Agrônomo faz alerta para que pressão por sustentabilidade não crie “apartheid rural”

Diretor executivo do Instituto PCI, Fernando Sampaio sugere “plano diretor” para o desenvolvimento das zonas rurais tal qual é feito para os centros urbanos

Ao passo que aumenta a pressão da sociedade sobre a sustentabilidade da produção de alimentos, fibras e energia pelos nossos campos, aumenta também a possibilidade de erros na estratégia para que o objetivo seja alcançado. É isso que indicam artigos recentemente escritos pelo engenheiro agrônomo esalqueano Fernando Sampaio, diretor executivo do Instituto PCI – Produzir, Conservar e Incluir, uma iniciativa do estado de Mato Grosso.

Conforme registrou o executivo, que publicou suas opiniões em suas próprias redes sociais, os desvios nas estratégias podem levar a uma espécie de “apartheid rural”, uma discrepância como a que é vista onde grandes favelas se formam ao lado de áreas nobres nos centros urbanos. Nesta terça-feira, dia 20, o próprio Fernando Sampaio concedeu entrevista ao Giro do Boi para aprofundar a abordagem ao tema.

“Foi um artigo que repercutiu bastante (Leia O Alphaville e a Favela, ou nosso “apartheid rural”). Eu não diria que são polêmicas, mas muita gente me ligou, me escreveu dizendo que eu consegui falar algo que está acontecendo e que poucas pessoas estão se dando conta. Esse processo de pressão que existe em cima das empresas e em cima de todo mundo, desses critérios de sustentabilidade para você comprar o boi, comprar a soja ou qualquer outro produto agrícola, tem um risco embutido também. Quando a gente põe a régua lá em cima e fala que só vai comprar de quem tiver nesse padrão aqui, corre-se o risco de estar excluindo muita gente, deixando muita gente de fora de uma cadeia normal de comercialização. Eu acho que o desafio é justamente esse: como é que a gente avança nesse processo, mas sem excluir ninguém? E pelo contrário, trazendo todo mundo para essa melhoria contínua no processo de sustentabilidade”, contextualizou Sampaio.

O agrônomo justificou a comparação da situação com o termo “apartheid”. “Quando eu falo de apartheid rural, na verdade o que eu quero dizer é que quando você olha para a paisagem urbana, não dá para dizer que você tem hoje no Brasil cidades sustentáveis. Você tem nessas cidades violência, pobreza e as pessoas acabam se fechando em condomínios porque lá dentro você tem segurança e infraestrutura. E no campo é a mesma coisa. Você vai ter ilhas de prosperidade ali, mas do lado de fora você convive com pobreza, com ilegalidade, com degradação. Então a minha provocação foi no sentido de a gente não deixar acontecer no campo o que aconteceu na cidade, onde quem tem dinheiro pode estar no condomínio fechado e no shopping, enquanto o resto está na favela, convivendo com pobreza e violência”, advertiu Fernando.

O diretor executivo do Instituto PCI adiantou quais são os efeitos indesejáveis das práticas que acabam excluindo uma fatia cada vez maior de produtores rurais das cadeias produtivas. “Esse é um dos efeitos, tem essa violência acontecendo no campo (falando sobre abigeato). Mas tem não só esta criminalidade de roubo, mas a criminalidade da grilagem de terra, por exemplo, da invasão de terras e outras coisas. Fazendo de novo uma analogia da cidade com o campo, todo município hoje tem um plano diretor, onde se planeja para onde a cidade vai crescer, onde você vai asfaltar e criar bairros. Para o mundo rural você não tem essa espécie de planejamento, é tudo meio aleatório. Então a ideia também é que a gente comece a pensar na paisagem rural pensando nesse planejamento. Onde é que a produção vai expandir, como é que você vai manejar as áreas que não têm aptidão para agricultura e que deveriam ser conservadas, por exemplo. Esse planejamento da paisagem é algo que no Brasil também nunca se fez. E a gente começa a olhar para isso agora também pensando em como fazer isso”, explicou.

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Sampaio apontou possíveis soluções para conciliar a pressão da sociedade por sustentabilidade com a inclusão dos produtores rurais que por ventura estejam à margem deste processo. “A pressão eu acho que ela vem de um anseio da sociedade. É lógico que hoje o mercado, esse consumidor, não quer consumir alguma coisa que esteja envolvida, por exemplo, em desmatamento, ilegalidades e ele quer ter o direito de escolher o que está consumindo. Eu acho que essa pressão existe, eu acho que essa questão toda é como é que a gente transporta isso para o mundo da produção rural. A gente sabe que a grande maioria dos produtores hoje trabalha dentro da legalidade, quer fazer direito. Às vezes o que falta é assistência técnica, é capacidade de investir para poder melhorar a sua produção. Então eu acho que tem muita coisa para ser feita nesse aspecto de apoio à produção para que ela possa melhorar e atender a esses critérios que a sociedade hoje deseja”, indicou.

