando a minha face. Aí o Toti (Antonio do Nascimento Ferreira Rosa, chefe-geral da Embrapa Gado de Corte) interpretou isso como sendo o reconhecimento do gado Zebu pelo serviço que eu prestei ao melhoramento da raça”, disse sorrindo o pesquisador.

+ Compre o livro “Nelore e outros Zebuínos: Avaliação visual, criação e manejo”

Na capa do livro, novilha Nelore “agradece” agrônomo pela dedicação à pecuária brasileira

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Assista no vídeo abaixo a entrevista completa com o agrônomo esalqueano Fausto Pereira Lima:

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