Segundo observou Sampaio, a cooperação entre instituições do setor é imprescindível para a solução do impasse e ilustrou que o próprio Instituto PCI tem como missão contribuir para este processo. “Ninguém consegue resolver isso tudo sozinho. Nem as empresas, nem os produtores, nem o governo. E a ideia do PCI é justamente de somar esforços. O governo tem um papel que é de combater irregularidades, de fomentar a regularização ambiental. O produtor tem um papel e as empresas também. A gente trabalha junto para eliminar o sistema de exclusão que existe hoje. Hoje você está bloqueando produtores e você inverte, começa a trazer essas pessoas para dentro”, comentou.

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Sampaio destacou iniciativas JBS, como o programa Juntos pela Amazônia, como exemplo de esforço para incluir produtores no caminho da sustentabilidade. “A própria JBS é um exemplo disso, de empresas que estão agora apoiando iniciativas que dão assistência para produtores, que está investindo nisso, que dá apoio para ele se regularizar e resolver pendências. E é só desse jeito que a gente vai conseguir ter essa sustentabilidade que todo mundo quer. Não adianta eu ter aqui só um punhado de produtores que atende tudo o que mercado deseja e você deixar a grande maioria de fora porque não consegue se adequar, se adaptar”, reconheceu.

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Sampaio citou ainda um dado que usou em outro artigo seu, intitulado Amazônia e desenvolvimento inteligente, que aponta que, segundo o Censo Agropecuário de 2006, das 4,4 milhões de propriedades rurais do país, 500 mil respondiam por quase 90% do Valor Bruto da Produção e, dentre estes, 24 mil produziram a metade do valor.

“Esse é um artigo que eu acho fundamental, que foi escrito pelo Eliseu Alves e o Zander Navarro, que são da Embrapa. E o título do artigo era Pobreza rural, pobreza de ideias. Eles falam que a maior parte do valor da produção está num grupo muito pequeno de produtores. Então você tem um pequeno grupo que produz a maior parte hoje do que o Brasil exporta, não só na pecuária, mas de todas as commodities agrícolas. E no boi, especialmente, isso é muito visível. A gente fez uma discussão uma vez dentro do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável – e isso são estimativas – mas o que a gente fez nessa discussão, junto com a Agroconsult, junto com dados do Rally da Pecuária, a gente imagina que hoje no Brasil você tenha cerca de 300 mil pecuaristas que de fato estão na atividade e ganham dinheiro com ela, mas você tem um milhão de pecuaristas que, na verdade, têm boi, ele hoje não consegue ganhar dinheiro. Ele está lá produzindo, tem boi, mas às vezes tem outra atividade subsidiando a pecuária dele ou ele não tem dinheiro para investir e vai degradando aquela pastagem daquela propriedade, então é uma tragédia mesmo”, exemplificou o agrônomo.

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“Se nada for feito, os que são mais eficientes vão começar a engolir os que são menos eficientes. Então em várias regiões os pecuaristas estão abandonando a atividade e transformando em agricultura, ou seja, eles arrendam para agricultura porque simplesmente vão ganhar mais dinheiro arrendando do que tentando produzir boi ou ele vai ser comprado por outro, vai sair da atividade ou ele fica ali só subsistindo. Se a propriedade é grande, isso consegue passar de uma geração para outra, mas se a propriedade é pequena, ele vai começar a usar fogo, a desmatar para tentar sobreviver. Então é de fato uma situação crítica que merece das empresas, das políticas e de todo mundo que trabalha com isso tentar diminuir esse processo de exclusão”, acrescentou.

Antes de encerrar sua participação no Giro do Boi, Fernando Sampaio ilustrou algumas ações do Instituto PCI dentro deste processo de inclusão de produtores rurais. “O PCI tem dois papeis principais. Um é essa articulação público-privada, então a gente faz parcerias entre o estado de Mato Grosso, tem ações voltadas a apoiar os produtores, a controlar ilegalidades, a fomentar a regularização. A gente tem tentado atrair também empresas do setor privado para apoiar esses produtores no processo de melhoria contínua, seja na gestão, seja na assistência técnica e na regularização também. O segundo papel que o PCI tem é o de atração de investimentos. A gente sabe que tudo isso custa caro, recuperar pastagem, dar assistência para todo mundo. Tudo isso precisa de investimentos e a gente tem essa função também de atrair investimentos para Mato Grosso para fazer isso acontecer”, concluiu.

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Confira no vídeo a seguir a entrevista completa com Fernando Sampaio:

Foto ilustrativa: Naylor Bastiani Perez /Reprodução Embrapa

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